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Aramis

Para lembrar aqueles sonhos do antigo CPC

No velho sobrado da Rua Marechal Floriano Peixoto, na qual tem sede há mais de 30 anos o Centro Acadêmico Hugo Simas, velhos conhecidos estarão se reunindo, hoje à noite. Ex-estudantes, jornalistas, artistas e animadores culturais, que em comum têm um fato: há 25 anos, idealisticamente, acreditavam na importância de fazer cultura popular. E, no Paraná, movimentavam o núcleo do CPC-UNE. A idéia é mais do que nostálgica! É didática. Organizar no Paraná um seminário que reuna antigos militantes do Centro Popular de Cultura, da União Nacional dos Estudantes, no próximo mês de maio, para reavaliar aquilo que idealista propunham no final dos anos 50 e início da década de 60, e passar essa informação aos líderes estudantis que hoje desejam empenhar-se no meritório trabalho de difundir a cultura junto às camadas mais humildes. Transferir, enfim, uma experiência vivida para uma nova geração que sobre o CPC tem escassas informações. xxx Justamente pela memória do CPC sobreviver, basicamente, nos corações e nas mentes dos que dele participaram, já que o material, documentação, textos livros, discos, cartazes, etc., foi destruído, com a sede da UNE, na Praia do Flamengo, em 1º de abril de 1964, é que Carlos Fernando Mazza, um dos articuladores desse projeto, convocou a reunião de hoje. Ali estarão os jornalistas Walmor Marcelino e Fábio Campana, a professora Zélia Passos, o advogado Alcindino Pereira (hoje presidente do Ippuc), o homem de teatro Euclides Coelho de Souza, entre outros (Oracy Gemba, embora convidado, não comparecerá, devido a compromissos maiores). Essas pessoas participaram do Centro Popular de Curitiba, que há 24 anos passados movimentou bastante Curitiba - ligado à União Paranaense dos Estudantes, no período em que ali passaram pela presidência Júlio César Giovanetti (hoje um rico dono de cartório) e Luiz Arpad Driesel (engenheiro assassinado misteriosamente em Salvador, há alguns anos, juntamente com o irmão, o advogado Flávio). Na reunião de hoje se discutirá a organização de um seminário nacional do CPC, a participação de quem atuava nos vários setores e a tentativa de promover uma avaliação de erros e acertos. Paralelamente a uma exposição do que for possível encontrar - cartazes, livros, revistas etc., - além do resgate musical, com a participação de Carlos Lyra, principal teórico musical do CPC-Rio de Janeiro e também a colaboração de Zé Ketti e Teca Calazans, entre outros nomes. Cinematograficamente, a reprise do histórico "Cinco Vezes Favela". A realização de um seminário nacional de reforma universitária, em Curitiba, em 1962, marcou profundamente a efervescência do Centro Popular de Cultura. Através da UNE, com a revista "Movimento" e a produção cooperativa de "Cinco Vezes Favela", o CPC havia crescido, nacionalmente, em todas as direções. Nomes como Paulo Pontes, Oduvaldo Viana Filho, Chico de Assis, Ferreira Gullar e tantos outros intelectuais se integraram à criação teatral, com peças políticas e inquietas, que eram apresentadas nos mais diferentes espaços. Em Curitiba, durante a realização do seminário de RU, a UNE-CPC trouxe as montagens teatrais levadas no Auditório Salvador de Ferrante, no então inacabado Grande Auditório do Guaíra e até no auditório da Biblioteca Pública do Paraná, cujo diretor da época, via com simpatia o movimento dos jovens. No auditório do Colégio Estadual, numa noite de muito frio, houve a primeira exibição de "Cinco Vezes Favela", composta de cinco curtas-metragens de cineastas estreantes: "Couro de Gato", de Joaquim Pedro de Andrade (com músicas de Carlos Lyra e Geraldo Vandré, incluindo "Quem Quiser Encontrar o Amor"); "Escola de Samba, Alegria de Viver", de Cacá Diegues; "Pedreira de São Diogo", de Leon Hirzman; "Zé da Cachorra", de Miguel Borges, e "Um Favelado", de Marcos Farias. Livros sobre temas da atualidade (na época) - reforma agrária, participação dos estudantes nos órgãos colegiados das universidades, lei de remessa de lucros, etc. - eram lançados pela UNE. E também saía o histórico compacto duplo, contendo músicas como "Canção do Subdesenvolvido" (Carlinhos Lyra), que viria a se tornar uma obra maldita (e proibida) por duas décadas. Como diria Vinícius de Moraes, "a escola era risonha e franca". Os jovens sonhavam com a justiça social, a liberdade e após o governo desenvolvimentista de Juscelino, a curta passagem de Jânio Quadros (1961) pelo Palácio da Alvorada e a tumultuada posse de João Goulart, formavam um quadro de reformas e esperanças. Através do CPC, falava-se e discutia-se muito sobre cultura popular, participação dos operários, união entre camponeses e trabalhadores urbanos na formação de uma sociedade democrática. "Cinco Vezes Favela" antecipava o Cinema Novo que, 7 anos antes, Nelson Pereira dos Santos, já havia proposto com o neo-relismo de seu histórico "Rio 40 Graus" (1954), Eduardo Coutinho gerenciou a produção dos cinco curtas e preparava-se já para filmar a tragédia do líder Pedro Teixeira, presidente da Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba, assassinado a 2 de abril de 1962, deixando a viúva Elisabeth e 11 filhos. Mas somente em princípios de 1964, começaria a rodar o filme - interrompido em 31 de março pela revolução. E passaram-se 20 anos para "Cabra Marcado para Morrer" chegar as telas. xxx Realmente, a idéia de reavaliar o CPC-UNE chega em momento apropriado. A memória política de toda uma geração precisa de fosfato nesta época de precoce arteriosclerose ao som dos Rock in Rio e dos Menudos multinacionais.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
22/03/1985

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