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Aramis

Programação desfocada prejudica espectadores

Existe uma lei municipal que prevê a canalização de um percentual sobre a renda líquida das salas de exibição exploradas pela Fundação Cultural de Curitiba para um Fundo Municipal de Cinema - destinado a financiar projetos de cineastas paranaenses ou radicados em Curitiba. Acontece que o todo poderoso presidente da Fundação Cultural/Secretaria Municipal da Cultura, advogado Carlos Frederico Marés de Souza, sempre se recusou a permitir a regulamentação desta lei, alegando que a renda dos cines Groff , Ritz e Luz constituem uma das boas fontes da Fucucu. Tem argumentos frios para impedir a aplicação da lei e, ao menos enquanto seu amigo Roberto Requião se mantiver no poder, sua posição continuará intransigente. A classe cinematográfica local, através da secção regional da Associação Brasileira de Documentaristas, especialmente com a liderança das cineastas Berenice Mendes e Lu Rufalco, já fez várias tentativas de sensibilizar os vereadores em busca de apoio as suas reivindicações mas, infelizmente, com raríssimas exceções, os homens (e as duas mulheres) que se aboletaram na Câmara têm se mostrado mais preocupados em fazer política e garantir seus vencimentos acima do milhão de cruzados mensais do que, de fato, pegar uma briga pelos nossos cineastas. xxx No ano passado, no encerramento do II Festival do cinema Brasileiro de Fortaleza, a prefeita Maria Luiza Fontenelle, assinou, na sessão festiva, o decreto pelo qual canalizava recursos municipais para o Fundo do Cinema de Fortaleza - ironicamente baseando seu decreto na lei que anos antes já tinha sido aprovada em Curitiba mas que até hoje não foi regulamentada. A Fundação Cultural vê suas três salas de exibição como fontes de lucros, tanto é que a rígida diretora administrativa, arquiteta Jussara Valentim, fica nervosa e irritada quando consulta os borderaux e não vê saldos positivos. Isto faz com que os responsáveis pela programação das salas, Francisco Alves dos Santos e Geraldo Pioli, procurem filmes comerciais, capazes de atrair público. Não é fácil conseguir filmes inéditos para os cinemas da Fucucu. Os circuitos privados que atuam em Curitiba - Vitória, Paris, CIC e Sul - têm, naturalmente, negociações diretas com as chamadas majors, obtendo para suas salas as produções inéditas, de melhores possibilidades comerciais. Assim, com exceção de algumas pequenas distribuidoras e da Embrafilme, a programação do Groff, Ritz e Luz tem que ser feita na base de reprises, o que, naturalmente, diminui o interesse comercial. Obviamente que há relançamentos oportunos, capazes inclusive de atrair novas faixas de público ou aproveitarem melhor um mercado insuficientemente inexplorado quando da estréia. Por exemplo, "Luzia Homem", de Fábio Barreto, exibido apenas uma semana no Condor - e grande fracasso de bilheteria - deve voltar no Ritz logo após o XVIº Festival de Cinema Brasileiro de Gramado (19 a 25 de junho), no qual estará concorrendo. xxx Como instituição cultural, a finalidade primeira da Fundação ao explorar salas de exibição (competindo inclusive com a iniciativa privada, numa política em si já discutível) dever ser a de exibir filmes que não visem exclusivamente resultados de bilheteria. Embora deva ser procurado um equilíbrio, ao menos para manter as despesas do cinema e da equipe de funcionários da Cinemateca (hoje ao redor de uma dezena de pessoas), é de se esperar que filmes como "Romance", de Sérgio Bianchi, paranaense de Ponta Grossa, aqui estreado nacionalmente, merecesse ter continuado em cartaz - justamente aproveitando a promoção nacional que começava a receber quando de sua exibição no eixo Rio-São Paulo. O que, conforme aqui denunciamos, não aconteceu. E outros - muitos outros - exemplos poderiam serem lembrados. xxx Mais