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Aramis

Os bons baianos e a suave nostalgia de Jards Macalé

São muitos, e sérios os motivos que nos fazem admirar, como muitos outros brasileiros, o cantor-compositor Paulinho da Viola. E ao seu talento de criador de algumas das mais belas músicas de nosso cancioneiro, belíssima voz, trabalho de produtor que busca valorizar gêneros musicais que estão injustamente esquecidos - como o choro, ou dando uma promoção nacional a anônimos (e maravilhosos) compositores dos morros cariocas, soma-se também a uma salutar influência sobre muitos artistas jovens, que no contato com o seu trabalho tem encontrado novos (e positivos) caminhos para a MPB. É o caso, por exemplo, dos Novos Baianos, que iniciando como um quarteto - Morais e Galvão, mais Baby Consuelo e Paulinho Boca de Cantor, apareceram em São Paulo por volta de 1969 e fizeram na RGE o seu primeiro lp (XRLP 5340) onde se destacava a música-título do lp "Ferro na Boneca" e "De Vera". Apesar de valorizados por Augusto de Campos, poeta concretista e teórico de MPB - que tanto influenciou a Caetano e Gilberto Gil, os Novos Baianos não se encontravam artisticamente e passaram quase dois anos em incríveis caminhos - uma experiência de vida comunitária, numa confusão musical entre uma linha verde-amarela com influência pop. Foi então que nasceu uma grande amizade com Paulinho da Viola, a qual veio reforçar no líder Galvão, as idéias de que na simplicidade e sinceridade da MPB estava o verdadeiro caminho. Afinal Galvão e Morais vinham da Bahia, da mesma cidade de João Gilberto - amigo de infância, e não justificava procura do (?) som universal, quando o mais universal dos sons é justamente o nosso verde-amarelo samba. Os Novos Baianos voltaram assim na Odeon, com um belíssimo lp ("Acabou Chorare", Sigla/Som Livre, 6004, dezembro/72), que não tivemos dúvida em incluir entre os 10 melhores do ano. A experiência de vida comunitária já tinha feito o grupo crescer e assim aos vocais de Baby, Morais e Paulinho Boca de Cantor, se acrescentava naquela belíssima gravação, produzida por Eustáquio Sena, o Conjunto A Cor do Som (Pepeu na guitarra, Jorginho e Baixinho na bateria/bongô e Didi no baixo) mais um brasileiríssimo Regional, com Morais também executando violão base, Pepeu no violão e claviola, Jorginho no cavaquinho, Baixinho no bumbo, Didi no baixo, Paulinho Boca de Cantor no pandeiro; Baby Consuelo no afochê, triângulo e maracas e Blocacho no bongô. Um antigo sucesso que Assis Valente (1911-1958) criou na década de 40 para Carmem Miranda (1909-1955), "Brasil Pandeiro" foi o grande êxito do lp, onde duas composições de Morais e Galvão também se destacaram: "Preta Pretinha" e "Acabou Chorare". O sucesso do disco - e também da temporada que os Novos Baianos fizeram numa boate sofisticada da GB, fez com que a Continental, preocupada em melhorar o seu elenco, contratasse o grupo, e em poucos meses, colocasse nas lojas um novo disco do grupo: "Novos Baianos F. C.", onde novamente eles souberam equilibrar ao lançamento de novas composições - como o futebolístico samba "Só Quem Não For Brasileiro Nesta Hora", antigos clássicos da MPB. Como a RGE, que um ano antes havia liberado o grupo de seu contrato, reeditou o primeiro lp ("Ferro na Boneca"), os Novos Baianos ficaram com 3 lps na praça. Decidiram então viajar a vários Estados e como ao grupo, incluíam-se técnicos de som, percussionistas, amigos, companheiras e filhos, somavam-se quase 30 pessoas, alugaram um ônibus e saíram pelo Interior de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em Curitiba fizeram três apresentações no auditório do Colégio Estadual do Paraná, as quais, por falta de melhor promoção, fracassaram em termos de público. Na última noite, não havendo espectadores que justificasse um espetáculo formal, Galvão teve uma atitude muito simpática: mandou que os gatos-pingados que haviam aparecido subissem ao palco e, sentados ao redor do grupo, todos integrados, acabassem participando do espetáculo, ao qual não faltaram inclusive alguns choros das crianças - uma delas filha de Baby Consuelo, que acompanhavam os artistas. Depois, todos juntos foram ao Paiol, onde Paulinho da Viola e Elton Medeiros, com um público bem melhor, encerravam sua temporada curitibana. Sem o cuidado de produção de seus dois álbuns anteriores o da Sigla/Odeon, teve o requinte de quatro páginas-extras, com fotos coloridas, textos e as letras das músicas, o novo lp dos Novos Baianos (Continental, SLP 10.144, junho/74), mantém o mesmo nível de brasilidade dos anteriores. Infelizmente, a ficha técnica - nos dois outros discos, aqui foi esquecida de