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Aramis

Pai & Filho, a alegria da vida sem prioridades

"quando morre um amigo, a gente perde um amigo. Quando morremos, perdemos todos os amigos de uma só vez". "... sou um homem absolutamente sem ordens de prioridade". (Scotie Templeton). xxx A vida, o amor e a morte. O tripé que está sempre presente na obra de arte, assim como na reflexão de todos nós - já que a morte tem o encontro marcado, inadiável. "Tributo" é um filme sobre a vida, o amor e a morte. Como também é um filme sobre pai & filho, encontros e desencontros. Uma peça de teatro que fez sucesso na Broadway, há duas temporadas (1) chega, como tantas outras, ao cinema. Como nos melhores textos de Neil Simon, o fato de circunscrever a um espaço geográfico determinado, com personagens de um universo que, a primeira vista, não oferece maiores pontos de empatia aos espectadores do Terceiro Mundo, não impede que a emoção passa desde as primeiras seqüências. Vários fatores se conjugaram para fazer deste "Tributo" (Cine Plaza, ainda hoje em cartaz, às 14, 16, 18, 20 e 22 horas), um dos grandes momentos do cinema na temporada 1980: um texto marcante, profundo - embora conduzida em ritmo de (nervosa) comédia; a esplêndida atuação de Jack Lemmon - merecidamente indicado ao Oscar de melhor ator (perdeu, injustamente, para Robert de Niro, em "O Touro Indomável/The Ranging Bull", de Martin Scorcese) e uma direção descontraída, ágil e criativa de Bob Clarck, que com este filme, chega ao público brasileiro - embora nos Estados Unidos há anos já venha desenvolvendo um belo trabalho (2). xxx "Tributo", parece aquele tipo de peça/filme pensado para um ator. No caso Jack Lemmon (John Uhler Lemmon Ii, Boston, Massachussets, 1925), que chegando ao cinema após uma longa experiência em rádio e televisão, estreou no cinema em 1954 ("Phiff") e, já no ano seguinte, com sua criação do personagem Ensign Pulver em "Mister Roberts" (3) ganhava o Oscar de melhor ator coadjuvante. Em 27 anos de carreira cinematográfica, poucos atores identificaram-se tanto com o homem urbano, asfixiado em seus problemas da classe média, como Jack Lemmon. Visto normalmente como comediante - desde sua segunda atuação na tela ("Jejum de Amor/My Sister Eileen", 1955), Lemmon nunca deixou de ter aquela característica de fazer rir ante o dramático, especialmente quando dirigido por seu amigo Billy Wilder ("Quando Mais Quente Melhor/Some Like It Hot", 60; "Se Meu Apartamento Falasse", 62; "Irma, La Douce", 63; "Amantes à Italiana... Avanti", 72; "Uma Loura... Por um Milhão", 66) ou interpretando as comédias inspiradas em peças de Neil Simon ("Forasteiros em Nova Iorque", "Um Estranho Casal" etc). Mas também em papéis dramáticos - como em "Vício Maldito" (Days of Wine and Roses, 63, de Black Edwards), Lemmon mostrou a sua extrema sensibilidade, de forma que, há 9 anos, quando fez sua única tentativa como diretor, foi muito vem sucedido: "Ainda há Fob sob as Cinzas" (Kotch), com seu amigo Walter Matthau (parceiro de inúmeros filmes) e sua mulher, Felícia Farr (atriz) há anos ausente das telas), realizou um dos melhores estudos sobre a marginalização da velhice - mesmo numa sociedade próspera e desenvolvida como a americana. Assim, para quem - como nós, acompanha a carreira de Lemmon, ao longo de quase 3 décadas de cinema, só a sua atuação neste "Tributo" constitui um dos grandes momentos cinematográficos - daqueles que não se via há muito tempo. Tendo sua origem numa peça teatral - e, portanto, confinada em espaços determinados, "Tributo" consegue uma linguagem ágil, com o diretor Bob Clarck encontrando soluções dinâmicas para exteriorizar o máximo de cenas, mesmo tendo dividido a produção de cenas externas feitas em Nova Iorque (sempre plástica e fascinante em termos visuais) com os interiores realizados em Toronto, no Canadá. Scottie Templeton é um personagem fascinante. Aos 54 anos, divorciado, um único filho - Jud (Robby Benson, uma esplêndida atuação), que não via há muito tempo, ao fazer um exame médico, descobre estar com câncer. A revelação feita pela enérgica mas carinhosa médica Gladys Petrelli (Colleen DeWhurst) não retira sua (aparente) calma e alegria de viver e ainda do hospital sai com uma nova amiga, a atriz Sally Haines (Kim Cattral), que, posteriormente, faz conhecer seu filho. O reencontro