Login do usuário

Aramis

Os anjos-da-comida nas noites boêmias dos velhos fregueses

A trindade de brancos anjos da guarda da boêmia palaciana está desfeita há tempos. Mozart Campos, 64 anos, com seu bigodinho de latin lover e corpo de detetive Cannon - um aparente (só aparente) mau humor, há dois anos aposentou-se. Izaltino Adriano de Souza, 65 anos, depois de 31 anos da casa, em novembro de 1980 decidiu correr o risco e ter a sua própria casa. Deu certo! O Tortuga (Avenida Manoel Ribas, 902) firmou-se como um restaurante atingindo grande parte da freguesia tradicional do Palácio e hoje, com ajuda de dois sócios - o filho Lindamir Adriano, 26 e o cozinheiro Darci Jesus Migueli, 50, a casa é das que mais faturam abrindo inclusive para o almoço e cerrando suas portas mais cedo (mas nunca antes das 2 horas da manhã). Fiel à casa, ficou Adriano Jeremias dos Santos, paranaense de Cerro Azul 58 anos, que desde 1954 ali trabalhava - só tendo se afastado por um curto período, quando Izaltino decidiu instalar um "Tortuga 2", na avenida 7 de setembro, mas que acabou não dando certo. Na memória destes três garçons está uma parte da estória da boêmia curitibana mas, discretamente, eles não gostam de revelar nomes. Hoje, o Palácio tem um grupo de garçons mais jovens - Tião (Sebastião Bestel, 39 anos, 16 de casa), o Mílton (Coelho), 26, desde 1988 no restaurante e o Serafim, irmão do gerente Bernardi, 41 anos, que começou a trabalhar há um semestre. A equipe não se limita apenas a servir os fregueses, espalhados pelas 23 mesas em fórmica, que se espalham pelo salão: são também eles que preparam os churrascos, "numa técnica que adquirimos automaticamente", diz Adriano, que já passou seus conhecimentos a uma dezenas de colegas. Na cozinha, entretanto - o veterano Alceu Teodoro, 40 anos, é o mestre-cuca desde 1973, auxiliado por Arlindo Rosa de Deus, 27 anos, que ali começou de calças curtas - que cuidam do preparo das saladas e outros pratos. O mineiro-de-botas - "um crepe suzete sem frescura", como costumava dizer Izaltino, apesar de sua simplicidade, tem uma técnica especial. Tanto é que Mozart, apesar de toda sua vivência no Palácio, nunca aprendeu a fazê-lo. xxx Ao longo destas seis décadas, o Palácio acumulou o seu folclore, estórias e personagens - alguns dos quais citados por Valério Hoerner Júnior em seu livro, outros presentes apenas na memória dos fregueses mais antigos. De fregueses como o maestro italiano Remo de Persis (1881-1976), que chegou em Curitiba em 1928 como regente de uma companhia de operetas e por aqui ficou, até toda uma geração de jornalistas do Estado do Paraná - que a partir de 1956, quando da instalação da sua sede na Rua Barão do Rio Branco, 500 - o Palácio ficou célebre, citado em guias turísticos, mencionado em crônicas e lembrado sempre com nostalgia pelos mais idosos que ali tiveram grandes momentos de seus dias de doce pássaro de juventude. Agora, quando se vive suas últimas noites na Rua Barão do Rio Branco, 438, às vésperas de mudar para sede definitiva - em imóvel de Fraga Lopez, o Pepe - que se demorou em sua administração pois pessoalmente administrou toda a construção - há quem veja com preocupação a perda do clima de boêmia saudável, de noites acolhedoras, que milhares de pessoas ali viveram. O jornalista Adherbal Fortes de Sá Júnior, 51 anos, um freguês que teve sua época de fidelidade mas nos últimos anos afastou-se, costuma brincar, dizendo que muitos maridos usaram a fumaça do Palácio como álibi para noitadas de infidelidade: após o motel, uma passada pelo Palácio, para ao chegar em casa, ter a desculpa de "fiquei com a turma jantando no Palácio..." "A fumaça da churrasqueira do Palácio deveria ser vendida engarrafada para limpar a cara dos infiéis do leito conjugal" - sentenciou, com bom humor, numa de suas crônicas - entre as muitas que o Palácio já mereceu ao longo de sua vida.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
25/08/1991

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br