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Aramis

O supershopping de Pinhais (V)

Noticiamos na quarta-feira o fato de um poderoso grupo econômico com participação internacional (C&A) ter decidido investir Cr$ 500 milhões na construção do maior centro comercial no Sul do Brasil, em Pinhais. Ouvimos as razões pelas quais o Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano, através de seu Presidente, obstou a sua implantação no município de Curitiba. relacionamos os pontos de vista, por parte dos representantes dos incorporadores e da prefeitura de Piraquara, das vantagens de tal empreendimento - cujas dimensões e [conseqüências] transcendem a um simples empreendimento comercial, significando mudanças urbanísticas e no comportamento da população. Hoje, encerrando nossa parte jornalística, achamos oportuno colocar a opinião a respeito do arquiteto Jaime Lerner, 40 anos, ex-prefeito de Curitiba, possivelmente o mais respeitado nome do planejamento urbano no país e do conceito internacional. A tal ponto que dia 15 de dezembro viaja para os Estados Unidos, onde, durante 2 meses, orientará curso sobre esta matéria na Universidade de Berkeley, na Califórnia. xxx Jaime Lerner é contra tal tipo de empreendimento - não pessoalmente em relação a Pinhais, mas qualquer centro comercial de características gigantescas, fora do eixo das estruturais, que contribua para esvaziar os pontos de encontro da cidade, criando a descontinuidade urbana, pois "o vazio da cidade decorre justamente da falta de continuidade". Recorrendo ao comunicólogo canadense Marshal MacLuhan, Jaime repete que o espaço visual é uniforme, contínuo e interligado. Logo os espaços artificiais criados para deslocar a população para a periferia, seja através de centros comerciais ou outras espécies de atração, "não substituem com [vantagem] a rua como ponto de encontro". A falta de continuidade, os espaços fechados "o comércio de exposição, não conferem aos centros comerciais" as condições de encontro da rua tradicional. As pessoas vão à rua para [freqüentá-la], enquanto se vai ao Centro Comercial com objetivo determinado. Repete Jaime: "A rua tradicional permite a descoberta. Pouco a pouco seus equipamentos se oferecem gradualmente; o novo centro representa o impacto massificante. A rua tradicional é linearmente definida. Sua variedade está naquilo que acontece". xxx Coerente com a filosofia urbanística que defende há quase 20 anos e que procurou implantar em Curitiba, inicialmente como técnico da IPPUC (do qual foi um dos fundadores) e depois, como prefeito (1971/75), Jaime acredita que nos países subdesenvolvidos uma das características é importar como última novidade o que há [de obsoleto] nos países desenvolvidos. E cita os centro-comerciais como exemplo: nos EUA, hoje, segundo informações precisas de que dispõe, a moderna tendência de planejamento e reativar os centros da cidades, não somente na parte comercial mas também residencial. Pois, as grandes cidades - e um exemplo disto é Los Angeles - tiveram seus centros entregues a marginalidade com o afastamento da população para a periferia. Numa época, argumenta, Jaime, os centros comerciais fora do centro se justificavam desde que integradas a todo um planejamento. Mas é errôneo o conceito de modificar todo um planejamento técnico, para criar shopping-centers, trazendo atrás de si toda uma demanda de serviços públicos, (como seria o caso de empreendimento em Pinhais). Diplomaticamente, o ex-prefeito de Curitiba prefere não se referir a exemplos locais, colocando sua posição apenas no plano técnico - mas que é definitiva e, clara e corajosamente, se dispõe a debater, onde quando julgarem necessária: centros comerciais, dimensionados em proporções no máximo de 100 mil m qadrados, devem se concentrar ao longo das estruturais ou [nos] grandes terminais de transporte. Jamais em bairros distantes, carentes de infra-estrutura. Essas idéias, fundamentadas na experiência de muitos projetos, estão contidos no filme "A Cidade: Cenário do Encontro", que acompanhado de um roteiro em português e inglês, tem exibido em várias ocasiões e agora vai levar aos Estados Unidos, depois de já tê-lo mostrado em vários países da Europa, onde fez conferências em universidades e centros de planejamento. xxx A cidade é, no entender de Jaime Lerner, integração de funções. Assim deve corresponder a uma integração de funções onde a moradia, o trabalho e o lazer se encontrem tão estreitamente vinculados quanto na cidade de ontem. "Logicamente, sob uma ótica atual compatibilizando-se a técnica das construções, os meios de transporte, os meios de comunicação com os antigos valores humanos que desejamos preservar, intensivar ou criar". Inimigo da importação de uma tecnologia que analisa para o consumo de supérfluo e aumenta nossa dependência, Jaime Lerner ao se colocar contra projetos gigantescos raciocina que a grande escala diminui o indivíduo: o operário está sendo afastado para os distritos industriais, o estudante é afastado da rua para o "campus", a dona de casa, do convívio da feira para o "Shopping Center", as crianças da calçada para o play-center. Em seus projetos, teses, ensaios, conferências - e principalmente numa intensa vivência, que o projetou nacionalmente, na área urbanística, Jaime Lerner reúne argumentos respeitáveis. Sempre frisando sua total isenção em relação a este projeto - inclusive porque ausente de qualquer cargo público, não lhe compete autorizar ou impedir sua concretização, faz questão de colocar clara e de bom som sua posição: é contra o esvaziamento da cidade, a criação de condições artificiais que possam estimular especulações imobiliárias. Em suma, Jaime Lerner resume a cidade como cenário do encontro. "Encontro que deve ser promovido em todas as atividades da vida urbana. Essas atividades devem ser estritamente vinculadas e nunca separadas, seja nas cidades novas ou nas cidades já sedimentadas". xxx Economicamente, poderosos grupos se decidiram a implantar um supershopping em Pinhais - projeto acolhido pela Prefeitura de Piraquara, que em nome da autonomia municipal não se [dispõe] a reconsiderar o projeto. Argumentos favoráveis são alinhavados e colocações urbanísticas contrárias podem ser levantadas. Os dados são estes e a certeza de quem está com a razão não cabe ser dada no pequeno espaço de jornal. Apenas o assunto foi levantado, para que dele todos tomem conhecimento: os homens públicos, os empresários, as autoridades. Afinal, acima de tudo, deve-se pensar na comunidade e no Estado, em todos os aspectos - pois, ao menos na teoria, todos visam o bem comum.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
22/10/1978

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