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Aramis

O vampiro que resistiu ao tempo e ao mundo (III)

O início de "Drácula" (auditório Salvador de Ferrante) tem um impacto imenso: abre-se a cortina e o conde (Ariel Coelho) está no órgão executando uma peça de Bach, enquanto relâmpagos e chuvas são vistos pelas janelas. Aproxima-se a arrumadeira (Gina Pigozzi, uma estreante de muita beleza) que, sem falar uma única palavra, fica estarrecida frente ao vampiro. Este lhe despe a parte superior e lhe crava os dentes no pescoço na melhor tradição vampiresca. Em seguida, apanha-a nos braços e sobe a escada do castelo. Este prólogo, pelos efeitos especiais, a utilização de uma sonoplastia da maior competência (trabalho que desde já credencia Cesarti a uma premiação em 1980) e forma com que Kraide fez a marcação chega até a prejudicar o final. Normalmente uma peça começa com ritmo lento e vai subindo gradualmente. Mas a proposição do texto de Franciosi permitiu que desde a primeira cena, o público tivesse um choque, sentisse todo o clima do castelo de Drácula - mas que aos poucos vai se mostrando uma criatura frágil, mostrando que ao mesmo tempo que é carrasco também sofre da maldição de ser um morto-vivo através dos séculos em sua imensa solidão. A idéia de aproximar Drácula do Dr. Frankenstein, personagem que Mary Woltonecraft Shelley (1797 - 1851) criou há 172 anos, foi particularmente feliz. Com exceção de um filme classe "b", de Hammer, onde Drácula e Frankenstein se encontravam, nos parece que em nenhuma das centenas de outras versões levadas ao cinema, teatro e mesmo televisão (como a telenovela, adaptada por Ruben Ewald Filho, desde 2ª feira sendo apresentada pela Rede Tupi de Televisão, 19 horas), houve a idéia de fazer com que dois símbolos (aparentes) do mal se aproximassem em seus interesses comuns. Esta idéia que Franciosi teve torna significativa a peça - especialmente na forma com que colocou a entrada do Dr. Frankenstein, numa segura interpretação de Luiz Mello, o ator-revelação de 1979 e que mostra muita garra em todas suas intervenções. Os personagens de "Drácula" - a cozinheira interpretada por Odelair Rodrigues, a governanta (Lala Schneider, sempre aquela atriz excelente), o mordomo (Sansores França) e o cocheiro-coxo e corcunda (Emilio Pita) - e Aurora/Celenita, a copeira (Ivone Hoffmann), formam todo o universo humano necessário para que se possa desenvolver todo o plot. Mesmo com a governanta desaparecendo no segundo ato, a sua presença continua forte - pois nela, como símbolo da conivência ao poder ditatorial, reside muito da força crítica e política do espetáculo. Não faltará quem ataque o texto de Franciosi pelo óbvio de certos diálogos, especialmente as frases de efeito, tão ligadas à nossa realidade contemporânea. Mas o autor assumiu este risco, ao se decidir a propor a sua (re)visão de Drácula uma contemporaneidade, uma forma de dizer que não está apenas no terror da idade média, nos confins da Transilvânia, o medo, o terror, a exploração o desrespeito aos Direitos Humanos - aliás, citados logo no início do primeiro ato pelo mordomo (Sansores). Haverá, como dissemos ontem, os que torcerão o nariz frente à peça, mas, para o público que deseja aplaudir um espetáculo capaz de ser entendido de várias formas - e sobretudo realizado com carinho e dedicação profissional, a peça em cartaz merece ser assistida e aplaudida. Não apenas por se tratar de uma produção local, de um autor paranaense, mas por enfocar um personagem-mito que mantém uma estranha atualidade - tanto é que está também no vídeo da televisão e vem aí, em 3 novos filmes, conforme registraremos em nossa coluna de amanhã, especialmente em relação a "Nosferatu", na refilmagem de Werner Herzog. Estréia do próximo dia 1º, à meia-noite, no Cine Astor.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
6
30/01/1980

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