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Aramis

Rural

Aluizio Falcão, diretor artístico do Estúdio Eldorado, mereceu sua escolha como "personalidade da MPB" em 1980, na promoção da revista "Playboy". Afinal, há 3 anos que Aluizio(após ter ajudado a Marcus Pereira se tornar uma espécie de paladino da MPB mais autentica), vem fazendo trabalho do maior significado na etiqueta ligada ao grupo "O Estado de São Paulo". Resgatando interpretes, instrumentistas e compositores esquecidos devido ao marketing comercial que domina as multinacionais da gravação, investindo em artistas promissores e fazendo discos dentro de certas faixas muita especificas, Aluizio mostra realmente um trabalho da maior importância cultural. E a tantos discos marcantes que não cansamos de analtecer, Aluizio acrescentou um dos mais documentais álbuns de 1980: "Caipira/Raízes e Frutos". Em dois discos, enriquecidos com um texto do mestre Antônio Cândido ("O Mundo Caipira") e mais trechos de estórias que o mesmo professor publicou em seu fundamental "Parceiros do Rio Bonito" (Editora Duas Cidades, 1971), o álbum de Aluizio, Adauto Santos e Cesare Benvenutti, com arranjos e regências de Theo de Barros, realizaram e está entre as mais significativas contribuições para melhor entendimento da chamada "música caipira". Não nos cansaremos de quebrar lanças em favor de uma valorização ou ao menos apreciação deste gênero tão identificado com a nossa cultura, mas tão desprezado pelas (falsas) elites intelectuais. E quando as multinacionais começam a impor o "contry & western" absorvido pelos jovens das grandes cidades, numa substituição do fenômeno "discotheque" por que não valorizar a nossa cultura? E isto Aluizio Falcão, tenta neste álbum duplo, onde no disco 1 ("Raízes") evitou a inclusão oportunista de "hits" das chamadas paradas sertanejas, bem como clássicos do gênero ("Tristezas do Jeca", "Chitãozinho e Chororó", "Cabocla Teresa"). Com pesquisas, auxiliados pelo pioneiro João Pacifico, e Adauto Santos, Aluizio optou por uma seleção de cururús, modas e cantos de trabalho que desfilam narrativas de acontecimentos políticos, reminiscências, anedotas, enredos de amor e morte, estórias de gado e gente. "Tudo para compor uma referencia bastante diversificada do repertório musical e político sertanejo". Assim temos, Mineiro e manduzinho, cantando "Bombardeio", Rio Pequeno", "Rei do Gado", ou a deliciosa "Situação Encrencada" (moda sobre a crise do café, 1929, do mestre Cornélio Pires), ou a "Moda da revolução", também de Pires, sobre a rebelião paulista de 1924. No disco 2 ("Frutos") estão composições urbanas de algum modo vinculadas, em nível de texto ou melodia, à temática interiorana e rural, exposta em "raízes". Como bem diz Falcão, são peças que assumem, quando agrupadas, uma surpreendente unidade. Os arranjos de Theo de Barros, a craviola de Paulinho Nogueira, as vozes do grupo "Boca Livre", Adauto Santos, João Pacífico, Solange Maria e Geraldo Firme, mostram as gerações mais jovens (e urbanas) que ídolos como Milton Nascimento/Fernando Brandt, Ivan Lins/Vitor Martins, Tavinho Moura, Vandré e até Chico Buarque também souberam beber nas raízes do campo, para músicas como "Ponta de Areia", "Ituverava", "O Trem Tá Feio", "Se Eu Fosse Teu Patrão", etc. Enfim, "Caipira-raízes e frutos", é, desde já, um dos melhores discos do ano e uma contribuição maior ao melhor entendimento de uma música injustamente marginalizada, A Clack Produções, distribuída pela WEA, vem também buscando valorizar a boa música sertaneja. E na série "O Fino", lançou o volume 2 de "O Fino do Sertão", como os clássicos do gênero evitados por Falcão em seu álbum duplo mas que merecem (e devem) ser ouvidos, especialmente por aqueles que torcem o nariz frente a música rural: "João de Barro", "Casa de Caboclo", "A Moda da Mula Preta" e tanto outros temas maravilhosos, de raízes profundas com o que ainda resta de mais autentico em nossa cultura não urbana. A Chantecler/Continental, tem em seu elenco, alguns dos nomes mais expressivos da música rural - ao lado de dezenas de novos duos e trios, que mensalmente tem elepes lançados. A exemplo de Tônico & Tinoco (João e José Perez), também a dupla Vieira e Vieirinha (Rubens Vieira Marques e Rubião Vieira, paulistas de Itajobi, 54 e 52 anos, respectivamente) estão entre os mais autênticos cativeiros e violeiros, que nunca perderam a oportunidade de mostrar suas habilidades na viola e no bate-pé desde a época em que eram peões de boiadeiros. Num elepe comemorativo a 30 anos de carreira, executam uma seleção de 13 belíssimos exemplos deste gênero profundamente identificados com o Brasil rural. Se ainda a experiência de Vieira e Vieirinha, Moacir Laurentino e Sebastião da Silva, identificam-se com uma outra linha cultural: o repente, ou a peleja, cantoria ou porfia, entre dois violeiros que improvisam versos sobre os mais variados temas, acompanhados pelos acordes repetidos de uma viola ou violão. Identificado mais com o Nordeste brasileiro onde chegou através dos colonizadores portugueses esse gênero musical além de forma de lazer, é, principalmente uma forte manifestação da cultura popular. Daí a grande importância de "Os Maiorais do Repente" (Chantecler) onde Moacir Laurentino e Sebastião da Silva, ambos paraibanos, o primeiro de Paulista e o segundo de Guitegui, atualmente rescindindo em Patos, e apresentando um programa na Rádio Espinharas de Patos, mostram oito clássicos repentes, entre sextilhas ("Entre o sertão e o mar"), quadrão perguntado ("Perguntas e respostas"), quadrão a beira mar ("Retrato da Terra"), galope a miudinho ("Dúvida de Casamento"), mourão ("Dúvida de Casamento"), mourão ("Desafio") e martelo agolpado ("O Homem Sertanejo"). É importante entender as diferentes formas de expressão não urbana: as catiras de Vieira e Vieirinha, por exemplo, são caracteristicas do Interior de São Paulo, enquanto o repente já é uma linguagem nordestina. Outro exemplo da expressão cultural nordestina, é da dupla Lúcio da Silva (paraibano de Brejo da Cruz) e Waldir Teles (pernambucano de São José do Egito), reunidos no belíssimo "Sentimento Viola e Poesia". Se conheceram em Patos, e sentiram a identificação de um trabalho comum, que resulta nas oito faixas deste elepe, com sextilha ("Loucuras de Carnaval"), rojão pernambucano ("Desencontro"), poemas e até gêneros originalíssimos a partir de sua designação: Pai Tomaz ("Bravuras de Nossa Gente") e Queixo Caído ("Cada Qual Que Seja Mais"). Como dissemos acima, é necessário se despir de (falsos) preconceitos e mergulha na cultura do povo para entender a beleza destas manifestações. Honestas, sinceras e que merecem ser preservadas em sua autenticidade.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal da Música
34
23/11/1980

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