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Rio Apa faz seu épico: "Os Vivos e os Mortos"

Só recentemente, na experiência de seus 64 anos - completados no dia 5 de fevereiro - Wilson Galvão do Rio Apa, começou a escrever sobre a sua própria vida. Embora os dois primeiros volumes - "O Homem Ator" (a vida como representação e realização) e "O Diário do Inconsciente" caminhem muito mais para o lado filosófico e reflexivo - e não tenham compromissos de serem editados ("vou deixá-los para quando eu me for"), sem duvida que a vida deste paulista da Capital, nascido longe do mar - mas que fez sua vida (quase) sempre se desenvolver ao longo do Atlântico Sul, tem muitos elementos que o tornem um personagem tão (ou mais) fascinante do que os próprios personagens de sua obra. Pela lógica familiar, estaria lhe destinado uma carreira jurídica: filho de um advogado paulista, Arthur Cruz do Rio Apa (1894-1984) que chegou a desembargador, Wilson formou-se em direito há 40 anos. Mas muito mais do que as leis e o fórum, o que sempre o atraiu foi a aventura da libertação do homem, que o faria, menos de um ano após ter satisfeito a vontade paterna e recebido o canudo de papel, embarcar em um pequeno navio que fazia a costa brasileira. Algumas embarcações depois, estava no petroleiro Salto 50, a bordo do qual conheceu o Oriente - embora os juvenis projetos de mergulhar nos segredos da Índia acabassem adiados. O encontro com Esther, "a rosa dos meus ventos", dois filhos, não o impediram de ter uma vida nômade, que o levou a morar em ilhas e praias distantes, além de, por muitos meses, viver a aventura do barco "Motim" - cujo "diário" se transformaria numa das séries de maior repercussão publicadas em "O Estado do Paraná", em seus primeiros meses de circulação (1951/52). Redator de grande sensibilidade, capaz de dar à reportagem uma profundidade maior, Wilson enriqueceria "O Estado" com outras séries que, há muito, já mereceriam terem ganho a perenidade autônoma de livros: "Paralelos & Conclusões" (1953) - na qual, pioneiramente, clamava contra os riscos de crescimento desordenado; "Eles Passaram por Aqui", "Experiências com a Solidão" (um Robinson moderno), todas editadas entre 1953/54. xxx Em 1957, por uma hoje extinta editora (Bartyra, São Paulo), sairia seu primeiro romance, "Um Menino Contemplava o Rio" - primeiro volume de uma trilogia nunca completada. Seguiriam-se outros títulos ("O Novo Deus", "A Revolução dos Homens", "Depois que as Pontes Caíram", "Eu Sou o Mar... o Vento", "O Menino e o Presidente" e, mais recentemente, "Sermões das Dunas" - este em coautoria com seu filho, Thor, 32 anos, poeta, e que herdou o amor e a poesia pelo mar. Wilson fala com entusiasmo de seus filhos: Thor, ligado as coisas do mar e que tem deixado parte de sua obra perpetuada em inscrições nos recifes que circundam a Lagoa da Conceição, em Florianópolis, vive agora na praia da Pinheira, uma colônia de pescadores distante 50 quilômetros de Florianópolis. Kim, 34 anos, advogado e assessor do ministro Norberto Silveira, do Tribunal Superior do Trabalho, conseguiu não se deixar sufocar pela burocracia do Planalto. - "Ao contrário, usa todo o seu tempo livre para juntar-se à nós e viver este espaço ainda livre da poluição. Esther, eu e nossos filhos e agora 8 netos..." Sem nunca ter feito proselitismo em torno da ecologia - "o amor pela natureza, a defesa dos bens naturais, a preservação do meio ambiente, sempre foi uma questão de ética em minha vida" - Wilson tem muito a falar sobre o Litoral do Paraná e Santa Catarina, palmilhado ao longo de quase 50 anos. Morou em várias ilhas, por um longo período esteve na Lagoa da Conceição, em Florianópolis - ali fazendo oito das dez edições da Paixão de Cristo ao ar livre (que havia iniciado em 1972, em Alexandra, como uma forma sutil "de fazer passar um pouco de protestos no período mais duro da ditadura militar"), e hoje, preocupado com a destruição de lugares que conheceu planos de vida - em sua flora e fauna, não deixa de lamentar: - "Creio que vivi os últimos estágios de certas regiões do Litoral". xxx A palavra falada, o teatro, sempre o fascinou - cuja obra dramatúrgica passa de 30 títulos, parte da qual editada e que merece, atualmente, um estudo em profundidade da professora Marta Moraes, da Universidade Federal do Paraná. A obra de Wilson espalha-se em peças que vão desde uma recriação de "Orestia", de Ésquilo ("As Fúrias") até aquelas ternas peças-fábulas, capazes de despertar a criança que todo adulto guarda em si, como "O Pequeno Solitário", a mais conhecida da chamada "Trilogia da Infância Adulta", completada por "Curto Circuito" e "O Menino e o Presidente" (que também virou telenovela em 24 capítulos). xxx Eclético como intelectual, admitindo sua rebeldia e radicalismo, mais do que um outsider dos padrões convencionais, Wilson Rio Apa, barbas brancas que o conferem um ar hemingwniano (embora, admita, seu autor estrangeiro favorito seja Aldous Huxley) é uma personalidade forte na vida intelectual - que não se restringe a limites territoriais, a ismos e movimentos. Afinal, em toda uma vida buscou a liberdade e a natureza, a imensidão de vagas - que vão e vem, formando ondas como as de sua própria vida - e que ele, a sua maneira, assumindo riscos, críticas e polêmicas, sabe colocar em sua obra. LEGENDA FOTO - Rio Apa, em "Os Vivos e os Mortos", quatro volumes, uma síntese intelectual de quatro décadas de vivências no mar. O lançamento será quinta-feira.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
26/09/1989

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