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Aramis

E o público perdeu mais um dos melhores filmes

Poderia-se até dizer: o melhor filme apresentado em Curitiba em 1980 foi exibido... em apenas 6 sessões. Mesmo que as opiniões possam discordar na classificação, dificilmente alguém que acompanhe o cinema com um pouco de seriedade deixaria de incluir << O Homem Que amava As Mulheres>. como uma das obras mais importantes da respeitabilíssima filmografia François Truf-faut. Infelizmente, muitos poucos foram os que puderam ver esta produção francesa lançada em Paris em fins de 1977 e que durante 78/79 mereceu elogios em todos os países foi projetada. Estreando modestamente segunda-feira, no Cinema 1 - em substituição ao excelente << Efigênia >>, de Cacoyannis( que também foi projetado apenas por 4 dias), << Le Homme Qui Amait Les Femmes >> já não está em cartaz: a partir de hoje, ali estréia << F.I.S.T. >> drama sobre sindicalismo e corrupção, direção de Norman Jewison, que deveria já ter exibido no Bristol, há 3 semanas, se << Emmanuelle, A Verdadeira >> de Just Jaeckin, não continuasse a ter excelentes bilheterias (e tanto é que vai por mais uma semana, tranquilamente). Na semana passada, outro filme francês importante - << Perigosos Inocentes >> (Attention Les Enfants Regardent), de Serge Leroy - violenta denúncia sobre os perigos das violência na televisão, ficou. Agora foi o filme de Truffaut que não resistiu mais do que 3 dias. Jorge pedras e fazer acusação contra os exibidores é uma cômoda posição dos << nacionalistas >> que , por qualquer razão, culpam este setor como causa de todos os males que afligem o cinema. Aliás, no caso de filmes nacionais, por lei, eles não podem ser retirados de cartaz antes de uma semana. Já com relação aos estrangeiros, a substituição é automática. E por mais boa conta de que o exibidor tenha, é difícil enfrentar os borderaus que apontam uma renda líquida inferior a Cr$ 4.000,00 em dois dias de exibição de um filme, como foi o caso de << O Homem Que Amava As Mulheres >>. Só em luz e limpeza, o Cinema 1 tem uma despesa maior do que este faturamento- considerando-se que do total, 50% vai para a distribuidora, no caso a United. Assim, só mesmo com subvenção é que se poderia manter << O Homem Que Amava As Mulheres >> em cartaz, pois o cinema é, infelizmente, um negócio como qualquer outro: há impostos, encargos trabalhistas aluguéis etc. Pode-se argumentar que a United Artists não está sabendo promover seus filmes em Curitiba. Que o lançamento de um filme numa segunda-feira não é o ideal e o frio e a chuva desestimulam qualquer cinemaníaco a enfrentar um vazio cinema (na terça-feira, na sessão da noite do Cinema 1, havia apenas 12 espectadores). Entretanto é de se perguntar onde estão os jovens e entusiastas << fãs >> do cinema-de-arte, << curtidores >> de filmes << de autor>., admiradores de François Truffaut, hoje aos 48 anos, 29 de cinema, um dos maiores talentos da chamada Nouvelle Cague, egresso da geração formada no << Cahiers du Cinema >> e que desde seu primeiro longa-metragem (<< Os Incompreendidos/Les 400 Coups >>, 59), vem realizando uma obra das mais coerentes, sensíveis e humanas? Em termos de cinema, os elogios a um filme como << Ó Homem Que Ama As Mulheres >>são fáceis de serem. Afinal. Truffaut consegue - a exemplo de Frederico Fellini - colocar muito de autobiográfia em seus filmes, conseguindo uma empatia com os mais diferentes públicos, uma sinceridade que marca as grandes obras. Seja o personagem. Antoine Doinel - de << Os Incompreendidos >> ao seu último longa-metragem. << O Amor Em Fuga >> (L`Amour en Fuite, 80), lançado em São Paulo na semana passada - ou mesmo uma fita sobre um filme - o premiado << Noite Americana >> (La Nuit Americaine, 73) - a exemplo do que Fellini fez em << Oito e Meio >> (1963), é necessário entender a obra de Traffaut em toda sua coerência e unidade,. Mesmo quando freqüentou a ficção-cientifica levando ao cinema um dos melhores romances de Ray Bradburry (<< - Fareinheit 451 >>, 1966), o policial (<< A Noiva Estava de Preto >>), a antropologia (<< O Garoto Selvagem >>, 71) ou a biografia (<< A História de Adele H >>, 75) sem falar na habilidade para tratar com as crianças (<< A Idade da Inocência/L`Argent de Poche >>, 76), Truffaut nunca fracassou. Portanto, não se diga que não há um público que deveria se motivar por um novo filme deste cineasta tão sério quanto universal. E no caso de << L`Homme Qui Amait les Femmes >>, o tema não poderia ser mais atraente: a trajetória de um homem ao longo de muitos amores - e a busca da mulher ideal. Em alguns momentos. Truffat pode lembrar a outro filme excelente, recentemente desperdiçado no cine Avenida - << Em Louvor à Mulher Madura >> (In Praise of Older Women, de George Kaczender), que tem promessa de relançamento no Bristol. Assim, como Andras Vayda (Tom Berenger), do filme de Kaczender, também o personagem intérprete por Charles Denner no filme de Truffat revê sua vida através das múltiplas mulheres que dividiram momentos de amor ou, no mínimo, prazer sexual. O ritmo dinâmico que caracteriza Truffat, mas extremamente simples em sua linguagem (no caso, teve a participação de Michael Fermaud e Suzanne Schifirme no roteiro) faz com que a ação seja sempre imprevisível, tornando-a ainda mais fascinante. Desta vez trabalhando com duas atrizes menos conhecidas - Nelly Borgeaud e Genevieve Fontanel, ao lado de Leslie Caron (numa curta mas marcante aparição ao final). Truffat também traz, a hoje adulta Brigitte Fossey, que, há 28 anos passados, era a menina-prodígio revelada por Rene Clement no belíssimo << Brinquedo Proíbido >> (Jeux Interdits, 52), um dos maiores sucessos do cinema francês nos anos 50, que, em 1957, permaneceu mais de um mês em exibição no antigo cine Marabá. E que apesar disso, vencido o prazo da Censura, nunca mais foi relançado comercialmente no Brasil. Não se justifica que se faça uma longa apreciação em torno de um filme que não está mais em exibição. Mas assim como se lamenta que o público não tenha comparecido às sessões de << O Homem Que Amava As Mulheres >>, também se espera que Curitiba possa ter um dia, uma sala sem fins lucrativos, capaz de poder ter obras como este filme em carreira normal. Mas para isso é necessário que as entidades responsáveis sejam orientadas por pessoas esclarecidas e competentes.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
03/07/1980

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