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Aramis

O velho hotel da Estação renasce com toda a emoção

Embora nunca tenha morado no hotel, Elisabete lembra-se de seus tempos de menina - ela que nasceu em 9 de dezembro de 1946 - que visitando os tios João e Paulina, que permaneceram numa parte do prédio até falecerem, contaram estórias dos tempos iluminados do estabelecimento. Em sua sensibilidade, Elisabete - que viria a se formar em psicologia pela UFPR em 1973 e fundou o Centro de Atendimento Psicológico do Trabalho Educacional, hoje uma conceituada clínica - a CAPTE, instalada no bairro do Juvevê - aprendeu a amar a história da família, a entender a importância da presença dos imigrantes italianos, e herdando de seu pai, Carlos Ernesto, hoje com 66 anos - um dos três filhos de Santo Tassi - a paixão pela pesquisa, animou-se, há 5 anos, a levantar dados mais precisos a respeito da saga de sua família em Curitiba. Sonhos com o hotel que existia em sua memória infantil, para ela, como psicóloga de formação junguiana, a levariam, a questionar referenciais perdidos nos labirintos de um passado coletivo. Nisto tudo, as citações constantes que um de seus tios, Adolfo, sempre fazia em relação ao livro que o irmão mais velho, João, um temperamento boêmio, inquieto e sobretudo intelectual para a época, teria escrito a partir de 1915. Comportamento reservado, embora muito afetivo, João nunca mostrou a ninguém (a não ser a Afonso), os originais do que teria escrito entre 1915/1918. Com sua morte, em 1968, sua biblioteca e arquivos passaram para a casa do irmão Afonso. O tempo passou, Afonso também viria a morrer em 9 de outubro de 1989 e, finalmente, Elisabete e uma prima, Elisa, conseguiram convencer a viúva Ignez, a pesquisarem na empoeirada biblioteca, entre milhares de livros, revistas, papéis, para verificar se não existiria mais o famoso livro da família. A persistência de Elisabete venceu. Após encontrar algumas páginas avulsas, datilografadas numa primitiva Remington, achou que estava na pista certa e após colocar abaixo algumas estantes descobriu, no fundo de uma caixa, preciosas 150 páginas nas quais seu tio-avô, João Tassi, descrevia, num estilo claro, agradável e detalhado, a história da família, a chegada ao Brasil de seus pais e, especialmente, a Curitiba das quatro primeiras décadas deste século. Elisabete passou a noite sem dormir. Excitada, devorou as páginas, emocionada com as palavras de seu tio falando de Curitiba do início do século, da emoção que foi a sua primeira "viagem longínqua, com meus irmãos Santo e Catharina", iniciada em 15/07/1907, quando viajou para a Itália. O Carnaval de 1917 é lembrado com uma descritiva crônica do corso da Rua XV de Novembro, do baile no Club Carnavalesco dos Democráticos, onde com suas irmãs Ignez e Paulina, estava entre os mais animados foliões. Civicamente, compareceu a programação que marcou a passagem do poeta Olavo Bilac (1865-1918) por Curitiba em novembro de 1916, em sua campanha pelo serviço militar obrigatório. Em janeiro de 1917, visitando uma exposição de Alfredo Andersen, instalada na Associação Comercial, dizia que havia ficado "vivamente impressionado pelos belos quadros ali expostos". A descrição dos antigos teatros da cidade - a estréia da peça "Papa Lebonnard", no antigo Guayra, um concerto no Theatro Hauer (onde hoje é o Cine Bristol) mostram o lado de homem intelectual. Depois, momentos dramáticos: lembranças da gripe espanhola (1917), da I Guerra Mundial - falando de uma festa no Internacional Foot-Ball Club, em benefício da Cruz Vermelha, e, depois dos festejos da paz, em julho de 1919. xxx Sabendo entremear seu texto com citações extraídas do livro do tio João, Elisabete produziu uma obra belíssima - de leitura fácil e enriquecida por outra felicidade de seu avô, Santo, que foi um dos mais brilhantes fotógrafos que o Paraná já teve. Um dos precursores do foto-amadorismo curitibano, Santo Tassi não apreciava o enquadre fotográfico tradicional e nem modelos rígidos, mas gostava de apreender o momento, os fundos de quintais, as espontaneidades das cenas domésticas. Muitas vezes pintava painéis imensos para fotografar as crianças em seu mundo de sonhos. Em 1931, ganhou um concurso na Itália, sendo a foto de seu filho Luiz publicada na revista "Scena Illustrada", de Florença. Com habilidade para pintura (também suas irmãs Ignez e o irmão Afonso), Santo voltou sua expressividade italiana para retratar a natureza curitibana. O caçula Afonso chegou a ter aulas com Alfredo Andersen, que retratou o casal Tassi. Há dois anos, Valêncio Xavier conheceu Elisabete Tassi e promoveu uma emocionante exposição, inaugurada no Dia da Criança, no Museu da Imagem e do Som, com fotos notáveis deste esquecido pioneiro de nossas imagens. Distribuídas entre seus herdeiros (um de seus netos, Cláudio de Andrade, é também fotógrafo amador e escreve na "Gazeta do Povo"), as fotos de Santo tem momentos de ternura e emoção - merecedoras até de ter uma divulgação internacional. Graças a este material excelente, Elisabete Tassi Teixeira pôde ilustrar o seu livro com imagens que casam-se perfeitamente aos textos. Uma introdução da jornalista Maí Nascimento Mendonça e, especialmente, o prefácio da antropóloga e professora Maria Cecília Slheid da Costa, completam a obra. Curitiba, este ano, com a edição do álbum "Palácio Avenida" e, agora, com este "Hotel Tassi - O Antigo Hotel da Estação", dá exemplos editoriais. Pena que a edição tenha sido pequena - apenas mil exemplares - e até agora não tenha havido a valorização que o trabalho merece.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
28/04/1991

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