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Aramis

Os bons sambas de Nogueira e a abertura popular e Ivan Lins

Em outubro de 1971, no suplemento da Odeon, uma das primeiras produções do paranaense Adelzon Alves, hoje um dos disc-jockeys mais ouvidos da Guanabara (Rádio Globo), era o LP "Quem Samba Fica ..." (Adelzon Alves mete bronca e a moçada do samba dá o recado ..., MFOB 3694). Neste LP tinham sua vez e hora sambista como Baianinho, Aniceto do Império, Haroldo Melodia, Edalmo da Mocidade Independente, Nadinho da Ilha, Roberto Ribeiro se destacaria como o cantor-revelação entre 1972/73 (gravando inclusive um LP produzido por Hermínio Bello de Carvalho, ao lado de Simone e do violinista João de Aquino, para o Brasil-Export) e João Nogueira, em duas faixas daquele LP - "Mulher Valente é Minha Mãe" e "O Homem de um Braço só", já antecipava o extraordinário sambista-compositor que viria a comprovar em seguida. E no ano seguinte, saía o primeiro LP de João Nogueira (SMOFB 3749), produzido por Adelzo e que trazia na capa a transcrição de uma reportagem que Carlos Jurandir publicou em "O Globo" (25/09/72) sobre o extraordinário compositor, lançado por Elizeth Cardoso ("Corrente de Aço") e Eliana Pittman ("Das 200 Para lá"), mas na verdade vigoroso quando ele mesmo interpreta os seus sambas. E agora, dois anos depois de seu primeiro LP, Adelzon conseguiu junto ao ativo Milton Miranda, diretor de produção da Odeon, condições para fazer um novo Lp de João Nogueira: "E lá Vou eu" (SMOFB 3843, outubro/74), ainda mais vigoroso do que o álbum anterior - e um disco excelente para quem sabe amar a música do povo. Como Paulinho da Viola, João Nogueira é tão bom compositor quanto cantor. Sua voz é clara, afinada, gostosa de se ouvir. E como compositor, trabalhando em parceria com um dos maiores poéticos-musicais deste País, Paulo César Pinheiro, ou sua irmã - a também extraordinária Gisa Nogueira -, os resultados são sambas definitivos, que resistirão ao tempo, fazendo deste LP histórico, que no futuro será disputado por colecionadores como hoje se luta para conseguir um disco de Marília Batista interpretando Noel (1910-1937). Como Poeta da Vila - que homenageia gravando "Gago Apaixonado", João Nogueira é irônico em suas criações. Como em "Batendo a Porta", onde o malandro recebe a visita da antiga companheira e convida-a a entrar, pois "A casa é sua E não repare a casa humilde Que você trocou por um solar" "Eu, Hein, Rosa!", também com letra de Paulo César, é outro irônico samba, em que a gíria é enriquecida pela simplicidade da composição: "O meu jogo é na retranca área muito perigosa Você parece que nem lembra mais de tempos atrás". Já conhecida de compacto simples, "Sonho de Bamba" está entre as melhores criações exclusivas de João - letra e música: "Hoje eu estou cheio de alegria Eu sou até capaz de me embriagar uns amigos bambas nesse dia Me convidaram a participar De ma escola de samba". Terminando com uma jóia de poesia: "Que em matéria de samba O meu sonho de bamba Era mesmo você Pois se o azul é poesia". "E se o branco é a paz Minha Portela querida Um poeta da vida O que vai querer mais? " Outra composição excelente é "E lá Vou eu" (Mensageiro), que dá nome ao disco e de certa forma define as (boas) intenções do sambista: "E lá vai minha voz espalhando então O meu samba guerreiro Fiel mensageiro da população E lá vou eu". Assim como "Das 200 Para lá" tinha uma fácil comunicabilidade, "Do Jeito Que o Rei Mandou" (em parceria com Zé Catimba) e "Partido Rico" (com Paulo César Ribeiro), que inclusive participa da gravação), são duas das faixas mais simples deste LP. Já "Tempo à Bessa", também com letra de João, tem um arranjo rico de Geraldino Vespar, valorizando os metais e emoldurando a bela letra: "Faz tanto tempo eu não te vejo os olhos Faz tanto tempo eu não te beijo a boca Fez em meu verso, jeito adverso De dizer com voz tão rouca Que já não brilham mais meus olhos, veja De tanto olhar o que ficou para trás Volta depressa que é tempo à bessa E eu tenho amor demais Volta, vida, que ainda é teu meu coração". Com sua irmã Gisa, João compôs "Meu Canto Sem Paz", uma boa visão da selva de concreto armado e