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Aramis

Quem não tem "O Guarani" como convém, ataca com os Violados

Para milhões de brasileiros, a única informação sonora sobre a mais famosa das óperas de um autor brasileiro é a protofonia de "O Guarani", que por décadas identificava o programa "A Voz do Brasil", desde sua implantação nos tempos do Estado Novo. E nem poderia ser diferente, pois desde a sua estréia no antigo Teatro Lírico Fluminense, no Rio de janeiro, há 156 anos - exatamente a 2 de dezembro de 1870 (apenas cinco meses após sua estréia mundial, no Scala, de Milão), a mais conhecida das obras de Carlos Gomes não teve encenações capazes de torná-la uma obra senão popular, ao menos conhecida das várias gerações de brasileiros. Embora muitas de suas árias constem de gravações de famosos cantores líricos e dos repertórios de orquestras operísticas, desconhece-se qualquer registro integral desta ópera, exceto a pioneira e corajosa produção que o pioneiro Braz Bacarim patrocinou, através da então iniciante Chantecler (quando pertencente ao grupo Cássio Muniz, de São Paulo), há 27 anos passados (1). Infelizmente, nem a motivação dos 150 anos do nascimento de Antonio Carlos Gomes (Campinas, SP - 11/julho/1836 - Belém do Pará, 16/09/1896), dentro de um amplo calendário de eventos que se estendem a vários países, fez com que houvesse algum projeto real para gravação de suas obras. Em junho último, poucos dias antes do início do XVI Festival de Inverno de Campos de Jordão, o maestro Eleazar de Carvalho, 74 anos, foi procurado por diretores da Continental, sobre a sua disposição em dirigir uma produção de disco, de "O Guarani", em sua versão integral. Ocupado devido ao festival, Eleazar disse que só poderia estudar o projeto a partir de de setembro e estabeleceu o cachê mínimo, pelo seu trabalho: Cz$ 300 mil. Isto dá uma idéia de quanto custará está produção - exigindo grande orquestra, coral e os melhores cantores líricos, passando, facilmente, dos Cz$ 2 milhões. Assim, salvo com o patrocínio oficial de algum mecenas da iniciativa privada, não teremos, a curto prazo, uma gravação brasileira da obra que Carlos Gomes escreveu quando morava em Milão, inspirado no romance de que o cearense José (Martiniano de) Alencar (1829-1877) havia publicado em 1857. Congelado o projeto de produzir uma nova gravação, a Chantecler/Continental reeditou sua pioneira produção de 1959 (e cuja análise crítica terá que considerar as condições em que foi realizada), mas coube a artistas populares lembrarem fonograficamente dos 150 anos do nascimento de Carlos Gomes. O paraibano Zé Ramalho em seu novo disco ("Opus Visionário", CBS, julho de 1986), abre o lado um com a utilização como música incidental, a "Um Índio" (Caetano Veloso), de trecho da protofonia de "O Guarani". Já os pernambucanos do Quinteto Violado foram mais ambiciosos: trabalham durante quase um ano numa adaptação da ópera de Carlos Gomes numa criação que o grupo pretende levar em turnê nacional. Quem acompanha o trabalho do Quinteto Violado, conjunto instrumental-vocal formado em 1970, no Recife, não se surpreende com a ousadia de transporem num álbum duplo, cara produção que o Estúdio Eldorado está lançando agora, em seu selo Paralelo - destinado a abrigar trabalhos que no entendimento de Aluízio Falcão são capazes de atingir faixas mais populares da população, Em seu primeiro LP (Phillips, 1972), já traziam uma proposta de mostrar músicas de fortes raízes, incluindo uma belíssima "marcha dos Índios Quiriri", que permanece como um dos momentos mais perfeitos do trabalho de músicos com boa formação sobre um tema anônimo. Nestes 14 anos de atividades ininterruptas, passando por diferentes etiquetas e fazendo um antológico álbum com canções de Luiz Gonzaga (produção de Pelão, para a Continental), o Quinteto sofreu também substituições. Do grupo original permanecem apenas Marcelo Melo, 38 anos (formado em agronomia, morou na Bélgica e Paris, onde gravou o elepê "Das Terras do Benvirá", com Geraldo Vandré) e Toinho (Antonio Alves, Garanhuns, PE, 1944), baixista e diretor musical. Os outros integrantes foram sendo substituídos e hoje do mesmo fazem parte Mário Lobo (sintetizador, piano, sax e voz), Claudio (guitarra), Roberto (percussão e voz) e Kiko (bateria). Pode ser discutível a adaptação que Marcelo Melo e Toinho fizeram de "O Guarani", com roteiro de Antonio Cadengue e Beto Diniz. A criação de letras sobre temas apenas instrumentais de Carlos Gomes e desenvolvimento de uma estrutura que pouco tem, a rigor, com o original - além da utilização de música incidental - desde "Um Índio", de Caetano até a música recolhida por Marluí Miranda, junto às tribos Krahô (2). Este álbum-proposta do Quinteto Violado é polêmica por sua própria natureza. Entretanto é inegável a seriedade e boas intenções que o Quinteto foi imbuído ao tentar transpor, numa linguagem mais acessível - e utilizando apenas um vocal feminino (a afinada Nana Rocha) e com textos construídos de uma forma popular (apesar do aproveitamento inclusive de Sosandrade, na faixa "Castelo nos Trópicos") uma das mais brasileiras criações musicais - ironicamente mais apreciada até hoje no Exterior do que em nosso próprio País. Um álbum destinado a se tornar referencial na discografia do Quinteto Violado que, a sua maneira nordestina, lembra a efeméride do sesquicentenário de nascimento de Carlos Gomes. Notas (1) A gravação de "O Guarani", da Chantecler, em 1959, em três elepês, teve direção musical de maestro Armando Belardi (São Paulo, 25/3/1900), que, na mesma época, também registrou naquela etiqueta, a primeira e única gravação do poema vocal e sinfônico "Colombo", também de Carlos Gomes. (2) Marluí Miranda, compositora, cantora, violonista e, principalmente pesquisadora, vem há anos investigando a música indígena, com trabalhos fascinantes - embora praticamente inéditos em disco.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
07/09/1986

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