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Aramis

O grande Miles Davis (de ontem e de hoje)

Assim como o brasileiro Egberto Gismonti renova-se a cada ano e quando um novo disco já tem dois outros à frente (normalmente lançados inicialmente no Exterior) , o americano Miles Dewey Davis (Alton, Illinois, 25/5/1926) está sempre um passo dentro do futuro. Como diz produtor executivo de "Decory (CBS, sem pen'7ltimo elepê, lançado nos EUA em junho/84, ainda inédito no Brasil): _ "Miles não olha para trás". Depois de "Decory", já gravou outro, completamente diferente no conceito e estilo, com baladas que deve sair agora nos EUA. "Star People", seu elepê de 1983, considerado o "record of year" no jazz poll da "Down Beatt" saiu no Brasil no primeiro semestre de 1984, dentro da Collector Jazz Series. 1984, aliás, foi um ano bem Milesniano: em julho, em Nova Iorque, seu concerto no Avery Fisher hall, abriu o Kool Jazz Festival (tradicional evento jazzístico, iniciado há 31 anos em Newport – e desde 1972 espalhando-se por várias salas de concertos e clubes noturnos de NI). No Brasil, enquanto Arlindo Coutinho fazia com que "Star People" tivesse uma edição nacional, a Barcley, no excelente pacote jazzístico, proporcionou que três dos melhores momentos de Miles Davis nos anos 50 aqui tivessem edições: seu encontro com o quinteto/sexteto de Milt Jackson, "Blue Moods" e "Blue Haze". Aos 57 anos, Miles é uma das mais carismáticas personalidades do jazz. Remanescente da geração surgida nos anos 40, revolucionário em suas concepções musicais jamais se repetiu. Recusando-se a dar entrevistas, caladão e mal educado, tem marcado o jazz com uma obra absolutamente pessoal. Muitos cultores do jazz afirmam preferi-lo em seus anos (dito) românticos – a década de 40/50, quando seu sopro inovador deu um novo feeling a canções standards como "Nature Boy", "Alone Together" e "Easy Living" – como podemos ouvir em "Blue Moods", no qual atuou com um quarteto extraordinário: Charles Mingues (1922-1979) no baixo; Britt Woodman no trombone; Teddy Charles no vibrafone e Elvin Jones na bateria. De uma extrema versatilidade, Miles gravou centenas de faixas, com as mais diferentes formações. Por exemplo, há 31 anos, integrava-se a Mingus (piano), John Lewis (pistão), Percy Heth (baixo) e Max Roach (bateria), para numa única sessão (19/5/1953) registrar os standards "When Lights Are Low", "Tune Up", "Miles Ahead" e "Smooch". _ Faixas reunidas em "Blue Haze" (Prestige/Barclay) a "Four", "Old Devil Moon" e "Blue Haze", de uma sessão de 10/3/54, no qual ao piano estava Horace Silver (músico extraordinário, que há 10 anos se apresentou perante um auditório semideserto na Reitoria) e Art Blakey na bateria. Já em "I'll Remember April", de um registro de 3/4/54, com David Schildkraut no sax alto; Heath no baixo; Kenny Clarke na bateria e Silver no piano – mostra outra formação. Da mesma época foram registros de "Dr. Jackle", "Minor March", "Bitty Ditty" e "Changes" – com Jacke McLean (sal-alto), Percy Heath (baixo), Milt Jackson (vibrafone), Ray Bryant (piano) e Arthur Taylor (bateria) no suave "Mile Davis All Star Sextet/Quintet" (Prestige/Barclay). Quem se acostumou com aquela fase de Davis – improvisando criativamente mas sempre dentro de standards suaves e harmonioso – demorou para entender sua transformação no virar da década de 60, quando após o básico "Filmore East" – álbum duplo gravado ao vivo no antigo templo da música pop em San Francisco (e no qual, já participava o catarinense Airto Moreira na percussão), Miles fez o demolidor "Bitches Brew"- outro álbum duplo no qual rompia com o romantismo do passado e se lançava às propostas da fusion do rock/pop/jazz – numa atitude que horrorizou os tradicionalistas do jazz, mas fez com que os jovens se aproximassem de Davis. A exemplo de Sonny Rollins (Nova Iorque, 7/9/1929), saxofonista/compositor, Miles Davis tem feito longos, misteriosos e voluntários exílios artísticos. Assim, como já havia ocorrido anteriormente, em 1974, ele desapareceu sem explicações. Nem a CBS sabia de seu paradeiro. Só em 1981 voltou, gravando então um elepê importante, embora estranho "The Man With The Horn" (editado em 1982 pela CBS, no Brasil). Nunca disse uma palavra sobre suas doenças, nem desmentiu o que foi publicado. Aliás, desde a década de 50, quando se viciou em heroína, Miles teve sérios problemas de saúde. De 1945, quando, aos 19 anos, fez sua primeira gravação, a 1984, quando voltou a fazer novos e inovadores discos, Miles sempre teve uma personalidade única. Nos anos 50, por exemplo, com Gil Evans e orquestra fez os seus clássicos trabalhos "Miles Ahead" (57) "Porgy and Bess" (1959) e "Sketches in Spain " – exemplos perfeitos da integração orquestral do jazz. Entendendo-se, assim, as diferentes fases de sua carreira pode-se assimilar melhor a beleza deste "Star People", no qual gravou seis novas composições, com um grupo renovado – no qual, por exemplo, um novo baixista, Tom Barney, substituiu a Marcus Miller como membro regular de seu conjunto. Ao longo dos 40 anos de carreira – a serem devidamente comemorados agora – Miles tem renovado sempre e, por isto mesmo, centenas de músicos passaram por seus grupos (entre eles, por alguns meses, o nosso amigo Airto Moreira). Das fases suaves e românticas da década de 40/50, da renovação do bebop, as gravações orquestradas por seu amigo Evans ao experimentalismo dos anos 60, como rock-fusion, Davis é um dos últimos grandes gênios do jazz. Neste "Star People", reencontramos uma artista da maior criatividade, estranho, distante mas absolutamente genial. Ao longo das faixas "Come Get It", "It Gets Better", "Speak", "Star People", "U'N'I" e "Star o Cicely" (homenagem a sua falecida esposa, o exemplo de um artista que sempre soube se renovar.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
06/01/1985

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