Login do usuário

Aramis

Os nossos documentaristas (I)

Mais do que um troféu a mais em sua já expressiva galeria de prêmios - a "Canoa de Ouro", que José Augusto Iwersen, 34 anos, conquistou no VI Festival Nacional de Cinema, em Penedo, Alagoas, no último fim de semana, como diretor de "Daniele, Carnaval e Cinzas" (melhor documentário) e "Doce Humanidade" (melhor filme didático), representa a comprovação de que o esforço, a dedicação e, sobretudo, o entusiasmo, formam um cineasta. Quem, como nós, acompanha a carreira de Iwersen desde quando ele, ainda aluno do Colégio Santa Maria, ali fundou o Cineclube Pró-Arte, tem visto as dificuldades que Iwersen enfrenta - e ainda enfrenta para tentar (sobre)viver daquilo a que se propôs: o cinema. Do Cineclube Pró-Arte - no período 1962/64, Iwersen evoluiu para a tentativa de implantar um cinema de arte - o Riviera, funcionando no antigo auditório do Colégio Santa Maria, e graças ao qual, mais de duas dezenas de clássicos do cinema puderam ser exibidos em Curitiba. Se não fosse o Riviera, que Iwersen suportou com imensos prejuízos, filmes de Felina ("A Trapaça"), Bergman, Truffaut, Godard, Alain Resnais ("O Ano Passado em Mariembad"), entre tantos outros, jamais teriam chegado a Curitiba. As cópias simplesmente tiveram seus certificados de censura vencidos e foram destruídas: nenhum cinema comercial se interessaria em exibir filmes como "20 Anos Esta Noite" (Le Feu Follet, 63, de Louis Malle) ou "Uma Vida em Pecado" (Studs Lonigan, 1960, de Irving Lerner), só para citar dois exemplos representativos. Filmes magníficos, clássicos inesquecíveis, que jamais retornarão às nossas telas, quando muito podendo ser revistos em perdidas sessões de madrugada nas televisões ou, nas versões originais, em exibições em salas alternativas, com cópias clandestinas.. Após uma experiência na distribuição de filmes, Iwersen criou o Studio 8, pioneiro na crença das possibilidades do cinema nesta bitola, em sua utilização na publicidade, documentários e mesmo ficção. Nos últimos 10 anos, Iwersen tem realizado muitos filmes - poucas vezes obtendo lucros, mas, conseguindo provar que não precisa de autopromoção e nem recorrer às tetas do oficialismo para fazer seus filmes. Em 1974, "O Homem do Caranguejo", rodado em Antonina, com um sentido quase antropológico ao registrar o trabalho de um apanhador de caranguejo, lhe valeu as primeiras premiações. Em Antonina, rodaria "A Lenda dos Crustáceos", já ficção e lançando uma bela atriz - Karim Van Der Brooke, que, infelizmente, não pôde - ou não quis - continuar sua carreira. Entre o documentário e a ficção, sem preconceitos, fazendo filmes audaciosos como "A Santidade do Prazer" e "Censura X Censura", Iwersen já tem uma dezena de curtas-metragens. No ano passado, acompanhou o dia-a-dia de um travesti curitibano, cujo sonho maior era vencer o concurso dos "enxutos" no baile de segunda-feira de Carnaval do Operário. O resultado foi "Daniele, Carnaval e Cinzas", um filme extremamente honesto em seus propósitos de documentar um homossexual assumido, tratado com respeito e mesmo ternura. Entremeado de depoimentos diversos - psiquiatra Grabowski, a colunista social Margarita Sansone, o ator Sale Wolokita, o padre Gustavo Pereira, entre outros - desde que vimos, numa das primeiras exibições, sentimos o valor do filme de Iwersen. Hoje, menos de um ano após o filme ficar pronto, já obteve premiações em festivais realizados em São Paulo, Curitiba, Sergipe e, agora, Penedo. Em "Doce Humanidade", que ainda não conhecemos, pois foi recém-concluído, Iwersen aborda um tema delicado, particularmente muito pessoal, mas necessário de ser visto e debatido: a educação das crianças excepcionais. Até hoje Iwersen recebeu pouco auxílio dos órgãos oficiais, mas o duro aprendizado que fez neste período o faz merecedor de um crédito de confiança, especialmente agora, quando tanto o secretário de Cultura, Luís Roberto Soares, como da Comunicação, Cleto de Assis, entendem a importância da documentação cinematográfica de nossos valores, nossas paisagens. Cleto já encomendou a um produtor um documentário sobre Guaíra, registrando as 7 Quedas que o lago de Itaipu fará desaparecer. O filme tem grande importância documental e abre uma série de outras fitas que, distribuídas a vários cineastas, farão o Paraná se posicionar no mercado de curta-metragem, especialmente agora que os documentários têm exibição assegurada nos circuitos comerciais - e que justifica que, amanhã, voltemos a falar do assunto.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
6
19/01/1980

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br