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Aramis

Poesia maior para o Natal

Na montagem de "Viagem no Espelho", o editor Roberto Gomes faz uma viagem ao inverso: ao invés de começar pelas primeiras poesias de Helena, o livro abre com trabalhos recentes ("Poesia Mínima, 1986), nas quais, já coloca a sua intimidade com as palavras, num trabalho de ourives qua as trabalha com perfeição. As palavras têm sentido num código particular Cada qual é singular Em sua maneira de ler ("Código") O gosto pela leitura, capaz de ter uma síntese tão perfeita: Navegou / No veleiro dos livros Desembarcou / e conferiu E o mundo que viu / Não era o que imaginou ("Navegante") A poesia é um Dom. E Helena em três linhas fala dele. Deus dá a todos uma estrela Uns fazem da estrela um sol Outros nem conseguem vê-la Em "Encontro dos Contrários", uma imagem para ficar. O Encontro dos contrários gera o corisco e o trovão Nasce a chuva, o verde, vida A juventude sempre foi presença na poesia de Helena Kolody. Em "Jovem" diz, com otimismo, sua mensagem. Suporta o peso do mundo e resiste Protesta na praça / Contesta Explode em aplausos Escreve recados nos muros do tempo E assina Compete no jogo do incerto da vida Existe O que dizer perante uma jóia poética como "Gestação"? Do longo sono secreto na entranha escura da terra O carbono acorda diamante Há poemas que se materializam em uma frase - e que são invocados com perfeição em muitos momentos. Jaime Lerner tomou por empréstimo de Helena Kolody a forma exata para encerrar o seu discurso quando recebeu o diploma de prefeito, há duas semanas. Para quem viaja ao encontro do sol é sempre madrugada Recuamos oito anos e em "Infinito Presente", Helena já dava sua "Opção": A todo momento uma encruzilhada livremente preferimos Um caminho entre os possíveis A escolha é vitória coroada de renúncias Partir também é a reflexão da poeta. Amiudam-se as partidas... Também morremos um pouco no amargor das despedidas Cai deserto, anoitecemos enluarados de ausências. ("Anoitecer") Uma definição: O poeta nasceu no poema, Inventa-se em palavras. Espelho - uma imagem presente em várias fases de sua obra - e razão do título da antologia. Existia no Espelho. Súbito, buscando sua imagem, não mais se encontrou no espaço vazio ("Espelho ausente") Na viagem ao "Tempo" (1970), Helena falava de criaturas-temas que sempre fascinaram seu universo poético: Persigo um pássaro / E alcanço apenas No muro / a sombra de um vôo De "Trilha Sonora", em 1966, a perfeição sintética de poesia: No silêncio luminoso da tarde Árvores desfolham-se em pardais ("Cromo") (Há alguns meses, gravando entrevista para o projeto Memórias Históricas do Paraná, Dona Helena explicava: Esta poesia nasceu num entardecer quando centenas de pássaros voaram das árvores na praça Ruy Barbosa. Quando havia árvores na praça e os pardais ali pousavam nos dias quentes de verão.) Para refletir. E refletir. Como pesa o vestido do tempo No espírito imortal? ("Fardo", 1966) Há 22 anos, "Era Espacial" já mostrava a poeta antenada com o admirável (admirável?) mundo que surge neste final de milênio. O homem irá viver na Lua. em cavernas. Como se alegrará o troglodita. Soterrado em sólidas camadas de civilização. Na mesmo época, uma poesia preocupada, que começava dizendo: O homem esposou a máquina e gerou um híbrido estranho: um cronômetro no peito um dínamo no crânio. ("Maquinomen") Gira a roda do tempo e em "Vida Breve" (1964). "Tempo" era assim definido: Cai a areia da vida Na ampulheta da morte Outro momento de reflexão: A solidão da vida. Longo ensaio Da solidão da morte ("Ensaio", 1964) Ler a poesia de Helena Kolody é viajar no mar do pensamento, da beleza da reflexão - e entre tantos livros editados neste ano que se encerra, poucos, muito poucos, têm tanta beleza como a "Viagem no Espelho". Para encerrar - já que o espaço acabou - um hai-kai que o melhor mestre desta arte poética não deixaria de assinar - e que Helena escreveu em 1945 ("Música submersa"), quando nunca havia ouvido falar na arte do hai-kai. De grinalda branca. Toda vestida de luar, A pereira sonha. ("Pereira em flor")
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
25/12/1988

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