forma que somos obrigados a pensar que deve ser a mesma formação instrumental-vocal anterior e, salvo substituições não comunicadas, os elogios maiores vão para o sensível cavaquinho de Jorginho, o violão de Moraes e Pepeu e os vocais agradáveis e perfeitos de Baby Consuelo, Morais e Paulinho Boca de Cantor. Falando sobre este novo disco, o líder Galvão explicou: - É uma virada, uma explosão... parece mais com a gente quando saímos da Bahia antes de gravar "Acabou Chorare". Das nove músicas, oito são do próprio grupo e a homenagem desta vez não é um clássico do passado, mas uma justa reverência ao mestre João Gilberto, com a mais bela música popular brasileira aparecida em 1973, em nossa opinião, conforme lista que publicamos em O Estado (domingo, 30 de dezembro de 1973): "Bebel" ou "Valsa" (Como são Lindos os Youguis), aqui gravada apenas como "Isabel". Apenas vocalizada no lp de João Gilberto (Philips, 2451037, edição Polydor), a interpretação dos Novos Baianos utiliza, com muita oportunidade, o cavaquinho de Jorginho. Embora, pessoalmente, julguemos que "Babel" seja uma música de autor, isto é, com interpretação exclusiva de João Gilberto, com toda sua técnica vocal - uma genialidade que nenhum outro artista brasileiro jamais conseguiu chegar, o esforço dos Novos Baianos não deixa de ser válido, em especial pela divulgação que pode dar a obra-prima de Gilberto, infelizmente pouco divulgada nas rádios - exceto nas que tem programadores inteligentes e de bom gosto, como a Iguaçu e Ouro Verde, entre outras. "Miragem", de Morais-Galvão, é um dos melhores temas deste lp: puramente instrumental, permite excelente demonstração da beleza do cavaquinho de Jorginho e dos violões de Morais e Pepeu. "Fala Tamborim" (Em Pleno 74) (Morais/Galvão) é outra faixa interessante. Em "Reis da Bola" (Pepeu/Morais/Galvão), eles voltam a um de seus temas favoritos - o futebol, mas "Ao Poeta" (Morais/Galvão/Pepeu), uma tentativa vanguardista de homenagear Drummond, não consegue, ao menos na primeira audição, uma comunicabilidade maior. Injustificável - a não ser do ponto de vista comercial, a inclusão de "Eu Sou o Caso Deles" (Morais/Galvão), uma das composições mais fracas e já gravada anteriormente. Enfim, o disco precisa vender... Outras faixas: "Ladeira da Praça" (Morais/Galvão), "Linguagem do Alunte" (Morais/Galvão/Pepeu), "Bolado" (Pepeu/Jorginho). Uma coisa é certa: os Novos Baianos continuam numa boa linha de trabalho. Um disco que vale os Cr$ 35,00. Para lançar o seu novo lp ("Aprender a Nadar", Philips, 6349106, abril/74) Jards Macalé conseguiu uma barca da Cantareira e durante uma viagem noturna entre Rio-Niterói, na noite de 17 de abril último, perante um público que inclui convidados dos diversos meios e ambientes do Rio de Janeiro, através de um convite que reproduziu um fac-símile da primeira página da "Luta Democrática" (o pasquim de maior circulação na Guanabara). Tal promoção tinha sua justificativa - a faixa que abre o lado 2 do disco é justamente o "Mambo da Cantareira", de Barbosa da Silva/Eloide Warthon, sucesso dos anos 50. Estranho na primeira audição, este lp - com o título completo de "Jards Macalé apresenta a linha de morbeza romântica em Aprender a Nadar" - passa a ser no mínimo interessante em comparação aos herméticos trabalhos anteriores. Pois, em roupagem nova - bons arranjos de base próprios, mais orquestrações para cordas e sopros de Perinho de Albuquerque ("Dona do Castelo", "Mambo da Cantareira", "Imagens", "Senhor dos Sábados" e "Boneca Semiótica") e Wagner Tiso ("E Daí?") - Macalé aproveita antigos sucessos, aos quais confere uma interpretação capaz de fazer com que um novo público os descubra: é o caso de "Dois Corações" de Herivelto Martins/Waldemar Gomes, "Imagens" (Valzinho/Orestes Barbosa), "Orora Analfabeta" (Gordurinha/Nascimento Gomes) "Estatutos de Gafieira" (Billy Blanco), "E Daí" e "Mambo da Catareira". E se em "E Daí?", o arranjo previu sofisticada intervenção de cordas e sopros, no delicioso samba de Gordurinha/Nascimento Gomes, "Orora Analfabeta", a simplicidade confere uma grande autenticidade a esta interpretação, com Macalé no violão Canhoto no cavaquinho, Tuti Moreno na bateria e Perinho Albuquerque nas chaves e violão. Outra faixa deliciosa é "Imagens" de Valzinho/Orestes Barbosa (1893-1966), com uma letra moderníssima para a época em que foi composta (1945): a lua é gema do ovo, no copo azul lá do céu, se a imagem é maluca, se eu sou mau compositor, é que tenho a alma em sinuca, maluca pelo teu amor, o beijo é fósforo aceso, na palha seca do amor, porém foi o teu desprezo, que me fez compositor. Nas músicas novas que apresenta neste