As primeiras gravações (III)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 06 de outubro de 1974
Como pode uma obra de vulto de um compositor importante tal como esta "Messa Di Gloria" de Giacochinno Rossine (1798-1868) - ter sido ignorada pelos músicos e pelo [público] igualmente por mais de século e meio? Talvez a falta de interesse tenha sido devido a relatos imprecisos quanto à primeira execução em 24 de março de 1820 na Igreja de San Ferdinando em Nápoles por Stendhal (que nem esteve lá) e críticas invejosas do compositor Carl Von Miltitz. Contudo, a explicação mais plausível é simplesmente que Rossini, que foi em vida o compositor mais popular do mundo, foi finalmente considerado reacionário e frívolo pelos contemporâneos de seus últimos anos de vida, especialmente os da escola "nacionalista romântica" alemã, para os quais ele havia com efeito, preparado o caminho. Acentua o crítico Herber Handt, que a realização desta Missa - agora apresentada em sua primeira gravação mundial, com a soprano Margherita Rinaldi, o contralto Ameral Gunson, tenores Ugo Benelli e John Mitchinson, baixo Jules Bastin, mais Orquestra de Câmara Inglesa, sob a [regência] de Herber Hadnt, é na verdade, um produto de sua pesquisa na história mundial da pequena cidade toscana de Lucca. Conta Handt: "Rossini deveria ter escrito uma ópera para a governadora local a Duquesa Maria Luisa Borbone, mas nunca cumpriu o contrato. Para fugir à sua ira enviou-lhe uma cópia de uma Missa que acabara de escrever e logo depois (1821) escreveu uma cantata "La Riconscenza" (O Reconhecimento), exaltando suas virtudes. Ao preparar essa cantata para execução em 1970 deparei com muitas referências à "Messa di Glória". Como as duas únicas obras religiosas importantes de Rossini foram escritas depois de ele ter cessado de escrever óperas, decidi que seria interessante executar a única obra não-[operística] em larga escala que ele compôs no pináculo de sua carreira. Com a ajuda do professor Philip Gosett, obtive cópias de todas as fontes disponíveis e tentei reconstruir, tão fielmente quanto possível, a versão original da obra. Infelizmente exceto no que toca a uma página do Conservatório de Bruxelas, a partitura autografada e manuscrita de Rossini desapareceu. Apesar disto, a peça aparece agora na série "1ª Gravação Mundial", da Philips.
Outra gravação preciosa selecionada por Maurício Quadrio para esta série é "Agrican Sanctus", produzida por David Fanshaw que reuniu gravações africanas do Egito, Sudão, Uganda e [Quênia] para o que, em 1966, empreendeu várias viagens entre mais de [cinqüenta] tribos da [Arábia] e [África] do Norte e Oriental, recolhendo a música "misteriosa e fantástica" daquele Continente, mas que "como acontece com qualquer arte folclórica", está desaparecendo rapidamente. E esta foi uma das razões que o levaram a escrever "Agricas Sancus", "pois ao invés de apenas gravar a música tribal, poderia simplesmente preservá-la e criar minha própria música em torno dela, acrescentando assim, muito mais cores e variações - o que expressariam minas aventuras e meus sentimentos com seu povo, numa composição onde a música africana, suas canções, danças, recitais religiosos e cerimônias, viveriam dentro do espírito de um trabalho concebido em linhas ocidentais, como se fosse uma missa". O resultado disto é um disco fascinante, onde David Fanshawe tenta fundir diferentes povos e sua música numa trama estreita e unida de energia e louvor. O trabalho reflete as atmosferas cambiantes da música atual por "espero, diz o autor, transformar-se-á, com o tempo, pois estamos todos vivendo e compartilhando a vida juntos, num planeta bem pequeno".
Enviar novo comentário