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Aramis

Qual será o destino da coleção de Jazz de Ney?

José Domingos Raffaelli, colaborador de O ESTADO com apreciadas criticas de jazz, acaba de fundar, junto com um grupo de amigos, a Sociedade Brasileira de Jazz, no Rio de Janeiro, que inclui entre seus projetos a criação de um departamento de consulta (para informações discográficas, biografias de músicos etc), um programa de rádio a ser divulgado por uma emissora carioca (e em Curitiba pela Rádio Estadual do Paraná) e associação com entidades congêneres. A diretoria da SBJ é formada por João Daudt de Oliveira Neto, presidente; Jorge Guinle, Mariozinho de Oliveira, Marcos Szpilman (da Rio Jazz Orchestra), Alfredo de Paula, Richard Templar, Alberto Alcouloumbre Hermelino Gusmão e Raffaelli. Xxx Nos últimos 30 anos houve pelo menos uma dezena de tentativas de criar entidades reunindo os jazzofilos brasileiros. Infelizmente todas tiveram vida efêmera, mas quase sempre foram os mesmos idealistas que participaram de todos os projetos. Uma das tentativas mais bem sucedidas foi o Clube de Jazz e Bossa, que na primeira metade dos anos 60 reunia-se no Bottle's Club, no Rio, e onde músicos como Victor Assis Brasil e Sérgio Mendes tiveram suas primeiras chances de mostrar seus virtuosismo. Assis Brasil manteve-se fiel ao jazz mas Mendes preferiu os dólares do que o jazz e hoje é um rico empresário musical nos Estados Unidos. Com o boom jazzistico nos últimos 3 anos através da realização de três festivais internacionais (dois em São Paulo, um no Rio) - e edição de aproximadamente 500 elepes da melhor qualidade principalmente pela CBS, Polygram e Odeon (mas também com iniciativas da Top Tape, Continental, WEA e outras etiquetas) aumentou o numero de interessados em jazz, antes impossibilitados de ter acesso às gravações. Raffaelli passou a escrever regularmente a respeito no "Jornal do Brasil" e revista "Som Três", enquanto outros espaços também foram abertos. Em Curitiba, um grupo de apaixonados por jazz, liderados por Carlos Alberto Mercer, Jorge Natividade e Caetano Rodrigues, passaram a reunir-se, quinzenalmente, no asfixiante Teatro Universitário, cuja administradora, Glacy Gotardello Itto, foi inclusive revelada por Arlindo Coutinho, diretor da área internacional da CBS, como tradutora de textos de contracapas da "Jazz Serie". Natividade pensa, inclusive, na promoção de um festival de jazz latino americano reunindo grupos do Uruguai, Argentina e Brasil, especialmente do estilo tradicional numa reação ao ecletismos pop que marcou os festivais internacionais realizados em São Paulo e, especialmente, Rio de Janeiro. Xxx Infelizmente, Curitiba perdeu há 3 meses, o maior colecionador de jazz: o advogado e professor Ney Macedo, que deixou uma das maiores coleções fonográficas. Não só apreciador de Jazz mas também de clássicos. Ney Macedo se dedicou toda sua vida a importar discos e fitas, fazendo um patrimônio precioso, e cujo destinado a família ainda não decidiu. A idéia de uma doação oficial, para ser criado uma fonoteca com seu nome não encontrou unaminidade entre os herdeiros, que estudam a venda do acervo, inclusive elevando já os preços da discoteca à casa dos Cr$ 5 milhões. De uma forma ou outra, seria lamentável que a preciosa coleção fosse retalhada e se espalhasse. Infelizmente dificilmente um particular poderia adquirir a totalidade do acervo (a não ser para revendê-lo). Pessoas de poder aquisitivo sensíveis à musica, capazes de imobilizar milhões em sua compra, já possuem grande parte dos discos da coleção. Por outro lado, quem desejaria ter uma coleção como a que Ney formou, não dispõe de nem 10% do valor necessário para sua aquisição. A idéia do próprio Governo através da Secretaria da Cultura e Esportes ou Fundação Cultural, em adquirir o acervo, esbarra numa realidade: até onde é legitimo, em momento de recessão, gastar Cr$ 5 milhões para compra de discos de jazz e músicas clássicas. Pessoalmente, achamos válido, mas poucos comungam desta posição. Xxx POR muitas vezes o nome de Maria de Jesus Coelho foi noticia nesta coluna. Seus livros de poema, a peça de teatro que escreveu há dois anos, inspirada por uma visita noturna às ruínas do Coliseu, em Roma - numa de suas muitas viagens internacionais - ou as suas poesias, avulsas, ternas, profundas. Lembro-me de uma delas, onde Maria de Jesus se voltava ao latinismo e que, mesmo não sendo este o espaço mais apropriado, dediquei ao seu texto. Lembro-me também, há muitos anos, de uma longa conversa que tivemos, andando pela Rua da Paz, quando se tinha muito mais ilusões, mais sonhos e esperanças. E também recordo agora o último adeus a Maria de Jesus, na noite em que a professora Philomena Gebran foi homenageada com um jantar. Maria de Jesus estava preocupada com as maldades de mediocres colegas que não aceitavam sua mulher dirigindo, com eficiência, o Hospital de Clinicas, onde trabalhou por mais de 15 anos. E ontem Maria de Jesus foi notícia, da cidade anônima, asfixiante e que matou também a Curitiba do passado. Com o assassinato de Maria de Jesus Coelho o nosso mundo fica menor, se perde mais uma amiga e, especialmente, uma pessoa de extrema sensibilidade. Poeta das mais inspiradas, criativa ao ponto de editar dois livros à forma do nonveau roman: folhas soltas, permitindo a leitura de forma alternativa, ao gosto de cada um. Sua peça, mesmo não sendo afeita à carpintaria dos palcos entusiasmou, a primeira leitura, a Marcelo Marchioro e todos que conhecem um pouco a respeito desta forma de literatura. E, no ano passado, a peça teve uma leitura no palco do Guairinha, repleto de amigos de Maria de Jesus, uma pessoa que mantendo sempre sua grande privacidade, tinha um coração imenso, tão grande quanto o seu cérebro - e a sua alma. E, de repente, a notícia trágica, violenta: sua morte. Uma morte pela qual ninguém esperava, pois plena de vida e energia, muitas idéias, falava sempre em novos livros - entremeados de suas viagens pelo mundo afora, nas quais sempre soube investir. Curitiba ficou menor com a morte de Maria de Jesus e, perdoe a imagem acadêmica, mas é sincera: o consolo é imaginar agora mais uma estrela no Céu.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
9
14/11/1980

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