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Aramis

Para não ser AIDS, Haidy quer ser Anne

Por certo, não é o primeiro caso de alguém que deseja mudar o seu nome de batismo. Mas, ao que parece é a primeira vez que uma doença epidêmica leva uma pessoa a pleitear na Justiça a substituição do nome que, até há pouco, lhe agradava - mas que, de repente, passou a ser causa de gozações e mesmo situações constrangedoras. Haidy Terezinha Werle, 22 anos, gaúcha de Horizontina mas criada em Francisco Beltrão, há quatro anos residindo em Curitiba, através de seu advogado, Bartolomeu Alves da Silva, deu entrada a 27 de abril de 1987, na Vara de Registros Públicos, de uma ação de retificação no registro civil. As razões são explicadas no processo: 1. "A requerente foi registrada com o prenome de Haidy". 2. "Inesperadamente, com a universalização da Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida, "Aids", a vida da requerente se tornou um inferno, transformando-se em objeto de chacota, sendo a todo instante exposta a ridículo, o que vem lhe causando sérios constrangimentos morais, com repercussões negativas em suas atividades comerciais e sociais, podendo ainda vir a sofrer prejuízos de ordem mental com sequelas psicológicas de conseqüências imprevisíveis". 3. "Tais zombarias vêm sendo dirigidas à requerente em face da semelhança fonográfica e literal existente em seu nome Haidy com a síndrome da Aids, o mal do século, que atinge cem por cento do radical da palavra". 4. "Assim, a requerente tem se identificado costumeiramente com o prenome de Anne, que pleiteia para constar oficialmente em seu registro". O juiz de Direito da Vara de Registros Públicos aceitou a ação de retificação e a encaminhou ao promotor de Justiça Milton José Furtado, que em despacho a 25 de maio último, exigiu da autora anexação aos autos de certidões negativas das Varas Cíveis e Criminais da Capital, inclusive dos Cartórios de Protestos de Títulos, Execuções Penais, Justiça Federal e do Trabalho "a fim de evitar-se eventual prejuízo a terceiros com a mudança de prenome". Agora, Haidy - ou Anne - Terezinha Werle iniciou a via sacra para conseguir nada menos de 45 certidões negativas, de forma a documentar o processo e fazer com que o mesmo tenha andamento. Moça simples, secretária da Associação dos Inquilinos e Pessoas Sós do Estado do Paraná, Terezinha se dispõe a, mesmo com sacrifícios, arcar com as despesas para conseguir mudar o seu nome. Estudante do segundo grau no Colégio Decisivo, ainda insegura em termos do curso superior que deseja fazer, comenta: - "Até a Aids aparecer eu gostava de meu nome. Orgulhava-me das raízes germânica e mesmo dos personagens com este nome. Mas com esta maldição do século, eu acabei sendo prejudicada. Pessoas maldosas infernizam minha vida, de forma que não tive outro recurso do que recorrer à Justiça para poder assinar legalmente o nome de Anne Terezinha Werle. Outra consideração que faz: - "Se fosse algo passageiro, como foi a gozação em torno de "Geni" quando saiu a música de Chico Buarque, da peça "A Ópera de Malandro", eu até suportaria e não iria apelar para a Justiça. Mas infelizmente a Aids é uma doença ainda sem controle. Conforme as últimas informações, há cem infectados para cada doente; um infectado a cada 18 segundos e 5 mil pessoas infectadas diariamente em todo o mundo; 3 milhões de aidéticos no Brasil em 1990 e outros 7 milhões daqui a sete anos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
24/07/1987

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