grave, porém é o desperdício que se faz com filmes inéditos, cedidos graciosamente por serviços culturais de governos estrangeiros, que poderiam ser programados no cine Luz ou Groff, em até 4 ou mesmo 5 sessões por dia - e que são, entretanto, condenados em sessões incômodas, na Cinemateca (reconhecidamente precária em suas instalações) ou em sessões noturnas nas outras salas. Há duas semanas, houve o desperdício dos filmes inéditos da mostra do Cinema Suíço, cujas representativas obras só foram programadas em duas sessões após termos feito insistentes solicitações ao sempre generoso (mas limitado em sua ação) Chico Alves. Com isto, filmes que possivelmente nunca mais terão projeções em Curitiba, foram vistos por um número reduzido de espectadores, nas frias sessões da noite - quando poderiam ter sido também programados à tarde. E nos horários vespertinos, o que é que a Fucucu tinha programado no Ritz: a pornoprodução "Espelho da Carne", de Antônio Carlos Fontoura! xxx Agora, realiza-se na Cinemateca (sessões às 20 e 22 horas) uma Semana do Cinema Francês, trazida a Curitiba graças aos esforços de monsieur Georges Montanê, diretor da Aliança Francesa de Curitiba. São sete produções recentes, todas inéditas, legendadas em português que poderiam ser programadas no cine Luz, em sessões normais. A alegação de Geraldo Pioli, pela Cinemateca, é de que se tratando de cópias em 16mm, "não havia condições de projetá-lo naquela sala". Será que o Museu da Imagem e do Som, que acaba de receber, como doação, um moderníssimo aparelho Brauer, 16mm, super-automático, oferecido pelo Consulado da Alemanha, não cederia o aparelho para esta promoção? Por mais "cuidado" que Francisco Bettega Neto, diretor do MIS, tenha do aparelho, por certo que ele, como ex-crítico de cinema da "Última Hora" - e até hoje um cinemaníaco apaixonado - se sensibilizaria com uma promoção conjunta. E os ótimos filmes desta semana teriam 5 projeções normais, num cinema dos mais confortáveis, atingindo um público bem mais amplo e interessado. Monsieur Montanê, diretor da Aliança - que, pessoalmente, teve que cuidar da promoção em torno da Semana do Cinema Francês - garante que de sua parte não haveria nenhum obstáculo em que os filmes tivessem maior número de projeções. Funcionários pagos pela Fucucu existem. Então porque não programar melhor os filmes? De 21 a 30 de junho, o Goethe, traz mais uma mostra de novos cineastas alemães, inéditos, cópias legendadas na Cinemateca quando poderiam ser exibidos no Groff ou, preferencialmente, no Luz. E no caso desta mostra não haveria nem necessidade de pedir emprestado o aparelho de 16mm do MIS: o próprio Goethe possui um excelente projetor Brauer, que, aliás, tem cedido inúmeras vezes para promoções da própria Fucucu. Sacrificar filmes inéditos - que não terão outras sessões públicas - em exibições em espaços impróprios, em poucas sessões, enquanto as salas confortáveis da Fucucu ficam apresentando reprises é, no mínimo, uma agressão cultural a quem tem interesse em conhecer o cinema contemporâneo. Portanto, espera-se que o bom senso prevaleça e se passe a usar melhor a generosidade das instituições culturais estrangeiras que, ingenuamente, confiam na Fucucu como entidade promotora de eventos culturais, antes que o vereador Luís Gil Leão, em sua tribuna na Câmara Municipal, volte a dar urros de indignação ao saber que ao invés de programar filmes culturais, os espaços oficiais são reservados para reprises de pornoproduções. Realmente, assim não dá para continuar! LEGENDA FOTO - "A Trapaça" (La Triche), 1984, de Yannick Bellon, programado para sábado na Semana de Cinema Francês. Não confundir com o filme do mesmo nome, "Il Bidone" (A Trapaça, 1955), de Federico Fellini.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
09/06/1988

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