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Aramis

Os judeus paranaenses (V)

Quando se fala em comunidade israelita, uma questão sempre é levantada: até onde são admitidos casamentos inter-raciais? A velha tese de que os judeus só se casam com judeus também é discutida pela professora Regina Rotenberg Gouvea, em sua dissertação de mestrado sobre a comunidade judaica em Curitiba, defendida em junho último no Departamento de História da Universidade federal do Paraná. E, inteligentemente, Regina reservou este aspecto para a última parte de seu trabalho, cuja leitura é das mais agradáveis, sem o hermetismo que condena tantas teses a um pequeno público. E razão maior para que alguma entidade por que não o próprio Centro Israelita do Paraná? Deveria, a curto prazo, financiar a sua edição em livro. No capítulo "Nupcialidade e Família", Regina Gouvea começa fazendo a seguinte consideração: "Se os judeus curitibanos apresentam taxas negativas, evidenciadas através dos cálculos da taxa geométrica de crescimento, se não conhecem novas ondas imigratórias, a reprodução do grupo fica na dependência exclusiva da taxa de natalidade e da ampliação da expectativa de vida. A primeiraparte dessa dependência deve ser examinada a partir do comportamento dos casais". É certo que potencialmente os judeus curitibanos poderiam ter um número elevado de filhos, pois a observação das 570 famílias estudadas por Regina levou à conclusão de que eles casam cedo. Em geral, tanto homens quanto mulheres casam-se entre 27,1 e 22,4 anos de idade em Curitiba e, fora do município, entre 26,5 e 22,3, sendo que os maridos são, em média, quatro a cinco anos mais velhos que suas esposas. Para análise do número de filhos por casal, Regina considerou somente 117 famílias, uma vez que para 53 delas não foi possível precisar o número de filhos. Isto porque 42 casais migraram e/ou emigraram logo após a realização do casamento e 11 eram recém-casados no ano do encerramentoda pesquisa, portanto sem filhos. Os judeus casam cedo e apresentam uma média de 2,5 filhos por casal. Esta média é influenciada pelo peso relativamente significativo do número de casais sem filhos com um percentual de 7,7 sobre o total. Dentro dessa participação, encontram-se os casais estéreis e aqueles que, por opção pessoal, não tiveram filhos. O índice de 2,5 filhos por casal, encontrado no período todo entre os judeus de Curitiba assemelha-se ao comportamento dos judeus de São Paulo em 1965, quando a média era de 2,7 e de Israel, em 1950, quando a média foi de 2,6. Tal procedimento se identifica com as classes médias dos centros desenvolvidos que tendem, igualmente, a formar famílias biológicas relativamente pequenas. O número de filhos, provavelmente, é controlado através de medidas anticonceptivas, ainda que tal prática se contraponha aos preceitos religiosos judaicos, segundo os quais "evitar filhos é violar o primeiro Mandamento de Deus", "Crescei e Multiplicai-vos" e de que ao homem pertence o dever de assegurar a sua descendência. O problema é que a média de filhos encontrada entre os judeus da comunidade curitibana tende somente a repor a população. Ainda não se verifica aquilo que ocorreu na Itália, Alemanha, Áustria, Holanda, Canadá e Estados Unidos, onde, na década de 1960, já apresentava um tal declínio nos nascimentos que a própria reposiçào estava comprometida. Essa mesma preocupação se sente numa citação de U.º Schemelz, em sua análise demográfica do judaísmo mundial ("Nos caminhos da diáspora", Centro Brasileiro de estudos Judaicos, 1972): "O balanço de mudanças demográficas na população judaica da Diáspora tornar-se-á precário, ou definitivamente negativo, se um ou mais dos seguintes fatores atuarem: baixa fertilidade, envelhecimento acentuado, casamento fora do grupo, ou um balanço fortemente negativo das migrações". As características demográficas da comunidade judaica levam a professora Regina a pensar na possibilidade "de que o mesmo processo estaria em curso aqui, ou seja, estaria em andamento um processo de diluição da comunidade judaica. Xxx Os casamentos destacam-se entre os mais valiosos indicadores do grau de integração da comunidade judaica em Curitiba, diz a professora Regina. Ao contrário do que normalmente ocorre com outros grupos de imigrantes, o judeu imigrou da Europa Oriental para nunca mais voltar, procurando se perpetuar, portanto, no novo local de residência. Desta forma as suas caracteristicas culturais, religiosas e as suas tradições emigram com ele. Supõe-se que um maior ou menor estreitamento dos limites dos casamentos, absorvendo maior ou menor número de elementos não pertencentes ao universo judaico, dependeefetivamente do grau de sentimento integrativo na sociedade mais ampla. Assim surge a indagação: em que medida os israelitas instalados em Curitiba se abrem para essa sociedade? Estão eles naqueles momentos em que os processos persecutórios lhes impedem a utilização mais rigorosa de seu artesanal religioso, ideológico e racial? Ou já encaram, senão com naturalidade, pelo menos com maior tolerância, a miscigenação racial e cultural? Um dos gráficos do estudo da professora Regina revela que a absoluta maioria dos casamentos realizados