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Aramis

Quando a música encontra o humor com competência

O humor pela música. No último fim de semana, dois exemplos de como se pode utilizar, com inteligência e competência, a música em espetáculos divertidos, leves e comunicativos. Os gaúchos Nico Nicolaiewsky e Hique Gomes, mesmo concorrendo com todo o marketing promocional da dupla Ney Latorraca / Marcos Nanini em "O Mistério de Irma Vap", no Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto (lotação esgotada todas as noites), tiveram um bom público em suas três apresentações no Auditório Salvador de Ferrante. E trouxeram uma novidade: um espetáculo que terminou na rua, defronte ao teatro, com mais de 30 minutos de um verdadeiro happening - fazendo de "Tangos e Tragédias", no mínimo um evento original. Já no domingo, na penúltima de suas 14 apresentações no Brasil, o quarteto Itchy Fingers, mostrou no auditório Antônio Carlos Kraide (Centro Cultural do Portão) que quatro saxofones e humor britânico podem comunicar-se muito bem sem perder o ritmo. xxx No domingo, durante almoço em sua residência, o empresário Mozart Primo acertou com a jornalista Mariloudes Franarin, produtora executiva de Kraunus e Pletskaya, não só a volta de "Tangos e Tragédias" ao Paraná, como um amplo esquema para apresentações deste espetáculo em clubes, convenções, e mesmo festas particulares. Afinal, se existe um show ideal para levantar o astral de qualquer reunião é este, que há cinco anos vem sendo apresentado pelos gaúchos Nico Nicolaiewsky (Nelson Nicolaiewsky, Porto Alegre, 09/06/1957) e Hique Gomes (Luiz Henrique Gomes, Porto Alegre, 29/03/1959), respectivamente o "maestro Pletskaya" (acordeonista) e o "violinista Kraunus Sang", que com muita imaginação criaram um espetáculo dos mais divertidos. Prova disto é que não só no (amplo) mercado gaúcho, mas também em duas temporadas cariocas encontraram sempre uma excelente recepção - e que se amplia em cada nova cidade a qual chegam. A partir da filosofia de que "Cada vida tem seu tango", Nico e Hique buscaram um repertório que do kitsch e da brincadeira irreverente acaba até prestando uma homenagem a compositores como Vicente Celestino"(1894-1968) - com três clássicos de seu repertório ("Coração Materno", "O Ébrio" e "Porta Aberta"); Cândido das Neves (1889-1934), com seu tango-seresta mais conhecido ("Noite Cheia de Estrelas", 1929) e, especialmente, a dupla Alvarenga e Ranchinho, com suas antológicas sátiras "Romance de uma Caveira" (1940) e "O Drama de Angélica" (1943). Sabendo dosar estes momentos da música brasileira - seja na visão patética de Celestino ou no humor "tétrico" da dupla Alvarenga e Ranchinho, Hique e Nico trazem uma "Trágica Paixão de Marcelo por Roberta", hilária, e buscam em compositores gaúchos da nova geração, como Cláudio Levitan ("Tango de Mãe" e "Ana Cristina") e Nei Lisboa ("Berlim Bonfim") também aquilo que possa estabelecer uma comunicação maior com o público - na linha que grupos no passado ou no presente (Rumo, Premeditando o Breque, Cobra Coral, etc.) tem buscado. Com o sintético "Ana Cristina", num refrão irônico e facilmente assimilável pelo público ou, especialmente no "Copérnico" - mais um ritmo do que uma música, mas capaz de inflamar o público - Nico e Hique levam o público a dançar até na rua, como fizeram nas três noites em que se apresentaram em Curitiba. O espetáculo já está editado em elepê, numa produção independente (solicitações a Rua Ladislau Neto, 324, CEP 91.700, Porto Alegre) mas é ao vivo que há maior comunicação. Diretores sociais, coordenadores de eventos especiais e todos que buscam um show inteligente, limpo (não há palavrões e os diálogos e brincadeiras com o público são respeitosos) tem em "Tangos e Tragédias" um espetáculo feito sob medida. Aliás, se assim não fosse, o calendário da dupla não estaria tão bem programado, incluindo apresentações como a que farão no próximo dia 8 de outubro, na sofisticada Gallery, em São Paulo, para uma platéia muito especial, na festa de entrega dos prêmios Colunistas de Propaganda. xxx Já houve até quem comparasse o Itchy Fingers ao The World Sax Quartet, um grupo de jazz dos mais requintados, que utilizando apenas metais surgiu nos últimos três anos com uma novidade jazzística (no Brasil, a WEA lançou um dos três álbuns). Só que além da competência instrumental, o quarteto inglês com dedos coçantes traz um humor surpreendente. Assim, nesta primeira temporada que fizeram pelo Brasil, promovida pelo British Council, o Itchy Fingers mostrou um espetáculo que, musicalmente, os aproxima até do (hoje extinto) Monthy Python no cinema. John Graham, vestido com uma bermuda vermelha, camisa florida - mais parecendo um turista americano do que um súdito da rainha Elizabeth - multiplicando-se entre os sax tenor, soprano, contralto e clarineta (ou ao menos parece) o líder deste quarteto, que tocando repertório próprio consegue o delicado equilíbrio entre a brincadeira irreverente e a qualidade musical. Como fazia Spike Jones (quem se lembra?) com sua orquestra ou, mais recentemente, os argentinos dos Les Luthiers, o quarteto inglês constrói belas harmonias, mostrando o potencial acústico de metais - capazes de oscilarem de um lento "Woe" ao esplêndido "The Devil's Pulpit", dois dos melhores momentos musicais. No final, a brincadeira de "This Morning" não dispensa também a utilização de recursos especiais - com sonoridades extramusicais dos instrumentos. Graham, anteriormente, já havia conseguido até colocar a percussão no interior de seu sax em "It's Lovely once You're in", enquanto "Yupperville Rodeo" é um "sax battle" entre John e Peter nos seus instrumentos. Já com dois elepês gravados ("Quark" e "Terenga", inéditos no Brasil) e participações em vários festivais jazzísticos, uma aproximação com Airto Moreira (que participou na percussão em "Terenga", lançado em novembro do ano passado) e Flora Purim (para a qual fizeram alguns arranjos), o Itchy Fingers, apesar de toda sua irreverência, não desagradaria ao velho Adolphe Sax (1814-1896), o luthier belga que inventou há 151 anos o instrumento que, em suas diversas adaptações, tanto pode render em lábios & sopros de gente competente - como estes ingleses que fizeram uma única apresentação na cidade. Os 215 curitibanos que no domingo lotaram o auditório Antônio Carlos Kraide não se arrependeram e viram/ouviram uma mostra de talento, humor e competência como há tempos não acontecia. LEGENDA FOTO - Nico & Hique: musical humor gaúcho, tchê!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
20/09/1989

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