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Aramis

O jazz francês do excelente Bolling

Por uma daquelas ironias que tão bem demonstram o subdesenvolvimento musical no Brasil em termos de informação jazzística, foi necessário que há 13 anos o compositor Marvin Hamlisch resgatasse a obra de um dos mais geniais compositores-intérpretes americanos, do início do século, Scott Joplim (Taxarkana, Texas, 24/11/1868 - Nova Iorque, 11/4/1917) ao incluir seu clássico "The Entertainer" na premiada trilha sonora de "Um Golpe de Mestre" (The Sting, de George Roy Hill) - Oscar de melhor sound track adaptada - para que, indiretamente, começasse a chegar ao Brasil a obra de outro gênio do jazz moderno: o francês Claude Bolling. Vencedor por seis vezes do Grand Prix du Disque, aclamado como compositor, regente, arranjador e pianista, Claude Bolling muito tempo antes de Hamlisch recorrer a Joplim, já vinha gravando peças de ragtime (não só de Joplim, mas de outros autores), mas com a popularidade que o filme de Hill (estrelado por Robert Redford e Paul Newman, lembram-se?), houve um natural interesse em se conhecer outras obras daquela fase ingênua, mas extraordinariamente criativa, da música americana. Bolling, francês nascido em Cannes, um prodígio já aos 14 anos no piano de jazz, mas que teve um aprendizado formal de harmonia e contraponto, adquiriu grande parte de sua educação musical ouvindo discos, especialmente de Duke Ellington - do qual se tornaria um dos maiores amigos. Eclético, gravou ragtime, boogie woogie, blues antes de mostrar suas próprias composições e chegar aos clássicos. Como compositor, a partir dos anos 70 ficou famoso pelas suítes - desde a trilha sonora para "Califórnia Suite" - até as peças para flauta - (dedicadas ao seu amigo Jean Pierre Rampal, editada no Brasil pela CBS, em julho de 1982), guitarra, violino, trompete, orquestra de câmera e cello. Há 5 anos, Warren Beatty o convocou para criar a trilha sonora de "Reds" num trabalho em que teve a preciosa colaboração de Rampal, flautista que tem divulgado sua obra em todo o mundo - inclusive no Brasil, onde já fez várias temporadas (sempre com a participação do curitibano Norton Morozowicz). À imensa e respeitável obra de Bolling, acrescenta-se também uma das melhores trilhas sonoras dos anos 60 - "Borsalino", editada no Brasil, na época (1968), mas hoje raridade. Nos últimos anos, com o interesse cada vez maior pelo seu estilo original, alguns de seus álbuns têm sido editados entre nós - revelando-se mais o virtuosismo de um instrumentista que somando uma linguagem jazzística - de mestres como Ellington, Fats Waller e Earl Hines - tem também trabalhado com eruditos como Pinchas Zucherman, Maurice André, Yo-Yo Ma e a Orquestra de Câmara Inglesa. Agora, num lançamento que já se deve anotar para figurar entre os melhores discos do ano, temos "Jazz à la française" (Collector Jazz Series/ CBS, fevereiro/86), gravado em sessões no Teatro de Comédie de Champs, em Paris e na RCA, em Nova Iorque. Acompanhado por Jean-Luc Dayan na bateria e, alternadamente, Jean François Rougé ou Steve La Spina nos baixos, temos o melhor jazz - lembrando, lucidamente, pelo crítico Jean Claude Zulbertein, como "irmão de sangue das suas suítes". Na mesma formação - piano/baixo/bateria - que fez de outro jazzman francês um clássico (Jacques Loussier, por sinal ausente há anos fonograficamente), Claude Bolling encanta nos sete temas deste álbum simplesmente maravilhoso. Num dos temas mais demorados - "Blues Kiss from Brazil" (sete minutos), uma referência ao Brasil - enquanto em outros temas há saudáveis citações de clássicos do jazz, sempre dentro da categoria, da limpeza, da harmonia e criatividade que fazem deste álbum, sem favor, um dos mais agradáveis momentos do jazz contemporâneo ouvidos nestes últimos anos. Um lançamento de primeira categoria, nota dez com louvor.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
23
16/02/1986

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