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Aramis

O dia anterior (II)

É inevitável aos cinéfilos acima de 30 anos a lembrança de "Dr. Fantástico" ao assistir "Jogos de Guerra" (Cine Condor, 5 sessões). Mesmo sem o humor atômico que Stanley Kubrick, há 20 anos passados, dosou "Dr. Strangelove: Or how I learned stop worrying and love the bomb", o filme de John Badham, que agora chega aos cinemas brasileiros, traz também identidades tmáticas. No romance "Alerta Vermelho" (Red Alert), de Peter George roteirizado pelo excelente Terry Southern, a ação se desenvolvia em vários planos, com Peter Seller interpretando afora o personagem-título, também o capitão Lionel Mandrake e o presidente Muffley. O dr. Strangelove - no qual muitos viram uma caricatura do futurologo Herman Kahn - contrapunha-se em suas teorias de um ataque nuclear a ação que um general direitista, Jack D. Ripper (Sterlling Hayden) desencadeava: isolando sua base, determinava a uma fortaleza voadora, do Stralegic Air Command a voar para Moscou e iniciar a guerra nuclear. O ritmo de comédia - melhor dizendo, farsa - não tirava a dramaticidade de "Dr. Fantástico", numa temática alias tão séria que no mesmo ano de 1964, sem piadas, o mesmo risco de uma guerra pela loucura de algumas pessoas, era tratado em "Limite de Segurança" (Fail Safe, de Sidney Lumet). Ao menos um dos personagens de "War Games", o general Beringer (Barry Corbin), em seu nervosismo belicista, lembra os generais "Buck" Turgidson (George C. Scot) e Ripper (Hayden), além do coronel "Bat" Guano (Keenan Wynn) do filme de Kubrick. A sátira não é gratuíta, embora entre o corte profundo e visceral de Kubrick, em 1964, fosse muito mais contundente do que aquilo que John Badham coloca neste seu filme em 1983. Na filmografia de obras que retrataram no cinema o fim do mundo através de explosão atômica ou guerra nuclear, o primeiro grande impacto foi provocado por outro Stanley - Kramer - há 25 anos, ao levar a tela o romance de Nevil Shute, "On The Beach", no Brasil chamado de "A hora final". Embora, três anos após as explosões de Hiroshima e Nagasaki, surgissem os primeiros filmes sobre as possibilidades de uma guerra total ("A destruição do mundo / Krakati", 1948, de Otakar Vavra), esta preocupação teria seu maior impacto com a obra de Kramer, focando a ação sobre um grupo de sobreviventes da III Guerra Mundial, vivendo na Austrália, enquanto se aproxima a nuvem de radiação final. Agora, quando a corrida armamentista atinge níveis tão preocupantes quanto foi o auge da Guerra Fria (início dos anos 50) e da crise dos mísseis, em Cuba (1962), é natural que o cinema, como reflexo do comportamento e das inquietações de sua época, se volte a este tema - seja de uma forma apocalíptica, mostrando o fato consumado - "Pesadelo Nuclear" (título dado a "The Day After", estréia nacional dia 19, quarta-feira, em Curitiba no cine Vitória), seja através de uma ficção como "Jogos de Guerra". Em 1965, Peter Watkins já havia realizado um filme com o mesmo título e também abordando a guerra nuclear ("The War Game"), mas esta obra nunca chegou aos cinemas brasileiros. Já o filme de John Badham, desde maio do ano passado - quando teve sua primeira exibição, hors-concours no festival de Cannes, na França, é, há oito meses, obra das mais comentadas. Astutamente, o roteiro de Lawrence Lasker / Walter F. Parkes somou ao fato em si - os riscos da guerra nuclear por acidente - a mais nova mania desenvolvida entre a juventude, no início nos EUA, hoje já em dezenas de países: os vídeo-games. Se em "Dr. Fantástico ou Como Aprendi a Não me Preocupar e Amar e Bomba", era a loucura de um general anticomunista, preocupado com a colocação de "germes marxistas" na água que o povo americano bebia, que provocava o início da guerra, neste "War Games" a razão é bem mais ingênua. David (Matthew Broderick), um adolescente apaixonado pela informática, vivendo na solidão de seu quarto repleto de computadores, vídeo-games e outras parafernálias eletrônicas, usa o seu talento nesta área para compensar as falhas nas matérias que não gosta. Assim, penetra no sistema de computação da escola secundária e altera não só suas notas, mas também de sua colega, a bela adolescente Jennifer (Ally Sheed). Ao ler uma mala direta na qual uma indústria de jogos-cartuchos anuncia próximos lançamentos, decide antecipar-se e tentar fazer o seu computador "descobrir" as novidades. Por acaso, acaba penetrando num sistema que deveria ser o mais seguro e secreto - o do computador "Joshua", criado por um cientista notável, Falken (John Wood), para substituir as indecisões humanas no caso de ter que se dar início a um conflito nuclear - o que é, aliás, colocado na abertura do filme, antes da apresentação dos créditos. O ritmo da suspense e tensão é mantido ao longo dos 90 minutos de projeção: deflagado o processo de fazer "Joshua" iniciar o jogo de guerra termonuclear total, torna-se impossível impedi-lo de parar, a não ser pelo próprio cientista que o programou, falecido há 10 anos. O roteiro de Lasker e Parker vai fornecendo, pouco a pouco, os elementos ao espectador - e a ação não se fragmenta em episódios - mas consegue um ritmo notável, característico, aliás, nos filmes de Badham. Se o cinema deve refletir as preocupações de nossa época - mas com pitadas de entretenimento - "War Games" se ajusta como uma luva. Afinal, embora não tão desesperados como americanos e europeus, os brasileiros começam a se conscientizar e se assustar do que será uma guerra nuclear. Pois, com toda a violência e batalha no dia a dia de nossas vidas, quem não deseja chegar ao ano 2000. Como canta Narinha Leão, no delicioso samba que está em seu último disco?
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
14/01/1984

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