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Aramis

A perversidade cultural com um texto importante

"Perversidade Sexual em Chicago" foi uma unanimidade. A crítica odiou e o público adorou". (José Wilker, diretor da peça) xxx Encenar uma peça representa um risco para qualquer produtor. Portanto, é legítimo que se busque fórmulas de atingir o grande público, garantir casas lotadas, aplausos e longas temporadas. Uma das maneiras mais seguras de se ganhar (muito) dinheiro atualmente em teatro é colocar no elenco artistas consagrados pela televisão. O grande público nem quer saber o que eles estarão mostrando no palco. Querem é ver de perto seus ídolos, numa transferência de carência-admiração que, aliás, se repete também em outros países, nos quais o charme de se aplaudir em grandes palcos de Londres, Nova Iorque ou Paris os ídolos do cinema, também garante longos sucessos. Espera-se, porém, que justamente tendo oportunidade de apresentarem no palco trabalhos mais bem cuidados do que nem sempre podem mostrar na pressa das telenovelas, faça com que haja uma consciência profissional para levar ao público bons textos, montagens inteligentes, contribuindo para a elevação cultural de uma camada fiel de espectadores. Infelizmente, isto não vem acontecendo com muitos nomes famosos da televisão brasileira. No ano passado, o curitibano Ary Fontoura chocou quem o respeitava pelos seus anos de pioneirismo em nossa vida artística, quando, hoje rico, consagrado, aqui voltou com espetáculo deprimente, no qual assumiu inclusive a autoria. Há duas semanas, Malú Mader, de ligações familiares curitibanas, sofreu no palco do Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto: toda sua beleza, charme e mesmo talento (por ela demonstrado na televisão e, especialmente, nos filmes "Dedé Mamata" e "Feliz Ano Velho") não resistiram à mediocridade do texto de Leo Lama em "Dores de Amores", comprometida pela precaríssima divisão com o limitadíssimo Taumaturgo Ferreira, tão inseguro no palco que não quer que nenhum espectador entre na sala após o início do espetáculo, para não quebrar sua concentração. Agora, dois dos melhores atores brasileiros, José Mayer e Paulo Betti, acompanhados de suas esposas Eliane Giardini e Vera Fajardo, após uma temporada de 8 meses de casas lotadas no Rio de Janeiro, aqui apresentam "Perversidade Sexual em Chicago" (Auditório Salvador de Ferrante, hoje e amanhã, 20 e 22h: domingo, 19 e 21h, ingressos a Cr$ 600,00). Se "Dores de Amores" pecava não só pela precaríssima atuação de Taumaturgo Ferreira, direção insossa e também um texto desigual de Leo Lama (filho de Plínio Marcos e da atriz Walderez de Barros), esta produção da companhia Prole de Adão, traz um texto de um dos mais respeitados dramaturgos americanos da nova geração: Alan David Mamet, 42 anos completados em 30 de novembro último. Autor de um dos maiores sucessos na Broadway, na temporada 1977/78, "American Buffalo", peça que consagrou Al Pacino no palco, Mamet recebeu, há seis anos, o Prêmio Pulitzer de teatro por "Glengarry Glen Ross", que valeu a sua esposa, a (excelente) atriz Lindsay Crouse, o "Tony", no mesmo ano. Extrapolando seu talento para o cinema, após ter feito roteiros perfeitos para filmes de Sidney Lumet ("O Veredito", 1982) e Brian de Palma ("Os Intocáveis", 1987), Mamet chegaria também ao cinema como diretor: "Jogo de Emoções" (House of Games, 1986) e "As Coisas Mudam" (Things Change, 1988), que antes de chegar ao circuito americano, levado ao Festival de Veneza, em março de 1988, valeu premiações aos atores Dom Ameche e Joe Mantegna. "House of Games", que consideramos como um dos dez melhores filmes exibidos em Curitiba no ano passado (aqui lançado duas semanas após "As Coisas Mudam", ter passado, sem repercussão, no Cine Bristol), trouxe Joe Mantegna e Lindsay Crouse, num thrilling psicológico interessantíssimo - numa cruza de temáticas dignas de Hitchcook, Orson Welles e Woody Allen em seus melhores momentos. O mergulho