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Aramis

O envelhecido canto de nossos carnavais

Quem conheceu Alberto Cunha, durante décadas o representante das antigas sociedades de direitos autorais em Curitiba, lembra-se de que na época do Carnaval, ele ficava ainda com maior mau humor. É que recebia insistentes telefonemas de centenas de compositores cariocas preocupados na catituagem de suas músicas com vistas a obterem maior divulgação no período carnavalesco. Na época, os grossos álbuns da UBC, Sbacem, Sadembra e outras sociedades arrecadadoras chegavam a atingir mais de 500 páginas. Em volumes de capas coloridas, destinadas aos vários tipos de instrumentos - especialmente metais (sax, trombone, pistão, etc.), traziam as partituras das marchinhas e sambas que, a cada ano, disputavam a preferência dos foliões. Paralelamente à divulgação das gravações em rádios - que já começava no mês de outubro - havia o trabalho atento junto a maestros e líderes de orquestras e pequenos conjuntos para familiarizá-los com as músicas, que, com um bom trabalho, poderiam acontecer no Carnaval. Graças a isto, a música de Carnaval fez história por mais de 70 anos, retratando tipos, acontecimentos e o próprio comportamento do brasileiro - motivando, inclusive, um básico estudo do pesquisador Edigar de Alencar ("O Carnaval Carioca através da Música", 634 páginas, 1964). Hoje, tudo mudou. Tanto é que os diversos gerentes que se sucederam ao bom Cunha, especialmente depois da criação do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, cada vez foram tendo menos trabalho no Carnaval em termos deste relacionamento com músicos. Afinal, os grossos catálogos de partituras foram emagrecendo, emagrecendo até um quase total desaparecimento. De gravações carnavalescas, nem falar, pois com exceção dos elepês com os sambas-de-enredo das escolas cariocas (eventualmente paulistas), raríssimos são os registros daquele que já foi um dos gêneros mais populares - conforme aqui comentamos em nossa coluna de domingo. xxx Embora o Ecad, atualmente dirigido pela atenciosa Sra. Francisca Adamo, acompanhe a execução musical - e colha os dados para serem contabilizados aos autores das músicas mais executadas publicamente - e do bolo, uma mínima parte volta aos autores - o fato é que excetuando-se os sambas-de-enredo (e raros, a cada novo ano, conseguem se tornar populares imediatamente), praticamente não há gravações inéditas (*). Este ano, dona Francisca recebeu apenas os magríssimos "álbuns" editados pelas editoras Euterpe (50 páginas), Vitalle (10 páginas) e Intersong / Warner / Chapell Música (27 páginas), todas com edições antigas, algumas poucas de 1990 - mas nenhuma de 1991. A única edição registrada com o copyright 1991 foi das Edições Musicais Samba Ltda., com "Ó Terezinha", pobríssima marcha de Jorge Roberto / Assisão / Zé Mocó, que, ao que parece, não obteve nem gravação. A letra é de uma indignidade de fazer dó: "Ó Terezinha / Ó Terezinha Ai! Que saudade do Chacrinha Cadê o bacalhau? Cadê o abacaxi? Cadê a menina Que tomou a buzina?" xxx Uma editora (Intersong) distribuiu uma publicação em impressão xerocada, de quatro folhas, com antigos sucessos de Zuzuca (Adil de Paula, 56 anos): "Mangueira, Minha Querida Mangueira / Tengo-Tengo" (1971); "Festa para um Rei Negro" (1970); "Morro Velho" (1974); "A Dança do Cafuné" (1972); "Boi da Cara Preta" (1973) e "Vem Chegando a Madrugada" (1965). No álbum dos Irmãos Vitalle, aparecem algumas músicas registradas em 1990, que podem, com boa vontade, ser consideradas carnavalescas. É o caso das marchinhas "Pantanal" e "Noite Cigana" (João Roberto Kelly / Carlos Martins / Douglas) que Emilinha Borba gravou num selo chamado Label (quer dizer "selo