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Olga, o canto brasileiro que correu todo o mundo

A última vez em que havia vindo a Curitiba, há 31 anos, para um recital na Sociedade Thalia - quando Simão Mafra Pedroso a presidia e ali promovia eventos culturais - Olga Praguer Coelho teve uma anfitriã muito especial: Didi Caillet, nome dos mais conhecidos da sociedade paranaense, primeira Miss Paraná a participar de um concurso nacional de beleza nos anos 30 e que inspirou até canções. Nos quatro dias em que passou, na semana passada, dona Olga tentou fazer contatos com familiares de Didi Caillet - inclusive seu filho, o hoje conservador vereador Luis Gil Guimarães ("que conheci criancinha, muito traquinas") mas não conseguiu. Mas se não reviu os amigos do passado, teve a alegria de, ao embarcar, na quarta-feira, de retorno ao Rio de Janeiro, aqui deixar inúmeras pessoas que ficaram apaixonadas por sua personalidade carismática, sua juventude espiritual e, sobretudo, sua simplicidade e vontade de falar das coisas de uma vida maravilhosa em termos artísticos. Por exemplo, a tarde de terça-feira, passou na residência do colecionador Leon Barg, que a surpreendeu com um presente raro: uma fita com 11 dos 14 discos em 78rpm que gravou no Brasil entre 1929/38, além da cópia do seu único elepê aqui editado, em 1950, pela Copacabana, que nunca havia visto. - Acho que era uma gravação pirata, pois quando cheguei ao Brasil e o procurei a gravadora o retirou das lojas. Nunca recebi um centavo de direitos. Olga Praguer Coelho não tem as dezenas de discos que ao longo de uma carreira iniciada em 1928 tem gravado em muitos países. Seu filho, Miguel, 42 anos, que mora em Nova Iorque, é quem possui alguns dos discos - e fez uma grande fita, da qual o produtor Lauro Henrique Alves Pinto, da L'Art vai extrair 12 canções para um álbum que pretende lançar ainda este ano. A Funarte também deverá lançar uma gravação, fazendo assim que, com atraso de 50 anos, possam os ouvir uma das mais belas vozes brasileiras que, a partir dos anos 30 internacionalizou-se e, em teatros e salas de concerto de todo o mundo divulgou especialmente a "obra de Villa-Lobos, de quem foi a maior intérprete - a partir de "Bachiana no. 5". Quando retornar a Nova Iorque - cidade na qual residiu por 25 anos, até 1975, quando voltou ao Brasil ("Vim para passar alguns meses e por razões familiares acabei estendendo minha permanência"), Olga vai passar uma longa temporada com um casal de amigos, Terry e Gregory D'Alessio, que há tempos querem escrever a sua biografia. Gregory é autor de uma recente biografia do poeta Carl Sandburg (1878-1967), que aliás foi um dos maiores admiradores de Olga e sobre o qual ela conta estórias divertidíssimas. O casal D'Alessio não terá maiores dificuldades em escrever o livro sobre Olga. Se ela não guardou discos, recortes e documentos de sua carreira e vida, não se apegando a coisas materiais (nem mesmo a um prédio com 10 apartamentos, próximo ao Central Park, em Nova Iorque, que perdeu há alguns anos devido a desonestidade de um advogado em quem confiava), em compensação tem uma memória fantástica, capaz de lembrar nomes, dados e detalhes de fatos ocorridos em sua infância - dividida entre Manaus (onde nasceu, em 12 de agosto de 1913), na Alemanha e Rio de Janeiro - antes de se profissionalizar como cantora e violinista. Esposa durante 20 anos de Andres Segovia (Granada, 21/2/1893 - Madrid, (4/6/1987) - com quem teve uma relação intensa e dois filhos, Miguel e Olga, ambos nascidos em Nova Iorque (onde residem), Olga até no mesmo plano de três outras mulheres notáveis que encontraram no Exterior um público maior para a sua arte musical - a pianista Magdalena Tagliaferro (1894-1986) - de quem nunca foi amiga íntima; Guiomar Novais (esta sim, uma