Login do usuário

Aramis

O supershopping de Pinhais (II)

Não poderia ser diferente: a notícia de que o multinacional grupo C&A vai investir mais de Cr$ 500 milhões na construção do maior [shopping]-center do Sul no município de Piraquara, à apenas 15 km de Curitiba, provocou reboliço no empresariado da cidade. Por baixo, sem precisar de cálculos mais exatos, sabe-se que se somando toda a área atualmente ocupada pelo comércio estabelecido ao longo da Rua 15 de Novembro - ainda o principal eixo da cidade - não passa de 40 mil metros quadrados. E só a primeira etapa do centro comercial que estará pronto dentro de dois anos em Pinhais terá 50 mil metros quadrados - podendo chegar quase ao dobro em menos de cinco anos, além de toda uma infra-estrutura paralela, incluindo um dos maiores hotéis do Brasil. xxx Por mais otimistas que os nossos líderes empresariais queiram ser, com afirmações tipo "a cidade está crescendo e há mercado para todos", o fato de um supergrupo multinacional, com "know-how" espalhado em todo o mundo e tendo agressivas e moderníssimas técnicas de vendas estar disposto a concorrer num mercado como o nosso, não deixa de ser uma prova de que Curitiba (8e a região metropolitana) apresentam condições de crescimento das mais estimulantes e antes que outros grupos internacionais aqui se instalem, a C&A - já com algumas lojas de departamentos no Brasil, e uma de porte médio na Rua 15 de Novembro (apresentando excelente movimento) decidiu tomar a liderança. Até o momento o assunto ainda não mereceu maiores debates, adotando os líderes do setor uma posição de cautela, evitando pronunciamentos e preocupações prematuras. xxx Lubomir Ficinski, arquiteto formado pela Universidade Federal do Paraná e que pela segunda vez ocupa a presidência do Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba, foi um dos primeiros técnicos que, corajosamente, colocaram bem clara a sua posição em relação não especificamente ao caso do super-shopping-center do C&A, mas a qualquer empreendimento que venha provocar o esvaziamento da cidade e criar problemas de planejamento urbanístico a médio e longo prazos. Na conferência que fez durante o 1º Simpósio Nacional de Ecologia (Teatro Guaíra, 26 a 29 de outubro de 1978), analisando os principais fatores de desequilíbrio com relação as grandes cidades, Lubomir analisou o surgimento dos chamados bairros ricos na periferia das áreas metropolitanas ou menos em cidades grandes e médias, que embora distantes do centro são valorizados ecologicamente, "e que provocam, em [conseqüência], uma nova demanda de serviços públicos e assim é grande a capacidade de pressão social e política dos moradores, absorvendo em [conseqüência] a maior parte dos já parcos recursos do Estado". xxx Lubomir Ficinski definiu o surgimento de uma verdadeira "ideologia do automóvel", explicando: "Essa máquina evoluiu de um simples meio de transporte para um instrumento de domínio e submissão da cidade e seus proprietários. Essa ideologia automobilística se caracteriza pela destruição do tecido urbano tradicional, devido à necessidade de ampliação das vias e locais de estacionamento e de construção de ligações com bairros distantes (muitas vezes atravessando os pontos de menor resistência que são exatamente as áreas verdes e de lazer já existentes). Nos anos mais recentes, temos assistido a uma das manifestações mais nocivas dessa ideologia: o gigantismo dos equipamentos, "particularmente os hipermercados e shopping-centers que, por sua própria natureza necessitam de amplos espaços; por isso abandonam as áreas urbanas delimitadas e definidas e se localizam em imóveis distantes do centro, gerando, por sua vez, novas necessidades viárias". xxx Assim, o IPPUC - órgão de planejamento criado há 15 anos e cuja ação disciplinadora tem sido muito contestada e polemizada neste período, mas que, ao menos no campo teórico têm sólidos argumentos de sustentação, reúne várias teses para embasar as negativas dadas com relação a projetos de construções de centros comerciais dentro da área do município. Assim, o grupo C&A teve vetadas as pretensões desfazer o seu shopping em duas áreas (Atuba e Avenida das Torres) originalmente tidas como ideais, tendo que se deslocar para Pinhais, no município de Piraquara, onde o prefeito recebeu o projeto de braços abertos, atento aos aspectos positivos de um empreendimento de tal vulto, que significará a abertura de cerca de 5 mil empregos e trazendo uma grande movimentação a uma região até