asfalto selvagem, onde "Papéis importantes confundem a mente / E gente correndo é conta corrente / Corrida do ouro, progresso, sucesso", e ao qual "Meu peito poeta rejeita esse jeito E vai enfeitado de amor o meu verso Entenda meu samba seja como for Que eu vivo na vida Correndo pro amor". Em duas faixas - "De Rosas e Coisas Amigas" (composições de Ivor Lancellotti, que inclusive participa da gravação) e "O Braço de Boneca" (João/Paulo) há solos de música grande músico: Joel do Bandolim. Como diz Adelzon, basta ouvir estas duas faixas para saber que a lacuna deixada por Jacob do Bandolim (1918-1969), pode ser brevemente preenchida. "Eu Sei Portela", mais um canto de amor a sua Escola de Samba, encerra este excelente lp, com uma estrofe definitiva do amor do poeta do povo ao seu patrimônio cultural: "E a Portela é Para mim o próprio céu Azul de dia bonito Samba puro em branco véu XXX Diametralmente oposto [à] simplicidade/lirismo de João Nogueira, Ivan Lins é também um nome importante da MPB. De formação universitária (engenheiro químico), com uma preocupação musical de encontrar um discutível "som universal", Ivan Lins surgiu em festivais universitários com composições ricas harmonicamente mas herméticas em suas longas letras (do parceiro Ronaldo Monteiro) e amparadas em interpretações instrumentais ambiciosas, em que ele demonstrava uma sólida formação de pianista. Apesar disto, venceu no setor nacional do FIC-70 com "O Amor é Meu País" e o seu primeiro lp vendeu milhares de cópias, o que não se repetiu com o segundo ("Deixa o Trem Seguir", Forma-VDL-119) e, muito menos com o terceiro (Philips, 6349040, outubro/73), onde já tentava uma abertura. Mas a queda na vendagem dos lps de Ivan Lins tem sua explicação: vítima do sucesso momentâneo, o compositor-músico-cantor foi massacrado por um esquema comercial (tv, shows, discos), de forma que, há dois anos, interrompeu sua carreira, tentando encontrar um novo caminho, capaz de lhe permitir uma maior abertura, uma comunicação mais ampla. E para isto, deixando a Phonogram e passando para a RCA-Victor, ali estréia num lp muito bem produzido por Henrique Gastaldello, amparado em arranjos e regência de seu amigo Arthur Verocaí (produtor de 2 de seus lps na Phonogram) e que embora não possa se classificar como um lp popular, de fácil consumo, já mostra alguns caminhos em direção a ma maior aproximação. Produção cara, com a participação de mais de 20 instrumentistas - entre os quais o próprio Verocai na guitarra, violão, arranjos e regências, Wagner Tiso (ex-Som Imaginário) no órgão, Luis Carlos (no baixo elétrico), Robertinho (bateria e percussão), Chiquinho Batera (percussão), Marcio Montaroyos (Fluegehorn) e sua esposa Lucinha na percussão e vocais (ela já havia aparecido em seu lp anterior, "Quem sou eu? ", na Philips) - este "Modo Livre" (RCA-Victor, Lo3.0092) inclui músicas como "Avarandado" (Caetano Veloso) e até música pot-pourri de velhos sucessos carnavalescos: "General da Banda" (Satro de Melo/Tanchredo Silva/José Alcides), "A Fonte Secou" (Monsueto Menezes, Tufi Lauar/Marcléo) e "Recordar" (Aldacir Louro, Aluisio Martins e Adolpho Macedo). As novas músicas de Ivan Lins vão desde música "Rei do Carnaval" (com letra de Paulo Cesar Pinheiro) até um "Abre Alas" (com letra de Victor Martins), clara homenagem à primeira marcha do Carnaval Brasileiro, composta no final do século passado por Chiquinha Gonzaga (Francisca Hedwiges Neves Gonzaga, 1847-1935). É claro que Ivan não abandonou seu antigo parceiro, Ronaldo Monteiro, mas agora ele fez letras menos confusas, bem mais simples, como "Deixa Eu Dizer". "Deixa, deixa, deixa eu dizer o que penso dessa vida Preciso demais desabafar" ou então "Tens" (Calmaria, "Não Tem Perdão", "Espero", "Desejo", e "Essa Maré". O próprio Ivan é o letrista em "Chega" onde de certa forma define o seu trabalho musical: "As pessoas têm que gostas de mim como eu sou E como você quer que eu seja". Mas não há dúvida de que agora, com esta sua abertura, será mais fácil gostar de Ivan Lins e de seu trabalho. "
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música Popular
28
17/11/1974

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