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Aramis

O eruditor-popular de Gismonti e a grande ternura de Johnny Alf.

"Se Vinícius de Moraes existe tudo é permitido". (Nelson Rodrigues) Se não fosse um dos três maiores poetas deste País, excelente compositor e grande amigo, Vinícius de Moraes já estaria na história de nossa MPB pôr um fato: o de ter libertado o compositor da necessidade de boa voz para poder interpretar suas canções. Há dois anos, ao longo de um Shevas o Regal, o poetinha confessava: "Eu comecei a cantar somente para dar as minhas músicas a interpretação que eu achava que elas mereciam. Só por isso..." O fato é que a partir de "Vinícius & Odette Lara"(Elenco, ME-L, 1962), primeira promoção de Aloyhio de Oliveira na marcante etiqueta, Vinícius de Moraes - que anteriormente havia cometido isoladas gravações como cantor (entre elas, uma faixa no lp "Bossa Nova Mesmo", Philips, 1960), proclamava o Grito do Ipiranga dos compositores: se o Poeta canta tudo é permitido e a partir de então muitos autores passaram a dispensar os cantores(as), ao menos para lançar suas músicas. Hoje, é difícil de encontrar um compositor que não se atreva a gravar suas músicas, não importa a qualidade de sua voz. E esta libertação - como para o intérpretes de voz menos potente foi o aparecimento de Mário Reis, a partir de 1930 - é das mais válidas, permitindo que os criadores dêm a pessoa e única concepção de suas criações musicais. E a Odeon, fabrica que mais prestigia os autores brasileiros, vem de lançar quatro marcantes álbuns com valorosos compositores mostrando seus mais recentes trabalhos: Francis Hime, Egberto Gismonti, Johnny Alf e - para surpresa de muitos! - Hermínio Mello de Carvalho. EGBERTO GISMONTI - Fluminense do Carmo, 28 anos, quatro lps, mais de 100 composições, um ano e meio na Europa, dirigindo a orquestra da cantora Marie Laforêt, maestro o regente dos mais respeitados. Ais uma breve ficha de Gismonti - para nós, particularmente ao lado de Hermeto Paschoal e Milton Nascimento, tripé do que existe do mais inquietantemente importante na música contemporânea (popular) no Brasil. As duas semanas que passou em Curitiba, como professor do Curso Internacional de Música, deram a oportunidade de confirmar aquilo que já imaginavamos o seu respeito: um extraordinário artista, seguro, preocupado com um trabalho de alto significativo - e que justamente por isto por não sentir condições de apresentar um concerto a altura do que julgava merecedor o nosso público, renunciou, a única apresentação pública que faria. Em compensação, dentro em breve estará no Paiol, junto com alguns dos mais importantes instrumentistas brasileiros - o saxofonista Paulo Moura, o pianista Walter Tizo e o contrabaixista Novelli, para um espetáculo na linha de seu "Água & Vinho" que há dois anos foi um dos maiores sucessos na GB e São Paulo (Tuca). Em seus três lps anteriormente feitos no Brasil afora outros gravados na Europa, inclusive um na Alemanha, produzido por Joachim Bernardt), Egberto sempre preocupou-se em mostrar uma música profundamente trabalhada aproximando-se quase do sinfônico. Em termos populares, de grande público, talves apenas uma de suas músicas seja famosa - "O Sonho", que já mereceu diferentes interpretações. Mas para quem se interessa mais de perto músicas contemporânea, o nome de Egberto é dos mais respeitados. E o seu trabalho provoca a discussão de "música erudito ou popular". Ele próprio não fica com nenhum "porque inclusive não há mais diferença entre música erudita e popular; que, em Jimmy Hendrix (1942/1970), se encontraram de definitivamente o que existe é um som que é acompanhado ou não pelas pessoas. Se ser popular é fazer música tonal, harmoniosa, que logo de cara todo mundo acha bonito, eu não sou. Porque esse tipo de música não revela mais a realidade". E para comunicar essa realidade. Gismonti tem procurado se despir "dos condicionamentos adquiridos entre a poeira dos Conservatórios, que ainda hoje consideram músicas mais abertas como obras prostituidas", como acentuou o colunista Eduardo Guerreco ("Ultima Hora", 7/2/74 ). E para compensar, Egberto ouve exaustivamente todo tipo de som. Principalmente o pop. Pela sua grande abertura sensorial. Personalidade fascinante, justificando por si só um ensaio de muitas laudas - inclusive com uma análise retrospectiva de seus trabalhos anteriores (coisa que