de uma psiquiatra bem sucedida (Lindsay) no universo canalha de um marginal (Mantegna), com o qual se envolve numa trama surpreendente. Um dos primeiros textos teatrais de Mamet, "Sexual Perversity in Chicago", estreado em 1974, quando tinha apenas 31 anos, após várias montagens nos EUA, chegou ao cinema em 1986, roteirizado por Tim Kazursky e Denise DeClue, com o título de "About Last Night...". Produzida por Jason Brett e Stuart Oken, da TriStar, foi o veículo de estréia no longa-metragem do também jovem Eduard Zwick, então com 36 anos, ex-assistente de Woody Allen em "A Última Noite de Boris Gruschenko", 1975), tendo trabalhado no American Film Institut e dirigido alguns curtas e tv-movies, entre os quais "Special Bulletin" (1983, vencedor de vários Emmy). Reunindo um elenco jovem - Rob Lowe, Demi Moore, Jim Belushi, Elizabeth Perkins, George Dicenzo, Zwick conseguiu passar para a tela a história de solidão & busca de afeto entre quatro jovens, conservando muitos dos elementos da peça de Mamet, mas emoldurados num clima "soft", com belíssima fotografia de Andrew Dintefass capturando a Chicago da história e emoldurada com a música de Miles Goodman (numa trilha com várias canções de sucesso na época). Mesmo tendo também dividido a crítica cinematográfica, "Acerca Daquela Noite..." - título que a Columbia manteve no Brasil - foi um dos bons e dignos filmes no enfoque das relações jovens, a permissividade / liberalidade sexual, a busca de encontros. Revisto ainda há poucas semanas, numa apresentação da Rede Globo, "About Last Night..." mostrou outros méritos, que podem ser conferidos numa reapreciação em vídeo, quando o mesmo sair em cópia legendada. Considerando-se a seriedade de David Mamet como dramaturgo (e seu bom início como cineasta), a forma com que em seus textos tem sabido enfocar questões da sociedade urbana contemporânea e somando-se o fato de José Wilker, um dos mais prestigiados e requisitados atores-diretores brasileiros, nutrir grande admiração pelo dramaturgo americano, seria de se esperar desta montagem de "Perversidade Sexual em Chicago" um espetáculo digno, capaz de fazer colocações sobre a angústia jovem, a solidão de dois colegas de serviço, o irreverente Bernard (Paulo Betti) e o introspectivo Danny (José Mayer), em suas aventuras sexuais. O envolvimento de Danny com a suave Débora (Vera Fajardo), a artista plástica que aceita um jogo cruel de poder & sexo, deixando o apartamento de sua ex-amante Joan (Vera Giardini), uma prosaica professora primária, para viver com Danny - contém elementos para um texto atual, que mesmo sendo forte em sua linguagem. Pode passar muito ao espectador. Infelizmente - e sabe-se lá porque - apesar da competência da equipe envolvida, a começar por Wilker, o resultado é frustrante. O texto de Mamet foi reduzido a um desfilar de palavrões, agressões, apelações que mesmo divertindo (sic) um público televisionadamente idiotizado, não permite que transpareça o real significado original - e que o filme de Edward Zwick tão bem colocava. Mesmo com uma ótima atuação de Mayer (Prêmio Mambembe, indicações ao Shell e Golden Metais), o criativo cenário de Marcos Flaksman (indicado ao Golden Metais), e a experiência de Paulo Betti (um ator de grandes recursos, como vem demonstrando ao longo de sua carreira), a peça se esvai em poucos minutos. Torna-se cansativa, repetitiva e vulgar - quando deveria ser o contrário - com energia, passando a solidão de Débora (que exige de Vera Fajardo uma difícil atuação). Ao final, a frustração de quem esperava um bom espetáculo de David Mamet. Como ficou, só serve mesmo às donas de casa, que queiram ver no palco os personagens Osmar e Timóteo, da "Tieta". Nada mais... LEGENDA FOTO - Paulo Betti e José Mayer: talentos massacrando um belo texto - "Perversidade Sexual em Chicago". No Auditório Salvador de Ferrante, até amanha.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
28/04/1990

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