lp, Macalé também faz experiências interessantes. Em "Boneca Semiótica" (em parceria com Rogério Duarte/Duda/Ricardo Chacal), utiliza um romântico arranjo de cordas e piano (Aloísio Milanês), ao estilo de Antônio Carlos Jobim - aliás claramente citado na introdução, para uma letra bem irônica, dita da forma mais tranqüila: Samba é sempre a Mesma história "nosso amor morreu na Glória" a boneca foi embora não obstante esqueceu o seu fantasma. A paisagem é uma floresta, de signos malignos que você desenhou, paisagem de fim de festa: rótulo roto vidro partido, onde havia um sentido que vocês apagou, você venceu com as sua lógica digital a analógica, você não passa da minha dor. Com seu fiel amigo Wally Sailormoon, autor de um romance de contra-cultura muito badalado "Me Segura que Vou Ter Um Troço", José Álvaro Edytor 1972, Jards Macalé apresenta quatro músicas: "Rua Real Grandeza", "Anjo Exterminado", "Dona de Castelo" e "Senhor dos Sábados". Macalé abre o disco com uma concentrada faixa de apenas 1,49 minutos, onde sobre um texto de Gilberto Gil declama uma concretista construção verbal enquanto Lygia "Macalé" Anet (Jards Anet da Vida), vocaliza sinteticamente "Dois Corações", apresenta os sons de "No Meio do Mato" e conclui com um texto de Sailormoon, "O Faquir da Dor". Após "Rua Real Grandeza" - que com "Dona de Castelo" constitui os trabalhos mais herméticos do lp, temos a quase onomatopaica criação de Paulo da Portela: ruídos de uma batida da porta, intercaladas da pergunta: quem é que tá batendo aí? E completadas com vê se bate com a cabeça antes que o mal cresça antes que eu me aborreça vê se bate com a cabeça. Como escreveu Luiz Gleiser (JB, 17 de abril de 1974), para Macalé, em geral reputado compositor hermético e avesso a esquemas promocionais, "Aprender a Nadar" é marco não só de mais um disco gravado mas convergência dos diversos momentos de uma virada profissional em vários níveis. Desde 1969 trabalhando com os baianos, especialmente Gil e Gal Costa, há coisa de um ano e meio atrás ele iniciou com o poeta Wally Sailormoon a elaboração de uma linha mais depurada, mais limpa de criação musical. A música brasileira - a cultura brasileira mesmo - tem sempre um lado tristonho, meio muro das lamentações. Com a morbeza romântica, Wally e eu quisemos entrar até o fundo disso para sairmos renovados, mais simples e alegres. Mergulhados então em nossa herança européia de humor e malícia, até chegarmos a um ponto zero de linguagem e recomeçarmos tudo. Produção no valor de Cr$ 80 mil, "Aprender a Nadar" teve a participação de uma dezena de músicos convidados - entre os quais o pianista Wagner Tiso ("Som Imaginário") Dino, o violão de 7 Cordas do grupo Época de Ouro e o excelente violonista Meira, entre outros, a capa foi criada por Nilo de Paulo, com caricaturas decomposta de Macalé - na contracapa rasgadas e coloridas, numa cromática demonstração de admiração plástica de Macalé, que dedica o disco a Lígia Clark e Hélio Oiticica. Num suplemento de 4 páginas, com diagramação em forma de filme e ilustrada com imagens do filme "Kokoddevrydo", de Luís Carlos Lacerda, fotografado por Rogério Noel, temos além da completa ficha técnica (Pela qual se descobre que o poeta Wally Sailormoon foi quem deu as batidas na porta em "Pam Pam Pam ", faz barulhos de chaves e ainda participa de alguns vocais), as letras de todas as músicas apresentadas. Aliás, "Estatuto da Gafieira" de Billy Blanco foi fundida a "Dona de Castelo", não constando inclusive na relação das faixas do lado 1. Produtor de shows no Museu de Arte Moderna ("Banquete dos Mendigos", em comemoração ao dia da Declaração dos Direitos do Homem), autor de algumas das músicas da peça "O que mantém um homem vivo?", coletânea de textos de Brecht que Renato Borghi e Esther Goes apresentaram em estréia nacional em Curitiba, coordenador da edição do livro póstumo de Torquato Neto (1939-1972), "Os Últimos Dias de Paupéria", Jards Macalé acaba de concluir a trilha sonora do último filme de Nelson Pereira dos Santos, "Amuleto da Morte", policial rodado em Duque de Caxias, onde também acabou entrando no elenco, como o cego nordestino de corpo fechado, espécie de Homero que leva o fio da narrativa ao seu fim. Após "Aprender a Nadar", os planos de Macalé: - A edição do disco gravado no "Banquete dos Mendigos", a ser feita sob auspícios da ONU, e da formação de uma nova banda. Para o fim do ano, Nelson Pereira tem uma idéia de filmar um musical, coisa bem Gene Kelly, do qual eu participarei como ator e músico.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música Popular
54
23/06/1974

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