pretendemos fazer, quando de sua próxima vinda a Curitiba), Egberto gismonti confirma toda sua maturidade em seu último lp (Odeon, SMOFB 3624, janeiro/74), para nos o primeiro disco realmente importante do ano. Com sua profunda experiência erudita, de arranjar, pianista e violinista Egberto valoriza ao máximo cada um dos instrumentos que procurou utilizar nas sete longas faixas deste lp extraordinário. O atual letrista de Egberto é Geraldo Eduardo Carneiro que, transando sua sensibilidade, fornece as palavras exatas nas frias palavras a sensação que provoca um trabalho adulto e marcante como este novo disco de Egberto, sem dúvida o mais profundo de nossos instrumentistas-arranjadores. Em todos os trabalhos que mostra este lp - do "Tango" (4,15 minutos, face A) as "Variações Sobre um Tema de Brower"(4,11 minutos), é o músico e criador da maior inspiração em maior inspiração em momentos iluminados de harmonia e beleza. Faixas: "Luzes da Ribalta"(2`57) "Memória e Fado" (4`00) "Tango"(4`15), e "Encontro no Bar" (2,55), em parceria com Geraldo Eduardo Carneiro; "Academia de Dança"- em duas partes - "Dança dos Homens" (4`25) e "Dança das Sombras"(2`55), "Variações Sobre Um Tema de Brouwer" (4`11) usou ainda um coral no qual participam, entre outras vozes, sua esposa - a extraordinária cantora Dulce (lps "Dulce", na Forma, 1967 "Samba do Escritor", Philips, (1968) e a atriz Camila Amado (que com a peça "As Desgraças de Uma Criança" de Martins Penna, em breve estará em Curitiba). Um disco nota 10. E ainda é pouco! JOHNNY ALF - José Alfredo da Silva cantor, pianista e compositor. Carioca, 45 anos. Começou profissionalmente em 1952 na buate "Cantina do Cesar" (de Alencar), auxiliado por seu amigo José Domingos Rafael (colaborador de jazz do DOMINGO ESPECIAL), após uma infância sofrida e humilde. Atuam depois em quase todas as buates da Guanabara na primeira metade dos anos 30 Monte Carlo Clube da Chave; Clube de Paris; Mandarim; Drink; Plaza Copacabana entre outros. Em 1955 foi para São Paulo, onde permaneceu até 1961, exibindo-se também em buates (Michael; Cave; Golden Ball; Laneaster e Baiuca). N a última década, residindo ora na Guanabara, ora em São Paulo Johnny Alf manteve uma carreira às vezes irregular, o que tem o prejudicado bastante. Entretanto, em termos de criatividade musical, é não um dos precursores da Bossa Nova - pois em 1951/52 já fazia músicas como "Ilusão Atoa" (gravado com muita classe por Sérgio Ricardo em seu lp "Depois de Amor". Odeon, 1962) ou "Seu "Chopim; Descupe"(revalorizado em 1964 pelo Jango Trio; numa esplendida gravação). Pianista jazzistico de excelente balanço. Johnny Alf chegou a impressionar Oscar Peterson, numa esticada no Canto Terzo simpático night clube que existia na Major Sertorio, em São Paulo, onde o grande jazz-man canadense fez uma esticada após sua estréia no Municipal, há quatro anos - e na qual estivemos a felicidade de estar presente. Lançado em disco em 1953, na Sinter, por Ramalho Nto - que decidiria a Johnny Alf um lúcido capitulo de sua "Historinha do Desafinado" ("Editora Vecchi, 1965), gravaria em 1955, num 78 rpm na Copacabana, o fabuloso "Rapaz de Bem", para muitos, inclusive Ramalho Neto, "a primeira música autenticamente B Bossa Nova gravada, composta por êle em 1951 e a mais solicitada de seu repertório por muitos anos". Finalmente em 1961 já então com João Gilberto consagrado e alguns outros firmando-se Alf teve sua grande oportunidade na RCA Victor, onde fez o lp "Rapaz de Bem"(BBL-1155). Com arranjos do trombonista Nelsinho, Johnny ali reuniu uma seleção de belíssimas composições: "Escuta"; "O Que é Amar"; "Fim de Semana em Eldorado"; "Ilusão A Toa"; "Vem" entre outras. Um78)b ??svfn "?????? Mas façamos um flash-back, e registre-se que coube a uma cantora hoje esquecida - Mary Gonçalves famosa em 1952 por ter sido eleita "Rainha do Radio" gravar as três primeiras musicas de Johnny em seu lp "Convite ao Romance": "Estamos sós" , "O que e amar" e "Escuta". Convidado para se apresentar no "show" da Bossa Nova no Carnegie Hall 21/11/62, Johnny não foi - assim como não compareceu a muitos outros compromissos profissionais: "naquela época eu enchia cara, acordava naquela ressaca. Eu era o rei de chegar atrasado"(depoimento aos pesquisadores da Abril, fascículo 48 da "História da MPB"). Ao voltar ao Rio, em 1962, para se registrar como planista na Ordeon dos Músicos (embora