na comunidade em estudo (85% ao longo de 81 anos) tiveram como pares apenas judeus. Mas revela, também, que a participação dos casamentos mistos (judeus com não judeus) vêm crescendo constantemente no conjunto dos matrimônios. O que permite falar numa tendência do grupo a uma abertura para outras etnias. Casada com um não-judeu, o radialista e empresário Moacyr Gouvea, Regina salienta que enquanto prevaleceram os casamentos em que o homem e a mulher eram nascidos fora do Brasil, a tendência era mais no sentido dos matrimônios endógenos. Na medida em que os imigrantes judeus deixaram de ser numericamente expressivos, houve um gradativo aumento de casamentos mistos. Os pioneiros da comunidade chrgaram, inclusive, a levar os filhos para o Exterior a fim de casá-los com judeus. Havia os casos em que procuravam os cônjuges (especialmente esposas) em comunidades israelitas de outros Estados brasileiros. Os casamentos mistos eram nulos. Exemplificando: um único judeu nascido na Europa Oriental casou com uma não-judia e, segundo os registros, era viúvo e morava numa localidade próxima a Curitiba. Embora a comunidade judaica tenha sofrido modificações na origem de seus membros, tendendo nos períodos finais para uma maior participação de nascidos no Brasil, os números demonstram que para todo o período é maior a participação de estrangeiros. No período de 1889 a 1929 constata-se uma ausência de casamentos mistos, não se diferenciando em nada das características observadas em outros grupos de imigrantes que vieram para o Brasil na mesma época. De 146 casamentos realizados nesse período, 128 são de casais de procedentes da Europa Oriental, representando 87,7%. Não se pode, porém, deixar de observar que os judeus aqui chegados acabavam de experimentar os efeitos das ostensivas perseguições ao seu modo de vida. E, se saíram, no caso da Europa Oriental, foi justamente porque entre seus planos estava a possibilidade de preservação desse modo de vida. A manifestação de suas práticas religiosas e tradicionais ficou garantida por um fechamento mais rigoroso do grupo. No período de 1930/1944 já se observa um grau mais elevado de integração da comunidade à sociedade. As trocas entre o grupo minoritário e o resto da sociedade deixam de ser apenas econômicas, passando a ser também culturais, sociais e de ordem pessoal. Como fator restritivo à integração poderiam ser mencionados os anos do Estado Novo, quando as instituições dos grupos imigrantes foram nacionalizadas e abolidos os idiomas estrangeiros em entidades. Entretanto não houve perseguição aos judeus, ao contrário, houve a inclusão irrestrita dos israelitas nos benefícios sócio-economicos do período. Isto facilitou a ascensão social e cultural de uma segunda geração de israelitas. Nessa fase surgiram, sintomaticamente, as primeiras reações dos pais contra a tendência da assimilação dos filhos. São frequentes os sinais no sentido da criação de instituições que reforçassem os laços comunitários. Os enlaces entre judeus e não-judeus são ainda muito residuais. Importante, também, a presença de noivos nascidos no Exterior. Seria no período 1945/1959 que ficaria evidenciada a tendência da comunidade em se unir matrimonialmente com os não-judeus. O crescimento dos casamentos mistos cresceu de 3,5 pontos entre 1930/45 para 9,1%. Ou seja, uma diferença de 5,6%. Quantitativamente é maior o número de judeus curitibanos que frequenta a universidade e, com o salto qualitativo da industrialização no pós-guerra, é igualmente maior o laço econômico e social entre judeus e a população paranaense global. Finalmente, entre 1960/70 persiste a tendência dos casamentos mistos, pois 19,1% das ocorrências matrimoniais se deram entre judeus e não-judeus. A professora Regina compara os números de Curitiba com os índices de São Paulo, em 1968, onde houve frequência de 6.636 casamentos exclusivamente entre judeus, 907 famílias de um casamento misto e 261 com dois casamentos mistos. Essa tendência, em Curitiba, acompanha a dos anos 1945/59. "O que é conveniente indagar é se o fenômeno pertende às particularidades das comunidades judaicas apenas ou se é regra entre as comunidades de imigrantes", questiona a professora Regina, encontrando no estudo de Ruy Wachowicz, sobre a comunidade polonesa, a resposta: também ali houve a mesma tendência. Só no pós-guerra, especialmente a partir de 1951, passou a haver maior casamento misto. O mesmo se verifica em relação à comunidade evangélica luterana de Curitiba, conforme estudo do professor Sérgio Nadalim, que aponta para o período de 1870/79 uniões interétnicas na ordem de 6,40%, aumentando no período 1960/69 - para 40,92%. Encerrando este capítulo, diz a professora Regina Gouvea: "É evidente que a velocidade da abertura dessas comunidades é bem maior do que a da comunidade judaica de Curitiba. Além disso, no caso dos judeus, a maioria dos casamentois mistos vem acompanhada da conversão da noiva ou do noivo não judeu ao judaísmo. Ou seja, a abertura vem acompanhada de tendência de autodefesa, através de mecanismos de preservação da identidade do judeu".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
6
23/08/1980

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