Os Nossos Caipiras (IV)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de agosto de 1977
Afinal quem consome a música sertaneja, para justificar um número tão grande de lançamentos mensais ? Esta é uma das questões que o sociólogo Waldenyr Caldas busca responder em sua tese "Acorde na Aurora" (Companhia Editora Nacional, agosto/77), que, pelo seu ineditismo, estamos registrando, exaustivamente nesta série de comentários. Do ponto de vista sociológico, o consumidor da música sertaneja é, basicamente, nas grandes cidades como São Paulo, e Rio de Janeiro - o migrante rural, que, ao deixar a sua região e tentar a vida numa grande cidade é obrigado a aceitar subempregos. Vindo de outros Estados, já afeiçoado ao gênero sertanejo, esse público faz parte daquela população localizada nos bairros periféricos. Apesar de ainda não estar inteiramente adaptado à realidade urbana, passa a consumir a música sertaneja de diferentes formas. Em São Paulo, onde muitas emissoras mantém programas de auditório especificamente dedicados a essa faixa, o recém-chegado passa a assisti-los, muitas vezes como uma compensação de não dispor de condições para adquirir rádio, vitrola ou televisão. Assim, sua alternativa resume-se em assistir aos programas no próprio auditório da emissora de rádio (e mesmo televisão), já que a entrada é gratuita. Em Curitiba, onde desapareceram os programas sertanejos de auditório - a última emissora que os mantinha era a Tingui, hoje com uma programação exclusivamente de samba, - essa faixa está agora sendo aproveitada para os espetáculos que o cantor e compositor Leonel Rocha vem promovendo no ginásio do Clube Atlético Paranaense.
Outro tipo de consumidor da música rural é o que já absorveu os valores do meio rural, estando perfeitamente integrado na sua cultura. Um melhor ajustamento econômico lhe permite, ademais, e consequentemente, maior participação na sociedade de consumo. Assim, desfruta de uma parcela maior dos veículos de comunicação de massa (rádio, televisão, circo, vitrola, etc.), aumentando seu delite com a música sertaneja. Esse tipo de consumidor é o principal - mas não o único - comprador de discos e gravações em fitas minicassetes. Estas últimas que antes só existiam no âmbito da música popular (nacional e estrangeira), foram recentemente (março de 1975), introduzidas no gênero sertanejo.
Seu consumo é grande, sendo uma faixa considerável os motoristas de caminhões, que dispondo de sofisticados toca-fitas, não dispensam a oportunidade de ouvirem as gravações em minicassete de seus intérpretes sertanejos favoritos. A produção voltada ao proletariado, demonstra, mais uma vez, a intenção das gravadoras de ampliar o mercado de consumo da música sertaneja, objetivando, evidentemente, maior rentabilidade, utilizando-se para isso, de um novo recurso tecnológico. Destaca Caldas, em suas observações, que a participação do trabalhador de baixo poder aquisitivo no mercado de consumo só se torna possível através de outra manobra de mercado: a instituição do crediário extensivo à classe proletária. Massificada pela publicidade bem elaborada e pelas facilidades oferecidas para comprar a crédito, ela consome desmesuradamente, instaurando-se dessa maneira, em seu meio, o consumo do supérfluo. (continua).
Enviar novo comentário