fonográfico" em inglês) mas que não teve um único exemplar distribuído fora do Rio de Janeiro. Mas deste álbum (se é que se pode chamar assim uma publicação de 10 páginas) as mais cantadas, por certo, foram "Pegando Fogo" que José Maria de Abreu e Francisco Mattoso compuseram em 1938 e que, há 11 anos, foi redescoberta na voz de Gal Costa, em ritmo de frevo. A Intersong, que tem uma associação com a Warner / Chapell Music, além dos sambas de Zuzuca, incluiu em seu álbum composições de Moraes Moreira & Pepeu Gomes ("Lua e o Mar" e "É Bom Suar", de 1990) que na Bahia foram bem promovidas, junto com outras parcerias de Moraes - como "Bloco do Prazer" (com Fausto Nilo, 1981, sucesso há 10 anos com Gal), "Coisa Acesa" e "Festa no Interior" (1981, também sucesso na voz de Gal Costa). Duas outras composições do esperto Moreira, identificadas ao espírito carnavalesco, são "Por que Parou, Parou por que" (1988) e "Vassourinha Elétrica" (1990). De outro baiano astuto - Caetano Veloso - também alguns hits que sempre funcionam no Carnaval: "Chuva, Suor e Cerveja" (1971); "A Filha de Chiquita Bacana" (1975); "Um Frevo Novo" (1972); "Massa Real" (1979); "Meu Bem, Meu Mal" (1981) e, seu êxito maior, "Atrás do Trio Elétrico" (1969). xxx A ironia para mostrar a falta de novas músicas carnavalescas é o álbum das Edições Euterpe. Com o título de "Carnaval 91", vejam as marchinhas e sambas que ali estão - e que foram distribuídas aos poucos maestros e músicos que apareceram na Ecad para apanhar o material: "Maracangalha", de Dorival Caymmi (1956); "Bigorrilho", de Sebastião Gomes (Paquito) / Romeu Gentil (1963, sucesso na voz de Jorge Veiga); "Na Onda do Berimbau" (1964); "Bafo da Onça" (1961); "Voltei" (1977); "Mãe-iê" (1976), todas as quatro de Osvaldo Nunes; "O Velho Gagá", de Paulo Gracindo / Almira Castilho (1960); "Vai Ver que É", de Carvalhinho / Paulo Gracindo (1958); "Cacareco é o Maior", de Francisco Neto / José Roy (1959); "A Lua é dos Namorados", de Armando Cavalcanti / Klecius Caldas / Braguinha (1960); "A Lua é Camarada", da mesma dupla Cavalcanti / Klecius (1962); "Madureira Chorou", de Carvalhinho / Júlio Monteiro (1957); "Vaca Malhada", de Braguinha / Vicente Amaral (1963); "Boi da Cara Preta", de Paquito / Romeu Gentil / José Gomes (1958); "A Índia Vai Ter Neném" (1965) e "Índio quer Apito" (1960) de Milton de Oliveira / Haroldo Lobo; "Piada de Salão", de Caldas / Cavalcanti (1953); "Eu Chorarei Amanhã", de Raul Sampaio / Ivo Santos (1957); "Se eu Errei", de Francisco Neto / Humberto de Carvalho e Edu Rocha (1952); "Maria Escandalosa" (1954) de Caldas / Cavalcanti e "Roubaram a Mulher do Rui", de José Messias (1965). Duas marchas-ranchos, eternas, também no catálogo: "Estão Voltando as Flores" (1960), do paranaense (de Paranaguá, 26/06/1919) Paulo Soledade e "O Primeiro Clarim", de Rutinaldo e Klecius Caldas, que em 1969 foi penúltimo grande sucesso de Dalva de Oliveira (1917/1972). E um sucesso da septuagenária Carmen Costa, hoje meio curitibanizada (aqui tem passado muitos meses, tentando terminar um elepê que Mara Fontoura está produzindo) também não pode faltar nunca: "Está Chegando a Hora", que em 1951, seu então marido Henricão, em parceria com Rubens Campos, adaptou do sucesso mexicano "Cielito Lindo". Nota (*) Um dos raros sambas-de-enredo das escolas de samba do Rio de Janeiro, do grupo especial, a conseguir sucesso, inclusive no Paraná, foi "De Bar em Bar", da G.R.E.S. União da Ilha (do Governador), que homenageou este ano o compositor Didi. Falando em "cachaça" e "porre", com uma letra fácil em sua primeira parte, era das mais cantadas em muitas cidades.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
14/02/1991

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