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Aramis

Pajé Villa e os grandes da MPB

"O Canto do Pajé - Villa-Lobos e a música popular brasileira" é daqueles livros-encanto que a gente começa a ler e só para na última página. Hermínio Bello de Carvalho tem a simplicidade que faz com que seus textos nos envolvam como uma serpentina colorida, dando aquela sensação de bate-papo descontraído. Assim como sua verbalização é sempre clara, direta e corajosa - mas sem nunca perder a grandiosidade da poesia -, os seus textos, especialmente os memorialísticos, que constituem o básico de "Mudando de Conversa" (1986) e agora "O Canto do Pajé" fazem com que penetremos na intimidade de personalidades fascinantes - de um Pixinguinha ou Cartola e Segóvia ou Nelba Lutcher, cantora fantástica de jazz que ele tanto admira e que sonha, um dia, em trazer ao Brasil. Hermínio é, sem dúvida, uma pessoa com luminosa estrela. Sem ser rico - ao contrário, sempre lutou pelo uísque de cada noite (hoje, bem menos do que no passado), teve a loteria esportiva, de, desde seus tempos de adolescente ter sabido conviver com os grandes talentos deste Brasil. Assim, das cantoras da rádio Nacional, que tanto amou - como Dalva de Oliveira, Aracy de Almeida, Linda e Dircinha Batista, Heleninha Costa e tantas outras - a poetas da dimensão de Carlos Drummond de Andrade, Hermínio soube sempre estar presente, em jamais impor a sua presença, com a ternura e o carinho que o caracteriza. Teve a felicidade de saber reconhecer em Clementina de Jesus a grandiosidade da voz negra e brasileiríssima, que lançaria no Brasil naquele que foi o mais belo espetáculo musical apresentado em janeiro nos anos 60 - "Rosa de Ouro", e no qual fazia-se justiça também a uma grande dama da MPB - Aracy Cortes, cantando ao lado de cinco crioulos que se constituíram em pontos-marcos da revitalizado do samba (Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho do Salgueiro e Nelson Sargento). Falar em Hermínio é puxar, mesmo que involuntariamente, pelos cordões de tudo que de melhor tem ocorrido na música brasileira e o registro do livro como "O Canto do Pajé" acaba até ficando prejudicado. Mas Hermínio é assim: ele começa a falar de um assunto interrompe-o para dar outros dados e, tal como o personagem de Malba Tahan das mil histórias sem fim, mergulha o leitor no universo sonoro do Brasil que precisaria de 10, 100, 1.000 Hermínios para não perder a sua memória. Villa-Lobos é o personagem-centro de "O Canto do Pajé", mas a partir da própria capa - criada por Lan, com o mestre Villa cercado por Pixinguinha, Cartola, Donga e Ary Barroso - os textos se espraiam por inúmeras personalidades culturais. Assim como aconteceu com "Mudando de Conversa", também, "O Canto do Pajé" reflete, como um espelho, momentos diversos aos quais HBC esteve presente. Claro que o livro foi construído em torno da primeira pessoa - pois ele, Hermínio, é quem oferece depoimentos e estórias (sempre procurando a máxima honestidade) destes seres iluminados que tanta beleza têm trazido ao nosso mundo, na poesia e na harmonia de canções, na afinação de vozes e instrumentos. As multifacetas de Heitor Villa-Lobos e das pessoas que com ele conviveram - a começar pela sua esposa, a terna Mindinha, fazem de "O Canto do Pajé" uma obra diferente e de leitura bem mais estimulante do que outros livros, pesadões e pretensiosos, publicados nos últimos meses dentro do "Festival Villa". Como diz Hermínio (página 113), cidadão do mundo, igual a Tom Jobim, tanto poderíamos vê-lo subindo o morro da Mangueira em companhia do educador Anísio Teixeira e surpreendê-lo abraçado a Cartola, como flagrá-lo num jantar que lhe foi oferecido por celebridades em Nova Iorque num bate-papo-animado com Duke Ellington, ou tendo entrevista coletiva no estrangeiro, coalhada de repórteres desinformados que lhe faziam as perguntas mais estapafúrdias. Pois é, para conhecer este Villa, amigo de Cartola e de Donga, educador preocupado com a "educação social pela música", esse, o de "O Canto do Pajé" torna-se indispensável. Como imperdível é ir ao Guaíra, segunda-feira, para assistir um dos espetáculos musicais mais bonitos do ano, tenho certeza.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
22/04/1988

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