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Aramis

Reencontro de Amauri e memórias políticas

Quando o ex-ministro Amaury Silva entrou na sala do restaurante Guilhobel, onde se localiza a chamada mesa da diretoria, às 16,15 horas de sábado, 6, foi recebido com aplausos, em pé, por uma dezena de pessoas. Afora amigos de muitos anos, o ministro do Trabalho no governo João Goulart revia dois assessores com os quais nunca mais tivera contatos após 1964: o jornalista José Augusto Ribeiro, hoje redator da coluna política de "O Globo" e Tato Taborda, hoje dedicando-se ao cinema - que junto com Jairo Regis, Osires de Brito (assessor na Assembléia Legislativa) e o próprio Guilhobel Camargo, integravam o fiel grupo que acompanhou Amaury em sua experiência ministerial. O reencontro com José Augusto foi particularmente emocionante: afinal, foi o jornalista um de seus mais diretos assessores, numa amizade iniciada quando do primeiro mandato legislativo de Amaury. Naquela época - com a Assembléia Legislativa funcionando no Palácio Rio Branco, na Rua Barão do Rio Branco - hoje sede da Câmara Municipal, José Augusto era repórter político de O ESTADO, jornal em que permaneceu até 1962, atuando como editor político e também editorialista. Transferindo-se para o Rio, a convite de Amaury Silva, quando em julho de 1962, o então senador petebista foi convidado pelo presidente João [Goulart] para assumir o Ministério do Trabalho, José Augusto Ribeiro não retornou mais ao Paraná, embora convites não lhe faltasse,. Profissional apaixonado pela política, nestes anos fez grandes reportagens, ocupou o cargo de redator-chefe de "O Globo" e agora voltou novamente à reportagem - entremeado de experiência cinematográfica: de uma reportagem não concluída para a Rede Globo, acabou realizando um curta-metragem sobre Getúlio Vargas, já liberado pela censura e com lançamento nos circuitos comerciais programado para as próximas semanas. Neste curta, José Augusto levou, pela primeira vez após agosto de 1954, Alzira e Lutero Vargas, filhos de Getúlio, ao Palácio do Catete - hoje Museu da República, no Rio, para que narrassem os dramáticos fatos ali ocorridos há 26 anos passados. Poucas horas antes de reencontrar com Amaury Silva, José Augusto Ribeiro havia tido outro momento de alegria e emoção: na churrascada de confraternização da turma de 1960 da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná - motivo de sua rápida passagem por Curitiba neste final de semana - havia feito o discurso que, a rigor, deveria ter sido pronunciado há 20 anos passados. É que em fins de 1960, quando concluía o curso de direito (profissão que acabou jamais exercendo), Augusto Ribeiro foi eleito orador de sua turma. Entretanto uma inesperada viagem à Europa - na primeira vez que saiu do Brasil - o impediu de falar na solenidade, o que foi lamentado pelos que o conheciam: a exemplo de seu irmão mais moço, Luís Felipe - hoje professor no setor de letras da PUC-RJ - José Augusto foi sempre um orador fascinante. Desde os áureos tempos do Clube Mirim M-5, que Aluísio Finzetto apresentava aos domingos pela manhã, na Rádio Guairá ("A Voz Nativa da Terra dos Pinheirais", instalada na Rua Barão do Rio Branco), o então menino José Augusto abiscoitava prêmios como orador. Líder secundarista e universitário, orador que unia a boa voz também uma sólida formação cultural e, especialmente política, José Augusto viria a se constituir num dos principais responsáveis pela vitória de Ney Braga, em sua campanha política quando, por votação direta, disputou, há 20 anos passados, as eleições ao Governo do Paraná. Junto com ele, estava também outro orador de méritos, Norton Macedo - que, como faz tradicionalmente, almoçava sábado no "Guilhobel" - e foi um dos que abraçou Amaury Silva, embora sem a mesma euforia dos ex-assessores do "ministro" quando ali chegou. xxx Amaury Silva fez com que o almoço já alongado se prolongasse por algumas horas: ao seu [redor] sentaram-se Tato, José Augusto Guilhobel - mais os jornalistas Samuel Guimarães da Costa, 60 anos - e a memória viva da história política do Paraná - com assistência discreta do jornalista Eurico Schwind e de Ruy Neves (presidente do Ippardes), numa sessão que não ficou na nostalgia, pelo contrário. Se falou muito na importância de que Amaury Silva aceite voltar a disputar uma eleição direta, já que o seu nome tem fácil trânsito em muitas áreas e garantirá não só sua vitória como a de muitos companheiros. Mineiramente discreto, Amaury não chegou a fazer nenhuma confidência definitiva nesta área, embora, a certo momento, segredasse ao ouvido de José Augusto que gostaria de ter com ele uma conversa de "aconselhamento político". Afinal, como editor de uma das mais influentes colunas políticas do país - elogiada há 2 semanas até por Alberto Dinis, e sua cáustica página do semanário "O Pasquim", José Augusto é hoje um dos mais experientes observadores políticos, com informações de bastidores, "up to date" capazes de interessar a qualquer político e administrador sensível. xxx No informal bate-papo, Amaury Silva fez algumas revelações sobre o seu agitado período como ministro do Trabalho, assumindo o cargo numa época de greves intensas e declarado processo de desestabilização do governo João Goulart, onde ele teve que - como suas próprias palavras, ser "antes de mais nada o bombeiro a apagar os incêndios". O diálogo com José Augusto e Samuel Guimarães da Costa - que trabalha numa revisão histórica do Paraná, a ser publicada em 52 fascículos pela revista "Panorama", a partir de março de 1981, estimulou que Amaury contasse alguns incidentes que, na época, nem mesmo os seus mais íntimos assessores, tomaram conhecimento. Razão pela qual, naturalmente, se levantou a oportunidade que seria a publicação das memórias críticas deste período, especialmente nesta época em que todos os homens públicos que acompanharam a vida política do País nas últimas décadas estão dando suas versões dos fatos. Afora uma dezena de livros de memórias de generais do Exército, a maioria já reformados, trazem depoimentos dos fatos que antecederam ou marcaram os anos 60 a 78, apenas uma editora - a Nova Fronteira, fundada por Carlos Lacerda, e hoje dirigida por seu filho, Sérgio - vem enriquecendo a historiografia brasileira com a básica coleção "Brasil - Século XX", com importantes volumes já lançados. De Maurício de Lacerda (1886-1959), um dos parlamentares mais ativos do Brasil, com atuação que foi da primeira república até meados da década de 30, quando se retirou de toda atividade política por discordar dos rumos impostos ao País pela ditadura de Vargas, sai agora "História de Uma Covardia" (300 páginas, Cr$ 430,00) uma obra que auxilia a compreender a sua função histórica, e que terá em "Memórias e Evolução", programado para breve pela mesma editora, indispensável segmento. O cinqüentenário da revolução de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, motiva a edição de vários estudos sobre este período. O brazilianist Robert Levine, professor de história da Universidade de Nova Iorque, tem agora "O Regime de Vargas" (320 páginas, Cr$ 450,00) aqui lançado. Com o subtítulo de "Os anos Críticos 934-1938", Levine faz uma análise do desenrolar da política brasileira nos anos cruciais que decorreram desde a chamada Assembléia Constituinte de 34 até o começo do Estado Novo. Para elaborar este volume, o professor americano não se baseou apenas em fontes bibliográficas e dados históricos, mas também nos arquivos pessoais de Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha, além de outros arquivos nunca antes explorados e em meticulosas entrevistas com alguns dos mais destacados protagonistas desse período. Dois outros volumes que ajudam a compreender melhor a revolução de 30 é "Outubro 1930" de Virgilio A. de Melo Franco - reeditado 49 anos após ter saído, ainda na emoção daqueles episódios, e "Regionalismo e Centralização Política/-Partidos e Constituinte nos Anos 30", reunindo ensaios e pesquisas de seis professores - Angela Maria de Castro Gomes, Rodrigo Bellingrodt Marques Coelho, Dulce Chaves Pandolfi, Maria Helena de Magalhães Castro, Helena Maria Bousquet Bomeny e Lúcia Lahmeyer Lobo. Enquanto o volume de Virgilio Alvim de Melo Franco (1897 - 1948), homem que desenvolveu intensa atividade política, é bastante descritivo dos fatos que antecederam a revolução de 30, acompanhando, quase que em forma de diário, a marcha dos gaúchos em direção ao Rio (demorando-se, inclusive, na descrição dos dias em que Getúlio passou em Ponta Grossa), o ensaio "Regionalismo e Centralização Política" é bem mais amplos em termos sociológicos, para entendimento - da ideologia política dos parlamentares de 50 anos passados. A leitura das 500 páginas que enfaixam as cinco autênticas teses elaboradas em torno de uma mesma temática, mostram raras citações de paranaenses no plano nacional. Um dos poucos deputados de nossa bancada lembrado por Angela Maria de Castro Gomes em "A Representação de Classes na Constituinte de 19334" é de Waldemar Reickdal, que integrava um grupo que se intitulava de "minoria proletária" e que propugnava uma posição que segundo a autora pode ser considerada de "crítica", de "oposição" ao governo Provisório" e que tinha uma orientação política, de inspiração socialista, "sendo que há casos de militância em partidos proletários também considerados socialistas e não comunistas". Reickdal merece neste capítulo várias citações, especialmente em suas relações a representação de classes na Câmara Federal. Reickdal, segundo a professora Angela Maria concluiu, mostrava uma "extrema descrença na viabilidade da representação de classes como uma real conquista para a classe média operária". Ele explicava que apesar de defender tal representação e até mesmo de assinar emendas propondo sua regulamentação segundo certo modo, não acreditava "na possibilidade das reivindicações do proletariado através das Câmaras Políticas do País". Procedia sem ilusões, porque tinha certeza que as leis que protegiam os interesses dos trabalhadores, se aprovadas, seriam revogadas ou não seriam cumpridas. A prova da falta de fosfato, em nossa memória política, é que hoje muitos poucos paranaenses - mesmo os mais ligados a política - seriam capazes de lembrar o nome de Reickdal, que ao ser mencionado neste volume lançado dentro da coleção "Brasil - Século 20", é, de certa forma, resgatado para a nossa história legislativa. Por estas e outras, é que homens que tiveram atuação pública não podem deixar de darem seus depoimentos. Como o petebista Amaury Silva ou o pessedista Moysen Lupion, deputado, senador e governador do Paraná por duas vezes, que, apesar de todos os apelos, continua impermeável a prestar o seu depoimento para a história - oportunidade que teria de esclarecer tantos fatos e acusações (muitas falsas), que o colocam em posição incômoda frente ao futuro. Mas que está, ainda, a tempo de corrigir.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
80
09/12/1980

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