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Aramis

O sonho acabou

ARTHUR Miller tinha 34 anos quando escreveu "A Morte de Um Caixeiro Viajante". Começavam então (1949), os primeiros indícios da "Caça as Bruxas" empreendida pelo radical senador Joseph McCarthy (1909-1957), que atingiria o auge cinco anos depois - incluindo Miller entre as vitimas, e que o motivaria, a escrever uma de suas mais importantes peças, "As Feiticeiras de Salem" (1953), além, de, como memória, rememorar os fatos em sua quase autobiográfica (em relação a sua esposa, Marilyn Monroe, 1926-1962), peça "Depois da Queda"(after The Fall, 1963). Ao longo de 29 anos, "Death of a Salesman" tem merecido inúmeras montagens, das mais profissionais as mais amadorísticas. O texto de Miller é tão vigoroso, tão pleno de valores humanos, sociais econômicos que tem resistido, mesmo quando entregue as mãos mais incompetentes. Há muitos anos que era necessário, no Brasil, que fizesse uma remontagem profissional desta aguda visão da vida americana, na ótica de um dramaturgo que em toda sua obra entendeu a indissociabilidade do homem & o social - o que torna seus textos dos mais significativos - e que adquirem um sentido documental/histórico, com o passar do tempo. Flário Rangel, 44 anos, 20 de direção teatral, é, no atual panorama do teatro brasileiro, um encenador dos mais sérios e competentes. Em duas décadas de ininterruptos trabalhos, passando pelos mais diversos autores e gêneros, tem um saldo de trabalho dos mais valiosos. Assim, para Paulo Autran, 56 anos, que coincidentemente estreou no teatro no mesmo ano em que "A Morte de Um Caixeiro Viajante" tinha sua primeira encenação nos EUA, fazer uma nova montagem deste texto, direção de Rangel, se afigurou como o melhor opção nos últimos anos. Um dos raros atores brasileiros que tem resistido a concessão fácil (telenovelas, filmes comerciais etc.), e conseguido alcançar ótimos rendimentos nos últimos 14 anos, em que vem produzindo seus espetáculos. Autran, diga-se a bem da verdade, também tem escolhido sempre bons autores. Assim, a montagem de "A Morte de um Caixeiro Viajante" (auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, hoje e amanhã, 21 horas), é um espetáculo de alto nível profissional, como há muito não se via em Curitiba, infelizmente, em termos teatrais, fora do eixo das melhores montagens feitos no Rio-São Paulo. Sem dúvida, um texto como o de Miller, denso e dramático, perde muito ao ser levado num auditório imenso como o Guairão. Por melhor que seja a dicção dos interpretes, é inventável que a não ser os privilegiados espectadores das primeiras poltronas, em certos momentos, não consigam receber toda a carga emocional, toda a clareza dramática dos diálogos inteligentes e explicativos. Talvez por isso alguns dos atores que Autran colocou no elenco montado para viajar, em substituição aos interpretes originais, (nas temporadas em SP/Rio), elevem exageradamente a voz e cheguem a alguns gritos irritantes, principalmente no caso de Márcio de Luca(Biff) e Deny Perrier (Happy). Entretanto, as restrições que se possa fazer cessam frente a profundidade do texto e a direção altamente profissional de Rangel, somada a presença experiente de Autran e, principalmente, a magnifica atuação de Nathalia Timberg, uma atriz de sensibilidade em todos os poros, e que há muitos anos o público curitibano não tinha oportunidade de ver no palco. Nathalia criou uma "Linda Loman" plena de vida e ternura, lembrando, inclusive a antológica interpretação que Mildred Dunnock fez, há 27 anos passado, na versão cinematográfica da peça, produção de Stanley Kramer, dirigida por Laslo Benedek e que tinha Frederic March (1897-1974) como Willy Looman. No elenco de suporte, houve muitas substituições, mas que não chegam felizmente, a comprometer o espetáculo. Quando Arthur Miller entregou o texto de "A Morte de Um Caixeiro Viajante" aos produtores, especificando 35 diferentes cenários, disse: "Não sei como isto pode ser resolvido. O desenhista desta produção precisa achar uma solução simples". De certa forma, o cenógrafo Túlio Costa, passados 28 anos, optou pela mesma solução eminentemente prática adotada nos EUA, para uma peça de muitos cenários, cuja ação se passa em vários cômodos de uma casa antiga, entre os edifícios de Nova Iorque agigantando-se - e depois passando para um restaurante, escritório ou quarto de hotel. A casa é mostrada, nos toques realísticos necessários para identificar cada cômodo; o mundo exterior é pintado sobre um pano-de-fundo, e várias cenas, passadas na frente do palco, sugeridas somente por mesas e cadeiras, conforme o caso. Mas esse esboço de cenário consegue apreender a estrutura profunda da ação, que se move sem interrupção do mundo herói para sua mente, com nada mais que uma mudança de luzes ou uma melodia temática, e, às vezes, sem nada mesmo, o mundo exterior e o sonho se fundem, proporcionando a assistência uma experiência muito mais imediata do que as distorções e fantasias do teatro expressionista ao qual a peça, segundo alguns críticos, pertence. Como acentuou Ala S. Downer ("Recent American Drama"., University of Minnesota Press, 1961), "o drama social foi transmudado para algo próximo da tragédia espiritual". Nas explicações do próprio Miller, em texto incluído no programa do espetáculo, muita coisa foi dita sobre "A Morte de um Caixeiro Viajante", no sentido de interpretar a peça, tanto do ponto de vista psicológico, quanto do sócio-político. Elogios e acusações, nas mais diferentes reações, que tem se somado em quase 3 décadas nas quais o texto vem sendo encenado em todos os países do mundo (ou quase), são significativos para comprovar o vigor de texto, a serenidade do enfoque que o autor conseguiu dar a um drama que, independente de espaço físico e cronológico, permanece com imensa atualidade. O drama de Willy Looman, 70 anos, que depois de trabalhar toda uma vida como caixeiro viajante, chega ao final da vida sem encontrar a tranqüilidade para o outono de sua vida - em conflitos com os dois filhos Biff e Happy, aos quais, com amor e idealismo, deu uma educação que não entendeu como errada, é pungente. Mais do que um simples texto teatral, "Death of a Salesman" coloca em cheque valores da sociedade capitalista, da família, da educação, da concorrência, da disputa pelo sucesso. Miller, um homem que nunca deixou de tocar nos mais agudos problemas sociais de seu tempo, é um ator que hoje - em 1978 - é mais atual do que nunca. E que por isso mesmo merece ter seus textos incisivos, cortantes muitas vezes, encenados o máximo de vezes possível. Pois, afinal, o teatro, antes de tudo, é (ainda) a mais viva das artes, principalmente quando quem está no palco diz o que deve e sabe como dizer. E Willi Looman, o personagem de Miller, que acreditava na América, como o maior país do mundo, morre sem saber aquilo que, ironicamente, um Beatle (John Lennon), disse há algum tempo: - O sonho acabou! LEGENDA FOTO 1 - A morte do Caixeiro Viajante.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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01/04/1978

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