com a ex-esposa, Maggie (Lee Remick) e a hostilização do filho, 27 anos, formado em História e mais preocupado com a sua carreira de professor e a fotografia, do que a aceitar "as boas coisas da vida", poderiam resultar num melodrama ideal para uma telenovela da Globo ou Bandeirantes. Entretanto, o ritmo dos diálogos de Slade, que supervisionou o roteiro, faz com que a ação se desenvolva de uma forma descontraída, sem concessões tão comuns de acontecerem na onda de filmes sobre dramas domésticos, que vem caracterizando o cinema americano nos últimos 6 anos. Aproximações com outros textos/filmes podem ser feitos pelos cinéfilos de melhor memória, mas "Tribute" encerra, em si, a técnica dos textos tem trabalhados. Conhecido no Brasil por seu maior êxito, "Tudo Bem no Ano que Vem" (Same Time, Next Year) - levado ao cinema há 3 anos por Robert Mulligam, com Alan Alda e Elleen Burteynn e, nos palcos nacionais, vivido pelo casal Glória Menezes (Tarcísio Meira, Bernard Slade é autor também de "A Romantic comedy", um dos sucessos da temporada de 1979/80, na Broadway, com Tony Perkins e Mia Farrow, "Tudo Bem No Ano Que Vem", crônica de um casal de amantes que se encontra uma vez por ano, ao longo de 3 décadas (levemente, o mesmo argumento do sensível "Avantti...", de Billy Wilder), continha já uma grande proposta de discussão de vários assuntos importantes, embora o tom açucarado da montagem brasileira, tenha impedido uma melhor compreensão destes aspectos. Já neste "Tributo", com uma ação limitada a um período de tempo menor, Slade vai ao fundo no questionamento daquilo que pode ser entendido como "responsabilidade" e "dedicação", dentro de escalas que variam de indivíduo para indivíduo. Aparentemente, um desmiolado, mulherengo e perdulário, que abandonou a esposa e o filho, Scottie Templeton vai sendo revelado pelas pessoas que o entendem - "um homem que paga um hambúrguer e dá sensação de ter oferecido um banquete", como diz seu amigo Lou Daniels - até a grande homenagem final, uma espécie de "Esta é a Sua Vida" (os mais velhos devem lembrar-se deste famoso programa de televisão), para o reencontro com o filho - num abraço que transcende a tela e chega a muitos. Jack Lemmon, que já em "The Apartment", já 20 anos, mostrava suas habilidades de pianista-compositor, dedilha algumas notas de sua canção "It's All for The Best" (em parceria com Alan Jay Lerner), mas é "We Still Have Time", cantada por Barry Manilow, ao final - quando o público já está deixando a sala de exibição e na tela estão apenas os créditos do filme - que, sonoramente, complementa toda a sensibilidade deste filme. Piegas, lacrimogênico, comercial? Talvez para muitos. Mas tal como Scottie Templeton é julgado erroneamente por muitos, no final se descobre que antes de tudo ele era um homem extraordinário. Filmes como este "Tributo" fazem bem para todos. Pena que não existam muitos em nossa época de ausências, separações e distâncias. xxx NOTAS (1) "Tribute", numa produção de Morton Gottlieb, com direção de Arthur Storch, estreou na Broadway, NY, no Brooks Atkinson Teatre e 1o de junho de 1978, com Jack Lemmon, Catherine Hicks, Rosemary Prinz, Robert Piccardo, Joan Welles e Ann Dodge. (2) Bob Clarck, New Orleans, 1941, estudou no Hilldale College, em Michigan e começou no cinema nos anos 60, realizando ""he Emperor'' New Clothes"" "Children Shouldn't", "Play With Dead Things", "Death of Night" e "Black Christmas", todos inéditos no Brasil. Só "Breaking Point" e "Murder By Decree" tiveram lançamento comercial no Brasil, assim mesmo passando sem maior repercussão. (3) "Mister Roberts", peça de Thomas Heggen e Joshua Logam - inspirada na novela de Thomas Heggen, foi sucesso na Broadway em 1954/54. Em 1955, levada ao cinema nos estúdios da Warner Brothers teve problemas de produção: John Ford, após rodas as primeiras seqüências desentendeu-se com o produtor Leland Hayward e foi substituído por Mrvyn LeRoy. No elenco, Henry Fonda interpretada o personagem título e estavam outros marcantes [intérpretes]: William Powell, Tetsy Palmer, James Cagney, Ward Bond, Phil Carey. Em Curitiba, "Mister Roberts" foi lançado em 1956, no Cine Palácio - que na época exibia as produções da Warner Brothers.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
7
13/12/1981

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