hoje pouco desenvolvida. Aliás, um dos aspectos que psicologicamente, contribui para a euforia frente a tal empreendimento é o fato do município de Piraquara ser, até hoje, um vizinho, pobre de Curitiba, que abriga presídios, escolas correcionais, hospício, leprosário e pouquíssimas indústrias - funcionando basicamente como "cidade dormitório" da população de menor poder aquisitivo que trabalha em Curitiba - embora o sistema de comunicação ainda seja deficiente, mesmo com o asfaltamento da PR-415, a chamada "Estrada do Encanamento", durante mais de 30 anos a mais precária da região metropolitana - e que só recentemente mereceu pavimentação. xxx O arquiteto Lubomir Ficinski, a exemplo de outros urbanistas e planejadores urbanos, argumenta também que os centros das cidades, argumenta também que os centros das cidades estão esvaziados pelo processo de concentração dos grandes equipamentos na periferia. De outro lado, a rarefação da periferia, que utiliza o solo como um "continuum" de baixa densidade, dificulta a organização dos serviços de transporte e saneamento básico. E a ausência de saneamento básico, como é primário, conduz necessariamente à poluição das águas e a enfermidade do homem. Nesses locais, os serviços de segurança pública são insuficientes e o contato com a Natureza é inexistente ou hostil. "O processo, pois torna alguns mais ricos, proporcionando-lhe vida amena e empobrece a grande maioria, que não podendo pagar mais pelos serviços, terá que se conformar em não tê-los. xxx Embora frise que não atribui somente a esses fatores a responsabilidade total pelo desequilíbrio urbano (outros fatores podem ser apontados: má localização industrial, a regulamentação insuficiente da qualidade dos afluentes sólidos, líquidos e gasosos da indústria e assim por diante), Lubomir Ficinski, como presidente do IPPUC reconhece o direito de cada município decidir sobre seus destinos. Apenas, corajosa e lucidamente, se propõe a defender seus pontos de vista sempre frisando que não particulariza casos. "Só que dentro de Curitiba, mesmo às margens das vias estruturais, não serão permitindo supermercados com área superior a 10 mil metros e, em outros setores comerciais, no máximo de 2.000 metros". xxx Considerando que há anos se procura devolver o centro da cidade ao pedestre e tornar cada vez mais difícil (leia-se: irritante) o acesso de veículos nas ruas centrais, tais colocações podem parecer incoerentes, já que a localização de grandes centros comerciais ofereceriam, ao lado de muitas vantagens de ordem econômico-social (empregos, urbanização, desenvolvimento social etc.) a felicidade de acesso da população para suas compras, especialmente nos horários noturnos e fins-de-semana (ao lado da área comercial, propriamente dita, uma infra-estrutura de lazer será criada em Pinhais: cinema, play-grounds, restaurantes, etc.). Com relação a esse fato, Lubomir traz mais um argumento: os beneficiados serão as pessoas de maior poder aquisitivo, que dispõe de veículos próprios. Pode-se contra-argumentar dizendo que está aumentando a faixa de população que dispõe de seu sonhado carro. Lembra-se então a questão do consumo de gasolina e a resposta é que as vias de acesso poderão ser expressas. Enfim, argumentos de [parte] a parte não faltam. xxx A construção das rodovias de Contorno Sul-Leste, ligando em forma de arco a BR-277 em dois pontos, passando pela BR-116 e permitindo o desvio do trânsito pesado do centro da cidade, a abertura da Avenida das Torres, praticamente concluída - e naturalmente dezenas de [ruas] paralelas, estão provocando como não temos cansado de registrar em nossas colunas, a valorização urbanística e social de uma região da cidade, cujas perspectivas de aproveitamento chegaram até a ser minimizadas, há uma década, quando houve a polêmica em torno do Plano Diretor de Curitiba. Sem intenção (e pretensão) de entrar em áreas técnicas, achamos que são pontos que devem ser levantados e debatidos. Afinal, como diz um slogam-político, "o futuro é agora". E uma salutar discussão a respeito, com opiniões de autoridades, técnicos, empresários (afinal os grandes interessados) é sempre salutar. Nunca se falou tanto em planejamento urbano como hoje, mas na prática nota-se que a população continua desinformada e perplexa sobre aquilo que se desenvolve em pranchetas. E apenas sofrendo as [conseqüências].
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
19/10/1978

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br