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Aramis

Os livros do Paraná (II)

Em Emílio de Menezes (Curitiba, 4/7/1866 + Rio de Janeiro, 8/6/1918), o homem ultrapassou a obra. Se a sua obra poética e jornalística é até hoje pouco conhecida, pela escassez das edições, as estórias do gordo e irreverente boêmio, típico exemplo de dandy da belle èpoque do Rio de Janeiro, o fazem sempre ser citado quando se fala em humor e trocadilhos. Das muitas estórias a seu respeito, algumas se destacam - e se tornaram clássicas. Um de seus biógrafos, Francisco Leite, há 12 anos ("Emílio de Menezes e a Expressão de uma Época", Curitiba, 1968, 125 páginas) contava algumas delas. Por exemplo, quando foi inaugurada uma exposição agrícola, jornalistas, poetas e escritores acompanharam o ministro da Agricultura, Emílio de Menezes foi à Seção de Cereais. Aí, Guimarães Passos, o irreverente Guima, pôs a mão dentro de um saco, e erguendo no alto o seu conteúdo, exclamou: "É milho!" Todos riram daquela chistosa alusão ao companheiro. Emílio, alisando seus vastos bigodes, não perdeu a deixa e respondeu. - Você hoje está com a veia. A seguir, ameaçando espancá-lo com o bengalão que sempre usava, e ao vê-lo fugindo aos golpes arrasadores, torna terrível: - Não se evada, seu biltre! Nova gargalhada estoura. Por fim, agarrando o seu amigo e fazendo-o sentar sobre uma cadeira que ali se achava, vociferou, vitorioso: - Sentei-o xxx Uma tarde, Emílio descansava num banco de praça, à espera de um amigo. O poeta era gordo, imenso. Não tardou que viesse a tomar assento, no mesmo banco, uma senhora, ainda mais gorda do que ele. Mas sentou-se, o banco deu um estalo. Ninguém se preocupou. Novo estalo e o banco caiu. Emílio, levantando-se com certo custo, estendeu a mão à senhora, erguendo-a com muita dificuldade. Após vê-la em pé, sacudindo a saia para limpar o pó, assim lhe falou: - Minha senhora, é a primeira vez que vejo um banco quebrar por excesso de fundos. xxx Emílio Guimarães Passos e um jornalista estavam no Café Jeremias, quando por ali passou uma jovem toda exibida, firmando-se numa vistosa bengala, que aliás entrava em moda como ornamento feminino. Notando-lhe o esquisito complemento, e conhecendo a má fama da coquete, o Guima, apontando-a, trocadilhou: - "Bengalinha...". Todos riram. Não demorou que por ali passasse uma outra mulher, pesadona, na última fase de gestação. Emílio, que aguardava uma chance, não perdeu tempo. E, apontando-a aos amigos, já se levantando para ir embora, sentenciou: - Bengalada. São inúmeras as estórias a respeito de Emílio de Menezes, em especial da época em que viveu intensamente no Rio de Janeiro, de uma boêmia intelectual, saudável, bem comportada vista nos olhos de hoje - mas que o levaram a um pioneiro desquite e a uma vida de altos e baixos. Sobre Emílio de Menezes muito se falava, mas pouco se conhecia de sua obra. Esgotada há anos, com poucos livros publicados em vida - "Marcha Fúnebre" (1893), "Poemas da Morte" (1901), "Dies Irae" (1906) e "Poesias" (1909), e uma obra póstuma, "Mortalhas/Os deuses em ceroulas" (1924), a maior parte do que escreveu estava perdido em milhares de exemplares de jornais e dezenas de revistas. Assim, a "Obra reunida" de Emílio de Menezes, que na sexta-feira, 19, foi lançada em Curitiba, na inaguração do escritório local da Funarte, constitui realmente uma edição importantíssima. Tanto é que a professora Cassiana Lacerda Carolo, sua idealizadora, não teve dificuldades em encontrar nos editores - a Livraria José Olympio - disposição de ampliar a tiragem: ao invés de modestos mil exemplares, como nos demais livros lançados na ocasião, esta "Obra Reunida" sai com 5 mil exemplares, em distribuição nacional - destinada a encontrar grande repercussão junto à crítica e áreas intelectuais, colorando em evidência, com razão, a personalidade de Emílio de Menezes, um curitibano que chegou a ser eleito para a Academia Brasileira de Letras, cadeira 20, na vaga de Salvador de Mendonça, mas que ainda em 1918 não havia sido empossado. Sua posse, protelada por questões de saúde e pela polêmica em torno de seu discurso, acabou ocorrendo sem formalidades oficiais, pois alegou achar-se "gravemente enfermo", em carta dirigida à ABL, datada de 24 de abril de 1918. Dois meses depois faleceria, vítima de euremia, sendo enterrado no Cemitério São João Batista. Porém, em 1927, seus restos foram transladados para Curitiba, encontrando-se no Cemitério Municipal. Um dos idealizadores da transladação de seus restos mortais foi o jornalista e escritor Oscar Joseph De Plácido e Silva, que, aliás, reuniu grande parte do arquivo de Emílio de Menezes. Há 12 anos, nas comemorações do centenário de seu nascimento, o governo do Estado patrocinou uma edição de "Emílio e a Expressão de uma Época", de Francisco Leite. Uma obra modesta, mas procurando trazer informações a respeito das várias facetas do ilustre paranaense. Agora, a professora Cassiana Lacerda realizou um [trabalho ] de maior fôlego: o levantamento de toda a contribuição esparsa de Emílio a jornais e revistas, agrupadas em núcleos de poesia lírica, poesia satírica e versos em circunstâncias, poesia literária e prosa de circunstância. A isso, acrescentou-se a poesia publicada, últimas rimas e as mortalhas, num esforço abrangente, verdadeira garimpagem cultural em torno do que Menezes produziu. Mas a Obra Reunida vai mais além: Cassiana, professora do curso de Letras da UFP, ex-diretora do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, que concluiu recentemente tese de mestrado sobre a poesia simbolista (a aparecer em edição de 2 volumes, 1.500 páginas), além de todo o levantamento da obra de Emílio, acrescentou mais de 100 páginas de apêndice, mostrando os critérios da organização, variantes e comentários, completa bibliografia e centenas de anotações, colocando, didaticamente, informações para que se melhor entenda cada um de seus versos. Uma apresentação de Ivan Cavalcanti Proença, a introdução de Josué Montelo e mais um texto de Antonio Arnodi Prado ("Dialética da Grã-Finagem") complementam esta obra, cuja seriedade a fará, nas próximas semanas, merecer ampla repercussão. Afinal, não se trata apenas de uma co-edição entre uma editora nacional e a Secretaria da [Cultura], destinada a reunir a obra de um poeta curitibano, até agora mais conhecido "pelo que dele contam", do que por sua obra em si. O humor, o joie de vivre de Emílio, sua irreverência, personalidade, transformaram-no em imagem-símbolo de uma época em que se encontrava a alegria, a felicidade e o amor nas coisas simples.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
10
21/12/1980

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