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Aramis

Polanski, inquilino do horror

"O Inquilino" (Cine Condor), que dividiu a crítica internacional mas nem por isso deixa de atrair um público fiel, pode ser classificado de várias maneiras. Até como um anticomercial imobiliário. Pois, o polonês Roman Polanski, uma das personalidades mais curiosas do cinema contemporâneo, autor de uma obra desigual mas importante, parece ter levado neste "The Tenant", rodado na França, com amplos recursos de produção, a uma nova dimensão o argumento que, 12 anos passados, havia lhe permitido o seu (até hoje) melhor filme: "Repulsa ao Sexo" (Repulsion, 1965). Um filme de câmara. Não só pelos ambientes confinados - são raras as seqüências exteriores, embora a torre Eifel e o Sena estejam muito fotogênicos na câmara do mestre sueco Sven Nykvist (o fotógrafo predileto de Bergman) - mas, sobretudo, pelo clima da estória, do mundo fechado de Treikovski, um francês naturalizado, 30 anos, empregado de escritório, tímido e acanhado, que aluga um apartamento num velho prédio de velhos moradores. A partir da idéia de que, como já dizia Sartre na bíblia (teatral) do existencialismo ("Entre Quatro Paredes"), de que os infernos são os outros. Treikovski (o próprio Polanski, em atuação segura) descobre que o medo, o silêncio e, sobretudo, a solidão podem levar a neurose. O timing conseguido por Polanski, com o roteiro desenvolvido em colaboração com Gerard Brach, do romance de Roland Topor (Record, Cr$ 70,00), é perfeito: todas as seqüências se encadeiam, a ação envolve o espectador, num filme que, com menor garra, correria o risco de cair numa sonorífera monotonia. É bem verdade que Polanski trabalhou com um excelente elenco: Shelly Winters, matrona, gorda e velha, como já havia sido vista em "Próxima Parada: Bairro Boêmio" (Next Stop: Greenwich Village, 1976, de Paul Mazurski), compõe uma admirável zeladora, o veterano Melvyn Douglas, como o "Sr. Zy" está perfeito, assim como Jo Van Fleet (Sra. Dioz, em rápida atuação) e Lila Kedrova (Sra. Gaderian), Isabelle Adjani, a bela revelação de Truffaut em "A História de Adde H", confirma todas as esperanças nela depositadas: é uma das grandes atrizes dos anos 70. Todo o elenco de suporte, na maioria intérpretes franceses, é correto, profissional. Polanski trabalha nos personagens. Como todo seu humor negro - traduzido em filmes como "O Baile dos Vampiros", "O Bebê de Rosemary" e "Macbeth" (até agora, o seu maior fracasso), e seus métodos de suspense, concentrou em "O Inquilino" aquela mesma linguagem que fez de "Repulsa ao Sexo" (rodado na Inglaterra), um admirável thriling de horror - talvez um dos mais perfeitos do gênero. Em "Repulsion", Catherine Deneuve era uma jovem neurótica, que, em sua frieza sexual, chega ao crime e ao total isolamento. Trekovsky, é um personagem da mesma dimensão - também acossado e cuja solidão o leva a morte. São filmes que se aproximam e identificam um mesmo autor - que, para não fugir a regra, também, em sua vida pessoal, leva muitos dos seus demônios cinematográficos. Que o diga o diabólico assassinato de sua esposa, a atriz Sharon Tate ou, o recém-explosivo caso de sedução de menores, em que Polanski está envolvido, na Califórnia. Escândalos à parte, Polanski é um cineasta de milhares de voltagens de criatividade. Seus filmes dão um choque mas despertam - e como - o espectador. "O Inquilino" é um filme elétrico e de muita carga em kw.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
4
21/04/1977

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