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Aramis

"Romance" com gente humilde

A premiação que acaba de receber no 10º Festival do Cinema Latino Americano de Havana, encerrado no último fim de semana, talvez ajudasse a carreira de "Romance da Empregada" neste seu retorno ao Cine Ritz - e no qual atraiu menos de 500 espectadores ao longo de uma semana. Mais uma vez o público desprezou um filme interessante/importante, que em termos de marketing, sofre um problema capital: não é uma obra sobre pessoas e ambiente bonitos. Ao contrário, representa o mais profundo mergulho que Bruno Barreto fez, até agora, num neo-realismo à brasileira, indo buscar numa favela da baixada fluminense a história de Fausta (Beth Faria), empregada doméstica, casada com um desempregado, bêbado (Daniel Filho) e que, em sua ambição de melhorar de vida aceita um relacionamento com Zé da Placa (Brandão Filho), um velho que aumenta a sua pequena aposentadoria, trabalhando na estação ferroviária como "calunga", segurando placas publicitárias. Em torno destes três personagens, o premiado (e competente) cenógrafo-dramaturgo-diretor, etc., Naum Alves de Souza, desenvolveu um roteiro denso e humano. Primeiro (ao que consta) trabalho de Naum para o cinema, "Romance da Empregada" sofre de alguns problemas de roteiro, permanecendo vários personagens - como as colegas de Fausta, que com ela convivem na gare ferroviária e no passeio Ilha de Paquetá - sem um melhor tratamento dramático, capaz de ajudar a entender certas situações. Entretanto, isto não invalida a seriedade com que Naum/Bruno se dispuseram a realizar um filme sobre pessoas tristes, amarguradas, pobres, marginalizadas - com alguns lances que lembram "Feios, Sujos e Malvados" (Brutti, Sporchi e Cattivi, 1975, de Ettore Scola), embora, mais no fundo, as referências sejam outros filmes do neo-realismo italiano. Surpreende, aliás, que para um cineasta que embora diversificando sua filmografia em vários gêneros - da adaptação literária ("Tati, a Garota", "A Estrela Sobe", "Dona Flor e seus Dois Maridos") ao drama amoroso-social ("Amor Bandido"), como Bruno Barreto, haja a coragem de fazer um filme tão denso - e amargo - como este "Romance da Empregada" (hoje, Cine Ritz, 5 sessões, últimas exibições), especialmente porque os produtores Luís e Luci Carlos Barreto, seus pais, conhecem como ninguém a realidade de nosso mercado e sabem que uma obra desta dramaticidade, na linha da vida como ela é, dificilmente, conquistaria empatia com o público. Este, diz uma antiga regra do mercado (e que, infelizmente, parece verdadeira) não gosta de "ver sofrimento e gente pobre na tela", pois, no escapismo que o cinema representa para as faixas de público que ainda buscam este entretenimento, a preferência vai para os cenários sofisticados, personagens bonitos e bem vestidos - e nos quais até o erotismo tem uma sofisticação que não pode existir num drama nos quais a mulher - no caso Beth - forçadamente envelhecida e mal cuidada - não pode despertar sexualidade em relacionamentos com o marido que ela abomina - no casebre que ocupam nas margens de um rio, ao velho aposentado, em sua depressiva pensão na zona central do Rio de Janeiro. O enfoque da empregada - personagem que Arnaldo Jabor já havia colocado como certo tratamento crítico em "Tudo Bem" (e no qual, a intérprete era a atriz negra Zezé Motta) tem o seu relacionamento com a patroa visto de uma forma também cruel, numa visão do trabalho explorado (agora, após as conquistas da Constituição, nem tanto), e sintetizado na frase dita pela patroa "empregada é castigo". Cinematograficamente seguro, com interpretações vigorosas de Beth, Daniel Filho (um ator excelente), o veterano Brandão Filho, vindo dos tempos pioneiros do rádio-teatro - e mais um grande elenco de apoio, "Romance da Empregada" é cruel e cortante em sua visão realista, que não atinge na profundidade o universo pretendido, vale entretanto como exemplo de um cinema que mesmo com responsabilidades comerciais não se deixa vencer apenas pelas imposições de bilheteria. Dois mestres da fotografia - o veterano José Medeiros e o jovem José Tadeu conseguem belas imagens, a montagem de Isabella Rathery aproveita bem o material e a trilha sonora revela um novo compositor, Ruben Blades, que utiliza bastante música incidental - incluindo um funk na voz de Sandra Sá. Bem recebido na quinzena dos realizadores em Cannes, este ano, tendo encerrado o festival de Gramado, em exibição hors concours e apresentando também em Brasília e FestRio - "Romance da Empregada" é um filme que merece atenção de quem não procura apenas o escapismo no cinema.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
21/12/1988

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