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Aramis

"Queimada" fica ainda mais atual 10 anos após

Passados 12 anos de sua realização, << Queimada >> (cine Bristol, até amanhã em exibição) como só manteve todo o seu vigor político como, de certa forma, ganhou ainda maior atualidade. O roteiro que Franco Solinas escreveu, ambientando numa hipotética ilha das Antilhas, onde a dominação portuguesa de 3 séculos é substituída, na metade do século passado, pela intervenção e << independência >> dos imgleses, pode, tranqüilamente, ser transposta para os dias de hoje. Sir Willians (Marlon Brando, numa excelente atuação), o agente do Almirantado Britânico, que chega à ilha e << constrói >> um líder revolucionário, o aguadeiro José Dolores (Evaristo Marques) e leva um jovem ambicioso, Sanches (Renato Salvatori) a << provocar >> a independência, assassinando o chefe do poder português, são personagens que, fazendo-se uma transposição, encontram-se hoje, em recentes acontecimentos - do Irã ao Afeganistão, chegando ao Terceiro Mundo, da África à América do Sul. Poucas vezes um filme foi tão dialético, tão claro, tão preciso na colocação do relacionamento do poder político-econômico em contraposição á revolução idealista e que é dominada pelos interesses multinacionais. Se, em 1970, quando foi lançado no Brasil, << Queimada >> ficou pouco tempo em cartaz, já que a Censura, no auge da repressão percebeu a atualidade e importância política do filme, seu retorno, agora, o torna ainda mais digno de ser (re)visto e, principalmente (re)analisado. Jornalista e crítico de cinema, formado em química e que foi assistente de filmes de Mário Monicelli e Yves Allegrette, Gillo Pontecorvo, entre 1958 a 1979, realizou apenas cinco longa-metragens. Mas cada um repleto de elementos sociais, refletindo realidade necessária de ser analisada e discutida. << A Grande Estrada Azul >> (La Grande Strada Azzura), 58, com Ives Montand e Alida Valli, apanhava o microuniverso dos pescadores de uma região da Itália. << Kapo >>, do ano seguinte, com Susan Strasberg e Laurent Terziff, mergulhava num espaço mais cruel, qual seja o da II Guerra Mundial. E antes de realizar, com recursos do lúcido produtor Franco Cristaldi, este << Queimada >>, Pontecorvo fez um semi-documentário sobre a libertação da Argélia, premiado em Cannes em 65: << La Battaglia di Algeri >>. No ano passado após um intervalo de 10 anos, com << Orgo >>, abordou as lutas separatista na Espanha. Obviamente, estes dois filmes ainda estão inéditos no Brasil, assim como o seu primeiro filme, o episódio << Giovanna >>, da produção alemã << Die Wind Rose >> (Rosa dos Ventos), que teve, aliás, um episódio realizado pelo brasileiro Alex Viany (1956), numa realização supervisionada por Alberto Cavalcanti e Jori Ivens. A apreciação de filmes como << Z >> (que também está em exibição na cidade, no Plaza) e M<< Queimada >> leva o público a racionalmente (re)pensar conceitos de cinema. E acima da emoção, há a conscientização de que as idéias permanecem acima da força, do poder momentâneo. Pontecorvo, como o grego Costa-Gravas, ou alguns (poucos) outros cineastas políticos contemporâneos, não busca o panfletário, a demagogia pelas imagens. Ao contrário, é dialético, claro e preciso, no que teve o roteiro perfeito de Solinas - um colaborador habitual, assim como Jorge seprum é de Costa-Gravas. Uma história bem contada, com ação, personagens bem definidos. Uma trilha sonora (de Ennio Morricone) que mostra toda a potencialidade deste compositor para muitos visto apenas como um autor de músicas para << wstern-spaghetti>., e que atinge, em Queimada >>, em muitos momentos, a dimensão de uma cantata. Mesmo com naturais atritos havidos com Pontecorvo, durante as filmagens, Brando tem uma interpretação soberba, sem excessos ou os maneirismos de seus anos 50, após a explosão do Actor`s Studio. Mas é o negro Evaristo Marques, como José Dolores, o grande ator/personagem do filme, constituindo-se numa imagem que, por certo, resistirá ao tempo. A revisão de << Queimada >>, para quem já o conhecia, acrescenta novos dados. Afinal, como diz sir William (Brando), numa cena, 10 anos, num certo período da história, marca toda a mudança de uma época. E os 10 anos que separam a chegada do filme ao Brasil, com esta reprise, também foram marcantes. Na conscientização de cada espectador, a descoberta de muito que este filme mostra, propõe e discute. E faz pensar, o que para muitos é altamente perigoso. Mas que, mais do que nunca, é extremamente necessário.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
13/05/1980

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