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Aramis

A querência querida nos "causos" que o "seo" Manoel sabe contar

O "seo" Manoel é um grande contador de estórias. Quem tem o privilégio de ouví-lo lembrar fatos vividos e sentidos, ao longo de seus 80 anos - comemorados no último dia 22 de março - sempre sai com a sensação de querer mais. Como uma de suas maiores admiradoras, a jornalista Antonia Schwind, "suas mãos vão desenhando no ar os cenários. Olhos espertos e sorriso terno, puxa cuidadosamente o fio das emoções dos seus ouvintes. Após uma passagem mais triste, certamente explode a gargalhada". Gaúcho de São Francisco de Assis, onde viveu quase metade de sua vida e ali nasceram seus quatro filhos - Nandy Cáceres, Manoel Albimar, Aroldo Murá e Erol Galindo - o "seo" Manoel Lopes Heygert gosta de escrever embora nunca alimentasse pretensões de escritor. Homem de formação simples, funcionário aposentado do IBGE, mestre-escola de matemática quando viveu em Irati há 30 anos, tem, entretanto, aquela forma afetiva e minuciosa de detalhar um dia de labuta, falar de um bom churrasco - entremeado de estórias de assombrações - inclusive de uma chácara em que morou até há alguns anos, em Pinhais. Estas estórias não poderiam se perder e assim, graças à iniciativa de um grupo de amigos, treze delas - quase "causos" da tão rica tradição oral-escrita dos pampas - ganham uma caprichada edição ("Querência em Prosa", 87 páginas, capa e ilustrações de Denise Roman), em produção na qual somaram-se os esforços do Jornal da Indústria e Comércio e Provopar de Curitiba, a cujo programa vale-creche reverterão os resultados financeiros desta primeira edição (500 exemplares, lançamento oficial no próximo dia 11, na Galeria Dell'Arte). xxx Uma segunda edição da obra se justifica antes mesmo do lançamento desta primeira: afinal, pela sinceridade e regionalização das estórias contadas pelo "seo" Manoel, este é um livro para constar nas livrarias gaúchas - onde, entre uma dezena de editoras, há pelo menos uma (Martins Livreiro) que se volta a publicar exclusivamente autores da terra. Mesmo afastado desde 1948 do seu Rio Grande do Sul, o "seo" Manoel conserva as características de um tipo humano quase em extinção - o gaúcho típico da campanha do Rio Grande do Sul - como sintetiza no texto introdutório o jornalista Aroldo Murá, que aos 50 anos, terceiro filho de "seo" Manoel e dona Nandy Cáceres Gomes Heygert (1912-1981), aprendeu a amar as coisas do Sul. Diz Aroldo: - "Estas falas, "causos" ou contos - não importa a definição de gênero literário, aqui reunidas, são memórias de uma vida valiosíssima. Lembranças de um homem que está a passar-nos bem mais do que testemunhos pessoais. Transfere-nos uma experiência irrepetível, no trato com o ser humano, e a descrição de paisagens físicas e de tipos psicológicos definitivamente banidos de nosso dia-a-dia". Abrindo com uma nostálgica descrição da tosquia dos carneiros, falando de um profissional - o esquilador (que musicalmente teve no grande Telmo de Lima Freitas, gaúcho e Bagé, uma canção antológica - vencedora de uma das primeiras edições da Califórnia da Canção, em Uruguaiana) "seo" Manoel já nos introduz numa viagem emotiva pela campanha gaúcha, trazendo estórias de marcantes seres humanos, fatos humorísticos, sobrenaturais - numa linguagem que sem deixar de ter a simplicidade e autenticidade de uma testemunha que vivenciou os fatos narrados, mostra também um cuidadoso trato na linguagem. As belas ilustrações de Denise Roman emolduram o livro, que encerra com um glossário para "tradução" de temas regionalistas que os leitores fora do Rio Grande do Sul nem sempre entendem. xxx a sra. Fany Lerner, que como presidente do Provopar - Curitiba, empenhou-se para a edição do livro, em menos de 40 linhas oferece um perfil do autor. Nascido em uma fazenda de gado gado, o mais velho de seis irmãos - dos quais apenas o mais jovem, Erol, hoje aos 63 anos, capitão reformado do Exército, vive, ainda, em Santa Maria, teve uma juventude em contato direto com a terra. Aprendeu a cultivá-la, foi durante anos rizicultor, desenvolvendo depois uma fábrica para a exploração de crina vegetal. Quando tinha 12 anos, se apresentou como "voluntário" na revolução de 1923. Seu pai, Amarino, deu-lhe uma bela surra pelo atrevimento, mas sete anos depois, participava já do 6o Regimento da Cavalaria Independente na revolução que levou Getúlio ao Catete. O cabo Manoel recorda em detalhes da marcha do 6o que saindo de Alegrete chegou até Itapetininga, em São Paulo. - "Lembro-me de quando passamos por Curitiba. Tenho lembranças claras daquela época, de pequena cidade, de suas ruas". Como bom gaúcho, em 1946 fundava na Vila Manoel Viana, no distrito de São Francisco de Assis, o Partido Trabalhista Brasileiro, de quem já era o oitavo filiado no diretório de Santa Maria. Esta dedicação petebista lhe custou caro: nos anos seguintes sofreu perseguições, inclusive quando veio para o Paraná. Hoje mostra-se cético em relação à sigla: - "O PTB hoje tem outras pessoas, desapareceu na sua forma original". Ingressando por concurso do Dasp como funcionário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística veio em 1948 para o Paraná, residindo em Irati até 1953. Foi então designado para Londrina - poeirenta, ainda longe do conforto de nossos dias. Por motivos de saúde voltaria para o Sul, indo trabalhar em Colombo, depois na Lapa até aposentar-se em Curitiba em 1973. Atualizado politicamente, com opiniões muito próprias em torno de homens cujas carreiras acompanhou - como Getúlio Vargas, Fernando Ferrari e Leonel Brizola - o "seo" Manoel embora não esconda dos amigos seus posicionamentos políticos, prefere não externá-los publicamente. Gosta de falar, isto sim, de seus tempos de Rio Grande do Sul - ou das muitas estórias que, também tem, nestes seus 43 anos do Paraná - onde viu crescerem os seus quatro filhos e nascerem seus seis netos. -"Espero viver o bastante para poder ver publicadas também estas estórias da querência paranaense - , minha segunda terra."
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
23/06/1991

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