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Aramis

Quando a vanguarda virou a mesa do salão acadêmico

Em sincero e inteligente depoimento gravado para o projeto Memória Histórica do Paraná, o pintor Fernando Velloso, aproximando-se dos 60 anos - a serem devidamente comemorados com uma série de eventos em 9 de agosto - mas com a juventude que sempre o caracterizou - fez uma análise das artes plásticas no Paraná nas últimas quatro décadas que acompanhou - e participou - muito de perto. Pelo seu espírito independente, com uma certa ironia que o faz um dos mais argutos observadores analistas de nossa vida cultural, Fernando - que por quase 30 anos exerceu também atividades executivas na área cultural, pode, como poucos, sentir e refletir em torno de tendências, modismos e comportamentos. Entre os aspectos Velloso detalhou em seu depoimento-pautado pela elegância, sem críticas e, surpreendendo até pela generosidade com que se referiu a maioria das pessoas lembradas lembrou-se, em detalhes, do movimento de protesto que os mais importantes nomes da pintura paranaense fizeram no final de 1957, ao retirarem da Biblioteca Pública do Paraná, os seus trabalhos no Salão Paranaense de Belas Artes daquele ano, quebrando-os e incinerando-os na rua. A repercussão da imprensa foi grande e em conseqüência o diretor do Departamento de Cultura, Guido Arzua, acabou sendo exonerado pelo então governador Moyses Lupion. O movimento tinha explodido porque cansados de serem preteridos e humilhados no Salão Oficial, os artistas haviam reivindicado que o júri tivesse a participação de pessoas de maior visão do que os limitados "juizes" que, ano após ano, vinham cortando os artistas locais que demonstravam maior energia renovadora em favor de acadêmicos medíocres e repetitivos em sua fórmula. Havia a promessa de que seria dado uma oportunidade aos chamados jovens - expressão que incluía artistas de meia idade, mas realmente criativos, como Guido Viaro e Paul Garfunkel, entre outros. Este, aliás, foi o único do grupo a ter insignificante menção honrosa, que ele considerou desonrosa e fez questão de rasgá-la. Os demais artistas, então, nem sequer tiveram seus trabalhos incluídos na mostra. Mas só a partir da década de 60, quando Ennio Marques Ferreira, vindo do Rio de Janeiro e com excelente bagagem cultural, assumiu o Departamento de Cultura, nomeado pelo governador Ney Braga, foi que se oxigenou o panorama das artes plásticas, com maior espaço para os artistas não acadêmicos. Graças a isto - e mesmo com atraso sobre o que acontecia na Europa e Estados Unidos - Curitiba pôde conhecer novos movimentos e tendências das artes, do que resultou uma geração de grande voltagem, que se projetaria nos anos 60/70. Entre 1957 a 1961 - quando começou a nova era nas artes plásticas do Paraná, o modesto Salão da Primavera - depois acrescido do Salão dos Novos, no Clube Concórdia, graças a visão do diretor Luís Pilotto e, na administração de Geroldo Hauer (poeta em sua juventude, autor de "Primeiro Aceno a Poesia", capa e ilustrações de Fernando) foi que abrigou a chamada geração dos novos, época em que o Salão Oficial desmoralizava-se totalmente - levando anos para recuperar o prestígio. Por 3 anos - 1959/61 - Fernando Velloso e seu amigo, o também pintor Domicio Pedroso, estiveram em Paris. Ele estudou com André Lhote, o grande mestre do cubismo francês, que considera fundamental em sua arte pois lhe deu uma nova visão sobre a formação tradicional recebida na Escola de Música e Belas Artes do Paraná, fundada em 1948 e de cuja primeira turma fez parte (paralelamente também cursou direito, profissão que pouco exerceu). As artes plásticas do Paraná, no anos 40 e 50, que tiveram jovens artistas que se reuniam na chamada "Granginha" nos fundos da mansão de Violeta Franco (que depois se casaria com o pintor Loio Pérsio) e, mais tarde, na galeria Cocaco, aberta por Ennio, Loio e Manoel Furtado, na rua Ébano Pereira, tem uma história a ser publicada. Ninguém melhor do que o crítico Aurélio Benitez, hoje sexagenário (mas também com uma juventude que parece saída do "Retrato de Dorian Gray"), que tudo acompanhou - e parte registrou nas páginas de O Estado do Paraná (do qual foi um dos fundadores, na redação) - para contar num livro, que, infelizmente, ainda não se animou a escrever. Testemunha ocular da história, Benitez poderá detalhar toda uma fase efervescente de nossa cultura, dos tempos ingênuos em que, como lembra Velloso, faltava muita informação aos ansiosos artistas plásticos, mas cada um a sua maneira, desenvolveria carreiras de sucesso. Fernando foi o grande responsável pela criação e instalação física do Museu de Arte Contemporânea, hoje uma instituição consolidada, e um dos colaboradores da tentativa de implantação do Museu de Arte do Paraná, que sob auspícios dos então poderosos "Diários Associados", Assis Chateaubriand tentou estender a Curitiba (Após ter feito o MASP, em São Paulo), com direção técnica do crítico Eduardo Rocha Virmond, mas que, infelizmente, não encontrou condições práticas. Entre outras razões, como diz Fernando, porque não houve a menor colaboração da chamada elite paranaense: - "Os poucos associados, entre gente da sociedade, não pagavam sequer as anuidades. E as doações feitas eram de telas tão medíocres que nem justificavam entrar no museu". LEGENDA FOTO - Fernando Velloso, ladeado por Iara Mussak e João Osório, que abre exposições nesta quinta-feira.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
16/06/1990

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