tocasse há 10 anos, nunca se havia preocupado com este detalhe). Jphnny começou a se integrar no movimento da Bossa Nova que eclodia no Beco das Garrafas em Copacabana. Assim trabalhou com o Tamba Trio Sérgio Mendes, Luíz Carlos vinhas; Silvia Teles; Tião Neto; Edison Machado; Moacir Silva; Leni Andrade entre outros. E veio o convite para fazer o segundo lp - "Diagonal"(RCA Victor BBL 1271), com arranjo de Celso Murilo, apresentação de Sylvio Tullio Cardoso (1925/1966) e que foi um dos cincos mais importantes da música brasileira em 1964. Mas que nem por isto chegou a vender Exolica Johnny: "Eles faziam uma tiragem relativamente pequena dos meus discos, porque não vendiam na hora. Depois que saiu de cataloga ainda muita gente procura". E seria na Mocambo, gravadora de péssima divulgação - há anos sem comercialização no sul do Brasil - que faria o seu terceiro lp, com arranjos de José Briamonte. Mas o disco não aconteceu e para público seu nome continuou esquecido até que em 1967, professor do Conservatório Meireles em São Paulo, foi procurado pela cantora Márcia que queria uma música para o Festival da Record Alf lembrou-se de uma música que havia feito para servir de fundo musical no casamento de um amigo, mas que não pode ser utilizada devido a intolerância do sacerdote e assim colocou título e letra em "Eu e a brisa"- desclassificada nas eliminatória, mas consagrada a longo prazo: pouco mais de um mês depois estranhamente "Eu e a Brisa" começava a tocar de forma insistente. E se incluiria como um dos mais belos momentos da música brasileira. Após uma aproximação espiritualista freqüentando sessões espíritas - e o que influenciou uma fase de sua criatividade musicar ("Kaô Xangô", "Promessa pra Calunga", "Canção da Demanda"), Alf voltaria a fazer um novo lp em 1971: "Ele é Johnny Alf (Odeons, PBA 13028), onde incluíria "Eu e a Crepúsculo"- segundo da trilogia iniciando com "Eu e a Brisa", Anabela", "Despedida de Mangueira", "Lame"; ao lado de suas músicas mais antigas, como o clássico "Ilusão A tôa". Os arranjos deste lp foram de José Briamonte e Elcio Alvarez com vocais a cargo de Sidney Morais. Três anos se passaram para Johnny fazer o seu quinto lp: "Nos"( Ordeons, EMCB 7001, fevereiro/74) . E que, como todos seus discos anteriores, se constitui num momento maior da música brasileira, dentro da carreira deste planista-compositor-cantor da mais pura poesia, com uma carreira sofrida, momentos amargos, desencontros mil mas capaz de produzir obras de enorme ternura, dizendo coisas como "Ah! Retiro o sol em tom crepuscular. E deixe a noite vir Pra rebuscar em min sonho-Adeus! Ah! Convide a lua a refletir no mar" ("Plenilúnio). A seriedade com que Johnny Alf é encarado está nos cuidados que este seu maravilhoso lp mereceu. O produtor Simon Khoury da Rádio Jornal do Brasil, teve o apoio de Egberto Gismonti que, um dos maiores fãs de Alf fez os arranjos para quatro faixas - "Saudações" (Gismonti/Paulo Cesar Pinheiro) onde executa também violão, "O Que é Amar", "Acorda, Ulãsses" e "Plenilunio". Ivam Lins fez os arranjos e executa piano em "Um Gosto de Fim"(Ivan/Ronaldo Monteiro de Souza) interpretado por Johnny; Gilberto Gil é o autor r toca violão em "Músico simples" com selos de flauta de Palio Moura. Wargner Tiso, do Som Imaginatório fez o arranjo de "Nós", de Johnny, com solo de sax de Paulo Moura". "Outros Povos", um dos melhores temas de Milton Nascimento (com letra de Márcio Borges) teve também arranjo de Wagner Tiso. Paulo Moura, notável saxofonista - um dos mais importantes Jazzman do Brasil - arranjou "E Um Cravo e tem Espinho"(Gonzaga Junior) e "um Tema Pro Simon", do Johnny Alf, a mais jazzista faixa do lp e que encerra o lado B Do jazz a poesia lírica do "Plenilúnio", passando por obra de grande significado como "Acorda, Ulysses"- que muitos poderia dizer ser influência da obra de James Joyce se não fosse Johnny um músico simples, sem formação literária - o fato é que este lp "Nós" adquire uma enorme importância. Assim como o disco de Gismonti, o lp de Johnny Alf não pode deixar de estar na discoteca de ninguém que ama a música brasileira. Um disco como seus quatros anteriores - destinado a permanecer na história de nosso MPB. FOTO LEGENDA - Quando cantam os compositores (I)
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música Popular
1
10/03/1974

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