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Aramis

"A Sangue Frio", o romance sem ficção

Em novembro de 1959, o escritor Truman Capote trocou o sofisticado ambiente que sempre freqüentou na Nova York por ele glamurizada em contos, peças e artigos para, deixando o inverno que começava com uma sessão de muitos sociais eventos-artísticos, iniciar o projeto mais trabalhoso de sua vida: uma reportagem sobre o massacre de uma família de fazendeiros na pequena cidadezinha de Holcombe, situada nas altas planícies de trigo do Oeste do Rio Kansas, área desolada que os outros habitantes do Estado chamam de "lá longe". Ali, na noite de sábado, 14 de novembro, um dos mais cruéis massacres aconteceu: o fazendeiro Herb Clutter, sua esposa e dois de seus filhos - a menina Nancy e o garoto Kenyon foram cruelmente assassinados - por facadas, asfixias e tiros de carabinas. A notícia, difundida inicialmente pela modesta estação de rádio de uma cidade vizinha, a Kiul, de Garden City - "uma tragédia inacreditável e indizivelmente chocante, atingiu quatro membros da família de Herb Clutter" ganharia destaque nacional horas depois. A perversidade com que os crimes foram cometidos, o fato de atingir uma tranqüila e honesta família do Interior fizeram com que ao lado do choque na opinião pública se fizesse a pergunta: mas como e por que alguém pode ter cometido tal massacre? Truman Capote, então com 35 anos, no auge de sua carreira de escritor (em 1958 havia publicado seu mais famoso conto, "Breakfast at Tiffany's", que Blake Edwards filmaria três anos depois, com Audrey Hepburn), decidiu investigar por sua conta o crime. Foram cinco anos de pesquisas, entrevistas e até mesmo um período em que conviveu longamente no presídio para melhor conhecer os dois assassinos - Richard Eugene Hickock, 33 anos e Perry Edward Smith, 36, enforcados na Penitenciária Estadual de Kansas, na manhã de 22 de junho de 1965. xxx Quase seis anos após ter iniciado aquela que poderia ser definida como a maior cobertura policial da história de um crime, Capote publicava "A Sangue Frio" (In Cold Blood) - inicialmente em capítulos, na revista New Yorker, mas logo em forma de livro - e que provocou a maior discussão no meio literário. Praticamente, abria um novo gênero literário - o chamado romance de ficção, pois utilizando nomes, dados e fatos absolutamente verdadeiros, Capote criou um romance de suspense que, com toda razão permaneceria anos entre os mais vendidos. Em 1967, Richard Brooks, então com 55 anos, filmou o livro, recusando as pressões para utilizar cores - já que só via no p&b das imagens de Cornrad Hall a forma de colocar na tela toda a brutal tragédia. No elenco, nomes pouco conhecidos - Roberto Black e Scott Wilson como os assassinos Smith e Hickock; o veterano Paul Stewart como um repórter - alter-ego do próprio Capote; Jeff Corey, Charles McGraw e John Forsythe. Apesar de quatro indicações ao Oscar, não recebeu nenhuma estatueta: Brooks concorreu como diretor e roteiro adaptado (perdendo para Mike Nichols, por "A Primeira Noite de Um Homem" e Sirling Siliphant por "No Calor da Noite", respectivamente); a fotografia de Conrad Hall perdeu para a de Brunet Guffey em "Bonnie e Clyde", e a magnífica trilha sonora de Quincy Jones perdeu para "Positivamente Millie", de Elemer Bernstein, no musical de George Hill. Mesmo com toda a repercussão que o crime teve na época e, especialmente o livro de Truman Capote - o filme não chegou a fazer sucesso no Brasil (em Curitiba foi exibido durante apenas uma magra semana no antigo Cine Lido, em 1969). Da pesquisa feita para o livro, Capote extraiu material para outro livro, "The Glass House", que Tom Gries (1922-1977) filmaria em 1972 ("O Sistema", originalmente realizado para a televisão americana), considerado um dos maiores libelos contra a violência nas prisões. Capote, nascido em New Orleans, em 30 de setembro de 1924, com o nome verdadeiro de Truman Streckfus Persons, fez carreira literária a partir de seu primeiro livro de contos ("Other Voices, Other Rooms", 1948) e seria uma das personalidades mais fascinantes da chamada inteligentzia nova-iorquina, escrevendo artigos, peças, roteiros etc. - e mesmo atuando como ator (como na comédia noir, "Assassinato por Encomenda"). Morreu em 25 de agosto de 1984 e recentemente saiu nos EUA um polêmico livro sobre sua vida.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
01/03/1989

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