de suas maiores amigas) e a também soprano Bidu Saião (que se afastou da vida artística, no auge de sua carreira, em 1958, após um último concerto no Carnegie Hall, a pedido de Villa-Lobos). Embora sem atuar profissionalmente há três anos - desde quando sofreu uma queda e quebrou o pulso, Olga Praguer Coelho agora animou-se a retomar sua carreira. A convite de um amigo há 33 anos, o poeta e animador cultural Herminio Bello de Carvalho, dividiu com Zezé Gonzaga os recitais alusivos ao lançamento do livro "O Canto do Pajé - Villa-Lobos e a MPB" no Rio de Janeiro e, na última segunda-feira, 25, em Curitiba, Olga viajará Paris dentro de alguns meses, onde integrará o júri do mais importante concurso de violão do mundo, e do qual, por décadas, Segovia tinha lugar fixo. Depois, pensa em fazer uma tournée pelo Japão - que ao lado da Rússia e China Continental - são os três países que não se apresentou até hoje. Nas demais partes, "civilizadas, é claro", já fez temporadas, pois desde 1936, quando viajou, no Grapp Zepellim, pela primeira vez para a Europa, não parou mais de atuar nos melhores espaços líricos do mundo, "sempre com meu violão e nunca deixando de incluir as modinhas brasileiras ou as canções de Villa-Lobos". xxx Uma mulher que no encerramento das Olimpíadas em Berlim, em 1936, ficou próxima ao balcão em que estava Hitler ("horroroso, parecia ter um rosto de enxofre"), Goebels ("tinha pés redondos, como as lendas que falam do diabo") e o Goering ("O peito coberto de medalhas, um boneco"), Olga esteve com algumas das maiores personalidades do século. Contra sua vontade foi recebida por Mussolini e, quebrando o protocolo, fez Duce dar gostosas gargalhadas. Antifascista por formação ("consegui fazer com que Segovia deixasse de ser franquista"), poliglota (fala 7 idiomas), lembra seus encontros com William Rondolph Hearst (que inspirou ao "Cidadão Kane"), Orson Welles, romancista Erich Marie Remarche, atrizes Paulette Godard e Mina Loy, Pablo Casals, Joaquim Rodrigo (autor do "Aranjuez" e "Concerto para um Gentil Homem", dedicado a Andres Segovia), com a maior simplicidade, como se falasse de vizinhos. Ouvir uma pessoa como Olga Praguer Coelho, nos detalhes e contornos com que colore as várias fases de sua vida se constitui em mais do que um registro histórico, uma viagem por um mundo fantástico da arte, da cultura neste século - em que ela foi uma privilegiada não só espectadora, mas também participante - com sua voz perfeita de soprano, violonista por quem Sergovia se apaixonou e, sobretudo, pessoa culta, refinada e que, ironicamente, no Brasil é pouco conhecida - ao ponto de seus discos serem raridades, só encontrados em acervos de apaixonados colecionadores como Leon Barg. Quem soube aproveitar a importância da única apresentação que Olga Praguer Coelho fez no Auditório Salvador de Ferrante, na segunda-feira, 25, emocionou-se com sua interpretação de suas peças de Villa-Lobos - uma delas, é claro, a "Bachianas no. 5" - e uma canção folclórica argentina. Quem ali não esteve, talvez tenha uma outra oportunidade, se a elétrica Maria Amélia, presidente da Pró Música - e também do fã-clube Olga Praguer Coelho, desde que a conheceu, na casa do pianista Nelson Freire, no Rio de Janeiro, - trazê-la para um recital especial, talvez ainda neste ano. Em sua dimensão artística e humana, Olga Praguer Coelho, brasileiríssima até a medula em sua vivência internacional, é daquelas personalidades que nos fazem ver como no Brasil se conhece tão pouco em torno de seus maiores talentos. LEGENDA FOTO: Olga Praguer Coelho e o colecionador Leon Barg: uma fita com gravações históricas, que ela mesmo não possuía. (foto Alice Varajão).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
01/05/1988

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