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Aramis

As observações de Sade a velha e bela Europa

Se não tivesse feito carreira como artista plástico e marchand-de-tablaux, Jorge Carlos Sade poderia ter se realizado como cronista. Espírito observador, atento e sobretudo crítico, Sade escreve de forma saborosa, espontânea e independente. Já foi colaborador de "O Estado do Paraná" com uma coluna que editada no suplemento "Fim-de-Semana" atingiu altos ibopes de leitura. Bissextamente colabora com algumas publicações e suas cartas, mesmo quando pessoais, são repletas de observações das mais interessantes. Sade voltou há uma semana da Europa. Desta vez esteve apenas na Alemanha, Londres, Paris e Geneve. Foi para o casamento de sua sobrinha, Desiré Hauer, com o engenheiro Otto Armin Doetzer, curitibano, trabalhando na Siemens em Erlange, RFA. xxx Sade esteve com Juarez Machado em Paris. E se o seu concorrente, Waldir Simões, conseguiu material para uma individual de Machado - a acontecer em breve - Jorge trouxe três telas recentíssimas, já emolduradas e que na manhã deste domingo poderão ser apreciadas na Acaiaca. O preço - mais de Cz$ 100 mil cada - não deve assustar colecionadores de visão: o pintor catarinense está em alta e seus quadros valorizam mais do que aplicações na Bolsa. Os preços na Europa assustam a todos. Sade, cinéfilo apaixonado, anualmente participando com sua lista dos 10 melhores filmes, preferiu rever museus do que ir nos cinemas (só assistiu "A Cor Do Dinheiro", de Martin Scorcese, que logo estará em exibição no Condor). Comenta: - "Os preços, para nós do não deu certo / cruzados e mal pagos, é que são de doer. Um ingresso de cinema fica entre Cz$ 150 e Cz$ 300. Imagine o resto". As trilhas sonoras - outra paixão de Sade - estão acima de Cz$ 600 - mais caros do que custam as importadas no Brasil. A escalada em Geneve foi uma boa opção: - "Geneve é uma paixão. Cidade racé, requintada, rica. É como uma mulher bonita e bem vestida, perfumada. No começo de abril ainda nevava. Lá me aconteceu o melhor da viagem: a exposição e o leilão pela Sotheby's das jóias da Duquesa de Windsor. Um luxo só. Gente de todo o mundo arrematando os lotes. Os casados de pele das mulheres presentes ao beau rivage são indescritíveis. Os carros estacionados à frente do hotel, confesso, nunca vi coisa igual: Mercedes. Rolls Royce, Jaguar, Bentley - o que se imaginar..." Já a capital da Itália decepcionou a Sade: - "Roma estava um lixo. Parecia Brasil, Curitiba: suja, mal conservada, barulhenta, um inferno. Até parecia o terreno baldio em que está a Curitiba do Bob Réquiem". Na Alemanha, após a viagem a Kircheherenbach para o casamento de sua sobrinha - a festa foi um conto de fadas, com carruagem, banda de música, neve nas escadarias da Igreja e 15 horas de comilança com o melhor vinho da Franconia e de Falkenstein - Sade esteve em Nuremberg, para conhecer a casa do pintor Albrecht Durer (1471-1528), construída antes do Descobrimento do Brasil. Diz: - "Ela está perfeita, preservada, conservada. Aliás, os monumentos antigos (igrejas, castelos, torres, pontos, casarios, fontes, praças, etc.) são tratados na Alemanha como jóias preciosas e a integração com o que há de mais moderno é difícil de explicar (metrô, calçadões, floreiras, jardins, obras de arte, fluidez de trânsito, luminárias, etc.). Tudo perfeito, organizado. Dão de cem em um em matéria de urbanismo. Aliás, eles já vivem o ano 3.00 em técnica, cultura, educação, civilização. Berlim, outro deslumbramento: - "Uma loucura! O que você imaginar está acontecendo naquela cidade que faz 750 anos: concertos, shows, balés, exposições. Todos os dias! Cinemas com 10 salas. Obras de arte para se olhar. Virei um berlinense de coração!" Outra observação: - "Nas auto-estradas fantásticas, superconservadas, super-sinalizadas, não vi pedágio. Lá o contribuinte vê o resultado do dinheiro que paga de imposto. Não há tapação de sol com peneira com a propaganda municipal ou estadual ou federal do tipo estamos fazendo isso ou aquilo. Não se esbanja o dinheiro do contribuinte. Aliás, sabia que estava vindo ao Brasil quando, em pleno vôo 743 Frankfurt-São Paulo, durante a projeção do filme, os intervalos para propaganda do Ministério da Fazenda sobre Imposto de Renda: pode? Pois é, foi um choque, não heterodoxo. Continuamos na mesma: só blá-blá-blá, nada de fazejamento. Claro que assim não pode dar certo. É muito desaforo da vagabundália: viajo por minha conta, com o meu dinheiro (do meu trabalho), pago o compulsório (assalto à mão armada praticado pelo "governo") e ainda tenho que me aborrecer com uma propaganda em pleno vôo: é demais! Já houve o "Dia do Fico". Quando teremos o "Dia do Saio"? P.S.: Ia esquecendo: por lá o Estado (o oficial) não interfere na iniciativa privada. Resultado: tudo funciona!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
2
27/04/1987

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