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Aramis

Quem tem medo do Tinhorão?

Quem tem medo de J. Ramos Tinhorão? Parodiando o título da mais famosa peça do norte-americano Edward Albee, esta pergunta já encimou muitas apresentações daquele que é, sem dúvida, o mais polêmico, odiado, mas também admirado por muitos dos jornalistas que se dedicam à música popular brasileira. Tinhorão, na verdade, não se considera um crítico musical. Prefere, com toda razão, ser entendido como um jornalista com uma sociológica e abrangente visão dos problemas culturais brasileiros. De formação marxista-leninista - embora distante das camisas-de-força de partidos e organizações, sempre procurou o social na raiz do cultural, e assim há mais de 30 anos, caracteriza seus textos, seja na extensão de 3 ou 4 laudas para uma publicação periódica, ou na análise mais demorada de um livro, por um raciocínio claro, lógico e sempre muito bem documentado. Sua independência de qualquer visão consumista, incapaz de aceitar o modismo pelas multinacionais (e mesmo nacionais) da indústria cultural (e da comunicação) lhe tem custado caro. Sem escrever em nenhum jornal de circulação nacional há mais de cinco anos, sobrevivendo de uma magra aposentadoria como jornalista e dedicando-se as suas pesquisas, livros e eventuais palestras (como a que fará hoje à noite, no SESC-Portão, dentro da 1ª Mostra de Choro, as 20 horas - Rua João Bettega, 740), Tinhorão orgulha-se de "ter conseguido viver dentro da simplicidade do empobrecimento". Assim, em seu apartamento-biblioteca-escritório, num modesto edifício de São Paulo, Tinhorão vive e dorme - literalmente - entre milhares de livros, revistas, recortes de jornais, discos - elepês, 78rpm, compactos e, mesmo arqueológicos aparelhos de registros de som, recolhidos ao longo de anos de pesquisa. Foi ali que o ponta-grossense Alceu Schwaab, ao fazer um levantamento bibliográfico de livros sobre MPB, passou horas, completando seu trabalho - já que ninguém possui uma coleção mais completa sobre tudo o que se relaciona à música (e temas paralelos) do que Tinhorão. Magro, calvo, dicção clara - a aparente agressividade de Tinhorão é substituída por uma grande ternura e mesmo um bom humor que só revela aos amigos depois de algum tempo. Irônico, mordaz, é um dos melhores tituleiros que conheço na imprensa brasileira e muitas matérias que publicou, em seus tempos de colunista regular do "Jornal do Brasil", atingiam mais pelo título do que propriamente pela crítica que ele sempre soube fazer. Por ocasião do seminário "Linguagens e Rumos da Canção Brasileira", evento paralelo ao "Brasil de Todos os Cantos" (Curitiba, maio/1982), os participantes - jornalistas, produtores culturais e mesmo compositores e músicos - aprovaram, entre as resoluções, uma preocupação pelo fato de Tinhorão ter deixado, na época, o "Jornal do Brasil" e com isto "ficar ainda mais reduzido o espaço crítico em favor da legítima música brasileira". Embora grato pela solidariedade, Tinhorão entende o boicote que sofre por parte da imprensa e ainda no ano passado, durante o seminário "Acorde Brasileiro", em Tramandaí, RS, após sua palestra, explicava: - "É natural que numa época de consumo, de marketing, da promoção mercantilista, um sujeito que se volta a escrever e defender as coisas de um outro Brasil, de artistas feios e velhos como Zé Côco do Riachão, lá de Montes Claros, e criticar imagens de consumo fácil como Cazuza e outros, não represente ponto de venda para um veículo que busca um público alvo bem definido". Realmente sem Tinhorão nas páginas de jornais (e revistas) nacionais, centenas de artistas populares, longe de esquemas promocionais da grande máquina da indústria cultural, ficam esquecidos. Assim, seu trabalho é solitário, numa opção por ele admitida há mais de 20 anos, quando publicou "Música Popular - um Tema em Debate" (Saga, 1966, esgotado), seguido, em 1969, do desmistificador "O Samba Agora Vai... A Farsa da Música Popular no Exterior", no qual, em pleno apogeu do boom musical brasileiro no Exterior, Tinhorão fazia colocações diferentes a respeito. Radical, sim! Ele admite suas preocupações extremadas pela descaracterização da cultura popular, da padronização que as redes nacionais da televisão - especialmente a Globo - impuseram no Brasil, pela falta de espaço cada vez maior para os valores autênticos, nascidos do povo, que em sua forma desglamorizada, sem produção, sem maquilagem, trazem entretanto a carga, força e emoção deste Brasil, por ele tão amado e defendido. De seu primeiro livro ("A Província e o Naturalismo", 1966) a vários outros inéditos, à espera de editor (inclusive "A Música Popular no Romance Brasileiro"), Tinhorão tem uma obra das mais significativas, que o faz um nome respeitado onde existem brasileiros conscientes - e que, mesmo boicotado e marginalizado pelos veículos maiores de comunicação, resiste com sua coragem e didática - o que faz sua palestra, de hoje à noite, um programa indispensável em termos culturais. Mostra do Choro O Programa da Mostra de Choro do SESC/Portão, que acontecerá de hoje a sexta-feira, sempre às 20 horas, na Rua João Bettega, 790, com entrada franca, menos no último dia, é o seguinte: José Ramos Tinhorão, hoje, seguido do show de Nilo, Samba e Choro. Amanhã, Marília Barbosa da Silva e Arthur de Oliveira Filho, mais a apresentação de Adão e Regional. Na quinta, Aramis Millarch faz sua palestra e depois o show de Tortato e Regional. Na sexta, a presença do conjunto de melhores chorões do País: Época de Ouro.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
1
25/08/1987

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