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Aramis

O NOVO CANTO DE LYRA

Dois fatos importantes marcaram, pessoalmente, a presença de Carlos Lyra, em Curitiba, durante uma semana: a decisão que tomou em escrever um livro sobre a sua participação no movimento da Bossa Nova - e que terá o mesmo título de seu primeiro lp - "Carlos Lyra/Bossa Nova" (Philips, 1959) e a conclusão de sua última música, talvez o trabalho mais elaborado e sincero de sua respeitabilíssima carreira. Aos 39 anos (aparência de 30), 15 anos de vida artística algumas das músicas mais bonitas de nosso cancioneiro, e o autor de "Marcha da quarta-feira de Cinzas" é antes de tudo, um homem consciente do papel do artista em seu meio e sua época. De posições firmes, Carlos Lyra não teme afirmar muitas verdades sobre a nossa MPB, desmistificar certos ídolos e, principalmente, ter uma visão dialética do processo histórico da BN. Por isto, sua decisão em oferecer um documento sobre a sua presença em nossa vida artística (1955/73) se constitui em acontecimento musical dos mais importantes. "Não esperem um livro de datas e "gossipes", mas sim um relato sincero do que fui, sou e penso ser dentro de um determinado momento de nossa vida artística" explica Lyra, ao mesmo tempo que garante que "Herói do Medo" - sua ultima composição que dará título ao seu futuro lp (não sabe ainda se na Phonogram ou na Continental, gravadora que já o convidou). Reconhecendo as influencias de Fernando Pessoa (1888-1935), em especial o clássico "Poema em Linha Reta", na estrutura de "Herói do Medo", Carlinhos mostra este trabalho como um novo ponto em seu trabalho: sempre das mais produtivas em todos os ciclos que atravessou (de "Lobo Bobo" a "Minha Namorada" com momentos políticos - "O Subdesenvolvido" e Românticos) . Em primeira mão e apenas como um documento - eis aqui a letra de "Herói do Medo" que independente da música, se constitui num trabalho que valoriza Carlos Lyra como um poeta de letras maiúsculas. Herói do medo/Não tenho medo Do próprio medo que me torna herói Com minhas regras/Eu faço o jogo E logro um único parceiro: eu Eu sou o primeiro/ E sou o último Mas não assumo condição humana E me proclamo /Meu soberano Na origem Despótica de um Deus. II Herói do medo/Escrevo as tábuas Da autoridade que repousa em mim Pra que na Terra/ Não a despertem Vou caminhando, em sonho, sobre as águas Meu rastro assombra /Os cães de fila E renda as preces das mães de família Mais prevalece/ Minha arrogância Entre animais, mulheres e crianças. III Herói do medo/Firo e difamo E me alimento de fraqueza humana Com altivez/Eu dou e tomo E não recebo nunca o oferecido Ninguém me dá/Do que sou dono Porque eu possuo sem ser possuído Se basta olhar-me/Em seu reflexo Porque integrar-me inteiro no Universo? IV Herói do medo/Odeio a mãe Por ter parido/E odeio mais a amante Por ter amado/Que há de sofrer Pra que se avilte e há de morrer /pra que eu Me ressuscitei em liberdade Porque entre dois amei a mim somente Porque as mulheres são para herói Um mero passatempo de covardes. V Herói do medo/Imolo a ultima Que aplaca a vida intima do herói E aos vencidos (compatriotas) O meu desprezo, porque nas derrotas não movo um dedo/Por impedir Com os vencedores eu me identifico E justifico conquistadores Por seu direito extremo de oprimir VI Herói do medo/Exerço o Mundo E a humanidade sem lhe ver a face Pretendo ao prêmio/Sem correr riscos E conquistar a glória em luta fácil De comodismo/Desta moral Falta de ação mais pródiga de gestos Lanço um olhar/Ao meu passado Me paraliso e me converto em sal. LEGENDA FOTO 1- Lyra, a musica inédita. LEGENDA FOTO 2 - Keila, nova voz.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
6
25/03/1973

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