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Aramis

O mestre Moura revisita em afro o mestre Caymmi

Depois do último fim de semana com um espetáculo musicalmente cool, na união perfeita do virtuosismo do baixo de Arismar do Espírito Santo com os harmoniosos teclados de Amilson Godoy, a temporada musical do Paiol terá a partir de hoje outro belíssimo momento instrumental - desta vez com temperatura mais elevada: Paulo Moura, com um repertório calcado especialmente na sua leitura afro-jazzística da obra de Dorival Caymmi, espécie de amostragem ao vivo do seu último álbum ("Chorus"), já considerado como um dos melhores do ano. Aos 59 anos - completados no último dia 15 de julho, este paulista de São José do Rio Preto, filho de um mestre-de-banda, clarinetista e carpinteiro, com três irmãos igualmente músicos de sopro (José e Alberico, trompetistas; Valdemar, trombonista) é um artista completo. Como uma espécie de Wilson Marsalis em versão verde-amarela é capaz de tocar tanto os mais difíceis temas sinfônicos - e sua participação em orquestras tem sido grande - como dar uma linguagem jazzística a melhor música brasileira. Após uma série de álbuns-documentos divididos com a pianista Clara Sverner e experiências que incluíram até a formação de um quarteto (com Rafael no violão, Heraldo do Monte no violão e Arthur Moreira Lima nos teclados) para acompanhar o cantor Ney Matogrosso, Paulo Moura formou a banda Ociladocê - com músicos igualmente talentosos como Alex Meirelles (teclados), Paulo Muylaert (guitarra e violão), Ricardo Feijão (baixo), Marcos Suzano (percussão e pandeiro). Escolheu o repertório-base de um dos gênios da MPB, o baiano Dorival Caymmi, 77 anos, para gravar um álbum que, por unanimidade, foi recebido com os maiores elogios - mas que, infelizmente está difícil de encontrar em nossas lojas. Antes de começar a atual temporada no Brasil (iniciada no People's, Rio de Janeiro, em agosto), Paulo e a Ociladocê, andaram pela Europa, ali gravando mais dois discos. Um na Alemanha, com a participação do percussionista Degas e o segundo durante o Festival da Clarineta de Glomel. Em Lisboa, Paulo e a banda participaram do Fest Tejo, "onde encerrava o espetáculo com "Lisboa Antiga" em ritmo de samba para delírio dos portugueses" como nos conta a boa amiga Isolda D'Ambrosio, uma das mais eficientes executivas culturais do país, ex-Globo e hoje dedicando-se a gerenciar artisticamente as temporadas de Paulo. Instrumentista, compositor e regente com mais de dez discos espalhados em diferentes etiquetas e países (infelizmente, poucos a disposição nas lojas), Paulo Moura neste seu espetáculo-álbum, faz com que "dois oceanos se encontrem e não aconteça uma pororoca: o mediterrâneo Dorival Caymmi e o índico Paulo Moura juntam as águas numa viagem transatlântica. O baiano Dorival entra com a régua elíptica trazida da terra do sincretismo e o paulista Paulo, tão aclimatado no Rio, fornece o compasso fruído que transmuta gêneros, números e graus musicais". Caymmi, hoje solitário entre os gênios da MPB - cuja obra já tem merecido revisões monotemáticas de gente competente que o admira (como fez Gal Costa num de seus melhores elepês) é praticamente revisto nos arranjos e interpretações que Moura, em seu sopro único, faz de 12 de suas obras-primas: "Noite de Temporal" (1940); "Só Louco" (1956); "Doralice" (1945); "Marina" (1947); "Acalanto" (1957); "O Mar" (1939); "Mãe Menininha" (1968); "Sargaço Mar" (1975); "Promessa de Pescador" (1939) e "Suíte dos Pescadores" (1965). Pode haver uma seleção melhor?
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
13/09/1991

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