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Piazzolla, sua Maria e seu tango no Guaíra

"A música que escrevo agora é totalmente diferente da que fiz antes. O tango estará sempre presente. Afinal, é a música de Buenos Aires, não é? Mas ela tem que ser diferente, repito, pois a própria cidade hoje não é mais a Buenos Aires de ontem". (Piazzolla, em recente entrevista) Uma dupla dose do melhor Astor Piazzolla - sua ópera-tango "Maria de Buenos Aires" (amanhã e sábado, Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, 21 horas) e sua apresentação com o Sexteto Nuevo Tango (dia 5 de setembro, ingressos à venda entre NCz$ 60,00 e NCz$ 25,00), dentro de uma temporada nacional faz com que o maior nome da música argentina - e um dos três exponenciais da criação sonora contemporânea continental - ganhe novos espaços, interpretações, artigos e entrevistas. Só não apareceram, até agora, gravações, provando que os executivos das etiquetas não estão sintonizados com o momento artístico. Afinal, há dez anos a Polygram aqui editou uma versão (reduzida) da ópera "Maria de Buenos Aires", originalmente produzida por Alfredo Radszynski, da Trova (gravação em agosto de 1968, em Buenos Aires), que agora, reeditada, poderia ter um público bem maior. Com uma discografia espalhada por etiquetas de vários países - já que há quase 3 décadas é um artista de agenda internacional - Piazzolla tem uma raquítica mostra de seu talento em edições feitas no Brasil, apesar de um público fiel. Norton Morozowicz, regente da Orquestra de Câmara de Blumenau, no ano passado teve a feliz idéia de dedicar uma face do disco patrocinado pela BASF a Piazzolla (o outro lado foi para Antônio Carlos Jobim) que alcançou tamanha repercussão, em seu lançamento comercial pelo selo Eldorado, que já se encontra em terceira edição. Astor gostou tanto da gravação que mandou uma afetiva carta de cumprimentos a Norton. Um valioso documento para seu curriculum. xxx Astor Piazzolla tinha 45 anos quando encontrou no poeta, ensaísta e sobretudo pesquisador da história do tango, Norácio Ferrer, então com 34 anos, um parceiro ideal para desenvolverem um trabalho que renovava a música portenha e que seria, ao menos por 15 anos, motivo das maiores polêmicas. Ao lado de músicas de fácil sucesso ("Balada para un Loco", na voz de Amelita Baltar, esposa de Astor na época; "El Gordo Triste", "Balada para Mi Muerti", "Preludio para el Ano 3001"), iniciaram um projeto mais audacioso: a ópera-tango "Maria de Buenos Aires", concluída em princípios de 1968 e que teria uma gravação, em álbum duplo, com o próprio Ferrer fazendo declamações do texto, como o Duende, narrador, Amelita na personagem-título, e Nector de Rosas nas principais vocalizações masculinas. Entretanto, a obra ficou apenas no disco, já que não houve condições de levá-la ao palco. Só em novembro de 1987, no Festival de Lilie, na França, aconteceu uma montagem com o grupo Accion Instrumental de Buenos Aires, que agora faz uma turnê pelo Brasil - após ter alcançado sucesso de público e crítica na Europa. A concepção inicial da obra seria de um oratório - embora na gravação de Trova, já constasse o termo ópera-tango. Em sua voltagem criativa, com mais de 800 peças e trabalhos espalhados para vários gêneros (fez inclusive a trilha para o filme "Lumiére", de sua amiga Jeanne Moreau e há dois anos criou uma antológica banda sonora para "Sur", o novo filme de Fernando Solanas, inédito no Brasil), Piazzolla resistiu a trabalhar na montagem da ópera - só conseguida devido a insistência do diretor Jacob Romano. O resultado o agradou, levando-o a se decidir em fazer agora uma ópera sobre o maior nome do tango, Carlos Gardel, que conheceu em Nova Iorque (cidade em que residiu entre 1924/37), aos 13 anos, aparecendo inclusive no filme "El Dia que me Quieras". xxx Em outros espaços deste "Almanaque", há detalhes da atual montagem de "Maria de Buenos Aires", sua ficha técnica, bem como da biografia de Piazzolla - que já se apresentou por 10 vezes no Brasil (aqui, aliás, encontrou público e crítica sensível à música que fazia e que na Argentina até há poucos anos era recebida com hostilidade pelos tradicionalistas), e, em quatro ocasiões anteriores, passou pelo Teatro Guaíra - sempre com imenso sucesso. xxx Piazzolla, ao lado de sua genialidade como bandoneonista, compositor e arranjador, teve o mérito de - a exemplo do que fez Antônio Carlos Jobim no Brasil, em termos da MPB - saber renovar a música argentina. Ou melhor, "la música de la cidade de Buenos Aires", já que sua temática sempre se voltou a cidade, exaltada ao longo de uma obra da maior dignidade. E onde, hoje, obviamente, o tango perdeu também aquela característica de décadas passadas, conforme o arguto Ruy Castro, mostrou num finíssimo texto publicado no domingo passado no "Estado de São Paulo".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
10/08/1989

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