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Said, o idealista que fazia livros

Há 20 anos, o Sr. Said Mohamad El-Khatib realizava um projeto com o qual há muito sonhava: editar uma História do Paraná. Em quatro volumes, reunindo textos de mais de uma dezena de professores, pesquisadores e estudiosos, cabia a ele, nascido no Líbano mas que desde o início dos anos 50 tornara-se um curitibano de coração, a tarefa de oferecer uma obra que, passadas duas décadas, é ainda ponto referencial para qualquer pesquisa sobre o nosso Estado. Comerciante que nunca deixou a imediatez do lucro tolher sua preocupação intelectual, Said sempre voltou-se à educação e à cultura. Costumava repetir: - Abrir bibliotecas e escolas e editar livros é como plantar boas sementes para a humanidade. E ele assim procurou fazer ao longo da vida. Jovem ainda, chegando do Líbano, abriu escolas em cidades do interior de São Paulo por onde começou sua vida no Brasil. Mais tarde, durante alguns anos em que, já casado com Dona Marinha, retornou ao Líbano, também instalou escolas no seu país. Finalmente, em Curitiba, para a qual veio há quase 40 anos e onde seus negócios prosperaram, pôde realizar o projeto que mais sonhava: editar bons livros. xxx Ontem ao ser sepultado no cemitério da Água Verde, os muitos amigos que ele soube fazer em seus anos de Paraná, lembravam a contribuição cultural que Said Mohamed El-Khatib deu ao nosso Estado - e a aproximação da comunidade árabe. Pacifista por formação, culto, preocupado com o entendimento dos homens, Said sonhava com o dia em que houvesse a paz no conflito do Oriente Médio, especialmente em seu país. Há 25 anos, decidiu publicar em português uma obra fundamental para se entender a contribuição de seu povo: "A Civilização Árabe", do francês Gustave Le Bohn (1841-1931), que, em três volumes, deu início às atividades editoriais da Garantia Cultural, empresa que se dedicava, até então, à venda de coleções encadernadas. A repercussão foi tão boa que Said, com auxílio de seus filhos, Faissal e Faruk, partiu para um projeto local: a edição do Dicionário Cultural da Língua portuguesa. Encomendou o trabalho ao professor Rosário Mansur Guerios, filólogo dos mais respeitados, e produziu um belíssima obra, que teria várias reedições. Foi então que surgiu o projeto da História do Paraná, preenchendo um espaço na bibliografia do Paraná, através de textos didáticos e objetivos, incluindo um volume com biografias de paranaenses ilustres. Façam-se as restrições que se quiser, mas o trabalho pioneiro permanece válido - e se a Secretaria de Cultura ainda não soube ter sensibilidade para agilizar um projeto referente a uma necessária Enciclopédia Paranaense, a História do Paraná, em bibliotecas públicas e particulares, é uma das fontes básicas para consultas imediatas de milhares de pessoas - especialmente jovens. xxx O idealismo de Said Mohamed El-Khaib em favor da cultura lhe custou caro. A grafipar, empresa que fundou com seus filhos, sofreu problemas financeiros e após o lançamento de uma obra elaborada a partir de estudos de marketing - mas que foi fracasso de vendas ("A família, conflitos e perspectivas"), teve que pedir concordata. Homem honrado, incapaz de fugir a qualquer compromisso, Said recuperou a empresa e um novo impulso foi dado - já então com um marketing diverso, orientado por Faruk El-Khatib, seu filho caçula, que a partir de uma revista distribuída a bordo dos aviões da Varig (Passarola), acabou criando quase meia centena de publicações e colocando a editora entre as maiores do país. Os tempos mudaram, uma experiência jornalística (Correio de Notícias) trouxe prejuízo e, finalmente o sonho editorial voltado para a cultura foi abandonado - mas nem por isso Said deixou de se preocupar com a difusão do pensamento árabe. Escreveu livros de memórias e traduziu partes do Alcorão, como resultado de uma viagem que, como muçulmano fiel, fez a Meca há alguns anos. xxx Muitos aspectos poderiam ser lembrados sobre a grandeza humana e intelectual de Said Mohamed El-Khaib, como educador, editor, intelectual e, sobretudo, um diplomata que sem cargos e badalações oficiais, fez muito pela aproximação e entendimento dos árabes no Brasil. Voltado à família, repetia sempre que seu maior sonho era poder ver, por toda vida, seus filhos trabalhando juntos - o que, em certa época, foi quase possível, com Faissal, Faruk e Selma dirigindo a Grafipar (a outra filha, Maria de Fátima Gomide, já morava em Goiânia, esposa de um dos mais notáveis médicos daquela cidade). A vida, infelizmente, ceifa os projetos mais carinhosos e o idealismo editorial de Said fica na lembrança de quem participou daquela fase. Ontem, na homenagem final, todos lembravam de Said Mohamed El-Khatib, antes de tudo como exemplo de uma pessoa especial, daqueles homens muito bons, muito justos - e cuja morte diminui este nosso mundo. LEGENDA FOTO - Said El-Kathib: um homem que plantou livros
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
01/09/1988
Comprei a colecao Historia do Parana em 1971 e ainda a consulto.

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