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Aramis

Os (z)Heróis de Otávio

"Na rua, o corpo oscila: mesmo sem rumo certo sempre chega onde precisa. Está começando, muita coisa interessa. Fala alto, ri, na madrugada, tudo considerado com a mesma paixão. Os outros, também eles, tem olhos brilhantes. E nenhum a pele é gasta nem as faces tem marcas, ainda". ("Uso da Pólvora", Otávio Duarte). Otávio Duarte, paranaense, jornalista - atualmente em São Paulo, onde é editor de telejornal, autografa, hoje à noite, no Bar Ocidente, seu livro "Noticiário dos Heróis"(Edições Rainha Louca, 88 páginas, ilustrações de Guinski). Ex-repórter de O ESTADO, passou para o telejornalismo e, a exemplo de muitos outros bons profissionais da nova geração, preferiu São Paulo do que Curitiba. Aqui publicou contos, poemas e escreveu algumas estórias-em-quadrinhos (uma de suas paixões) para revistas da Grafipar. Foi um dos fundadores e editores da revista de quadrinhos "Casa de Tolerância" e da revista de criação "Zéblue". Publicou o livro "Alice - prosa e verso" e participou da coletânea "Arame". Em "Noticiário dos Heróis", Otávio Duarte mergulha mais a fundo na criação literária e, embora sem se preocupar em contar uma estória na forma tradicional, oferece, com garra, sentimento e paixão, o depoimento de uma geração. Entremeia uma narrativa memorialística mais ordenada, com "os escritos de Jacques" - espécie de alter ego que plenamente se identifica com personagem real, como os outros heróis (ou anti-heróis) que habitam as páginas - Joaquim Ana Maria, Linda, Henrique - também tem fortes tintas de companheiros de geração, das dúvidas, inquietações e angústias de Otávio Duarte. Cita ambientes (imaginários ou não), especialmente um certo bar Rocco, fala de longos fins de semana na Ilha do Mel e lembra, embora ligeiramente, o real bar do Pasquale. Enfim, cenários de Curitiba, lembranças de momentos intensamente vividos, pileques homéricos e, sobretudo, muitas referências intelectuais. A leitura de "Noticiário dos Heróis" pode parecer fechada, huis clos a quem esteja desacostumado a uma proposta mais liberta de comunicação, mas conseguindo penetrar-se no universo do autor há uma espécie de mensagens (nem sempre cifradas) de toda uma vontade de transmitir o seu recado. Para tanto, Otávio, dominando com extrema competência o texto, mergulha em várias vertentes. Descreve situações na terceira [pessoa], imagina descrições dos seus próprios personagens e sempre volta ao seu alter-ego central - o sensível e complexo Jacques. Chega a intercalar até uma narrativa jornalística, descrevendo o assassinato de um dedo-duro por um marginal e referindo-se a um imaginário delegado Algaci Cabral, que lembra, de imediato, os nomes d dois conhecidos repórteres policiais Algaci Túlio (hoje vereador) e Luiz Cabral, companheiros de redação de Otávio há alguns anos. A partir da página 85 - e com uma separação inclusive gráfica ("Uso da Pólvora/Jacques"), entremeiam-se poemas e citações. Tudo dentro de uma lógica/ilógica que Otávio assume integralmente dentro de sua visão de oferecer um livro não convencional. A leitura de "Noticiário dos Heróis" nos faz recordar "Tempo Sujo", que Jamil Snege publicou há 20 anos. A novela de Jamil - em nosso entender, ainda um dos pontos mais significativos de sua literatura - tinha também a garra, a tesão, a força, do jovem escritor na busca de exorcizar demônios do sentimento e inquietações intelectuais. A angústia intelectual (e isto é patente nas constantes citações de escritores, músicos, canções, etc.) dos personagens deste "Noticiário dos Heróis" é uma constante em obras que buscam abrir veredas aos jovens escritores. Afinal, Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald também falavam das bebidas, das mulheres e das personalidades intelectuais na época em que fizeram seus primeiros contos e novelas. Normam Mailer, mais contemporânea misturou as estações, quebrou as linhas tradicionais de narrativa e talvez por isto tenha conseguido uma identificação mais direta com os jovens. Adjetivar o livro de Otávio Duarte, 31 anos, em [categoria] esquemática é um risco tão grande quanto querer apenas apreciá-lo do ponto de vista formal. Obra extremamente pessoal, bem construída em termos estéticos, é um (pequeno) grande depoimento de uma fase de sua vida. Na sensibilidade de suas palavras podem se refletir imagens de muitos jovens de várias idades. Este é, em nossa literatura, o mérito deste trabalho - início, esperamos, de uma obra crescente e que poderá ser marcante. Afinal, o Paraná necessita de mais (e melhores) escritores de talento.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
8
12/12/1984

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