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Pena Branca e Xavantinho, o canto gostoso da terra

Faltam apenas 13 anos e cinco meses para chegarmos ao Ano 2000 e não se pode mais exigir que a música rural conserve-se como era há 50 anos, quando o pioneiro Cornélio Pires (1884-1958) teve a idéia de fazer, de forma alternativa (afinal, Mr. Evans, da RCA, não acreditava no gênero), as primeiras gravações com intérpretes sertanejos. Há anos, no Festival da Record, Rita Lee e os Mutantes, no auge da criatividade, abriam "2001", justamente imitando um trio sertanejo. Hoje o buraco é mais embaixo! Milton Nascimento, cujas aproximações com a música rural nunca foram escondidas, abre espaço para dividir com a dupla Pena Branca e Xavantinho a gravação de "O Cio da Terra", música-título do terceiro elepê desta dupla. João do Reino e Jurandir apresentam aquilo que chamam de "samba sertanejo" e homenageiam Adoniram Barbosa na faixa "Cadê Manoela", no elepê lançado pela 3M. A dupla Célia e Celma, duas belas mulheres, foram levar o seu novo disco ao presidente José Sarney e pedir maior espaço para a música rural - inclusive a oportunidade de integrarem também o projeto Pixinguinha. Chitãozinho e Xororó, há muito já tem portas abertas em salas antes fechadas ao gênero. Sim, a música rural modificou-se! Surgiram os rurbanos, o brega chic e na geleia geral que caracteriza o caldeirão sempre efervescente da MPB não se pode - e nem se deve - desprezar este imenso mercado. Sabidamente, Chrystian (José Pereira da Silva Neto, 29 anos), goiano que começou sua carreira cantando em inglês, deixou a imagem de colonizado e, em dupla com o irmão Ralf (Richardson Silva, 28 anos), emplacou sucessos - cinco discos de ouro (vendas acima de 100 mil cópias, com os elepês feitos na RGE), e hoje explora uma grife comercial, empregando 15 pessoas para cuidar de seus negócios - fabricando e vendendo botas, fivelas de cintos, bolsas, chapéus e até mesmo jóias. Até uma jornalista normalmente preocupada apenas com a música da Zona Sul, Diana Aragão, do "Jornal do Brasil", sentiu a força desta música vinda da terra e num belo texto ("O Som do Sertão", Jornal do Brasil, 06/07/1987) lembrou que "Do Rio Grande do Sul ao Sul do Amazonas, o Brasil é outro país. Não só por suas diferenças sociais e econômicas, mas também culturais. Milionário e José Rico, Dalvan, Irmãs Galvan, Parada Dura e Chitãozinho e Xororó - nomes que soam estranhos aos aculturados ouvidos do Sul maravilha - são campeões de vendas no país". Aguardando ainda uma pesquisa de profundidade (Edilson Lea, da "Folha de Londrina", promete um ensaio sobre o fenômeno das duplas de sucesso que nasceram no Norte do Paraná), a música rural é forte e significativa no mercado fonográfico. Independente da divulgação na grande imprensa - mas com canais assegurados em centenas de AMs (e também muitas FMs), elas cumprem roteiros de sucesso e emplacam shows dos mais bem pagos. "Muito antes de Christian assumir sua caipirice, Sérgio Reis deixou as bobagens da Jovem Guarda onde começou (com "Bolinha de Papel"), e se tornou milionário com a linha rural". Os mineiros José Ramiro Sobrinho, 40 anos, e Ranulfo Ramiro da Silva, 44 anos, ex-Peroba e Jatobá - quando ainda cantavam em Uberlândia, sua cidade natal, hoje Pena Branca e Xavantinho, ganham aplausos intensos com o terceiro elepê que fazem. Luiz Fernando Emediato, editor do "Caderno 2" de "O Estado de São Paulo", entusiasmou-se com o disco "O Cio da Terra", fazendo um justificável elogio a esta produção, coordenada por Lea Stinghen, manager das mais respeitadas no meio musical e agora se dedicando inteiramente a dupla. A direção musical de "O Cio da Terra" é do excelente Tavinho Moura, com direção geral de Márcio Ferreira, empresário responsável por Milton Nascimento há alguns anos. Pena Branca e Xavantinho dão uma belíssima interpretação a "Cio da Terra", com a participação de Milton Nascimento. Como diz Emediato, "ele começa a canção, com sua voz impressionantemente limpa, termina a terceira estrofe e, a partir daí, a dupla leva o espetáculo adiante, com Milton fazendo coro humildemente e ainda acompanhado ao violão". Brasileiríssimo, com gosto de terra, o disco tem um repertório muito especial, com parcerias de Xavantinho e Tavinho - a folia de reis "Encontro de Bandeiras", uma adaptação que Wagner Tiso e Milton Nascimento fizeram de "Cuitelinho", tema folclórico recolhido por Paulo Vanzolini, a "Cantiga Caiçó", tema folclórico recolhido por Villa-Lobos, e trabalhada por Milton Nascimento e Teca Calazans; a marujada "Peixinhos do Mar", adaptada por Tavinho Moura. Mas há outras preciosidades para quem sabe entender este Brasil que ainda existe (resiste) ao rock supérfluo. Por exemplo, a toada balanço "Perguntas" de Xavantinho e J. Carvalho, a marujada "Gente que Vem de Lisboa", de Tavinho Moura / Fernando Brandt, o "O Aboiador", de Xavantinho - dedicado a Rolando Boldrin, Lurdinha Pereira e José Amâncio (que acreditaram neles e ajudaram a gravar em 1982 o elepê "Pena Branca e Xavantinho - Uma Dupla Brasileira"). Patativa do Assaré, o grande repentista do Ceará, está presente com sua "Vaca Estrela e Boi Fubá", enquanto que outra expressão de raízes de São Paulo, Renato Teixeira, comparece com "Canoa do Rio". Completando, "Maria Louca", de Xavantinho, a "Moda e Viola", de Moniz e apenas uma parceria de Xavantinho e Pena Branca: o baião "O Grande Sertão". LEGENDA FOTO - Pena Branca e Xavantinho: canto de raízes.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
47
26/07/1987

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