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Aramis

Som Rural

"Minha música não é da roça, de campo, mas é de cidade pequena. E é assim porque fui criado em cidades do Interior e recebi, logicamente, todas as influencias naturais da música ambiente. Mas não é música caipira, porque se eu mergulhasse nesse gênero não conseguia fazer algo melhor ou igual, mas pior", Essa lúcida declaração de Renato Teixeira (34 anos nascido em Santos mas criado em Uberaba e Taubaté, no Interior de São Paulo, deve ser pensada e analisada. Pois no momento em que, afinal, consegue romper o círculo restrito de que sua música era conhecida há mais de 10 anos-participando de festivais, fazendo jigles etc- e alcança o sucesso nacional, via gravação de "Romaria" por Elis Regina, começa afinal a se voltar a atenção para uma necessária, e cada vez mais urgente, revisitação, reanálise e reinterpretação de nossa (rica) Música rural, tão marginalizada de desprezada. Renato Teixeira lembra um compositor e violinista, além de ótimo cantor, muito conhecido em Curitiba: Marinho Galera. Ambos nasceram no de São Paulo, tiveram a mesma inflluências e se Teixeira começa agora a acontecer nacionalmente, muito em breve Marinho, coordenador regional do projeto Pixinguinha, também aconteça : suas música, especialmente as parcerias com Paulo Vitola, estão cada vez melhores e com os contatos que estabeleceu nos últimos meses, tem tudo para merecer sua vez e hora nacionalmente. Renato Teixeira, que anteriormente já havia feito um lp na Phonogram ("Paisagem", 1973), canta gostoso e bonito, canções simples, falando de coisas e personagens de sua terra - o que confere a este seu belíssimo disco, onde é acompanhado por ótimos músicos (Nathan, Dududa, Wilson e Caçulinha, os 3 primeiros do grupo "& Cia.", de Cesar Camargo Mariano) um grande sabor de brasilidade. "Vira" (No meu quintal) - colocando uma palavra que aprontamente seria vista como palavrão, "Alforje", "Viola Malvada", "Arraial", "Olhos Profundos", "Lira Rara" e a nacionalmente promovida "Romaria" são músicas da melhor qualidade, na voz de um talento dos mais significativos. Conhecido ator, principalmente de televisão, Rolando Boldrin obtém em seu segundo lp ("Longe de Casa", Chantecler, 2-08-404-094, fevereiro/1978), também uma dimensão brasileiríssima. Voltando-se as canções do Interior paulista, principalmente composições de Raul Torres, mestre do gênero, falecido há alguns anos, acompanhando-se por um afinado violão, Boldrinn nos oferece um disco da maior dignidade, pequeno (grande) documento de um gênero que, visto sem preconceitos e preocupações elitistas, chega a emocionar, pois, como diz Plínio Marcos, no texto de contra capa, "todos que já se tocaram que um povo que não ama e não preserva as suas formas de opressão mais autênticos, jamais, será um povo livre", Boldrin canta, de forma suave e bonita, toadas como "Minas Gerais", "Chico Mulato", "Mestre Carreiro", "João Carreiro", valsas como "Aquela Flor", uma "Seresta (de Alvarenga/Ranchinho/Newton Teixeira) e canções como o clássico "Piracicaba" (Newton Almeida Mello). Juntos há 36 anos, a dupla Cascatinha (Francisco dos Santos, Araraquara, SP, 1919) e Inhana (Ana Eufrosina da Silva Santos, Araras, SP, 1923) constituem uma das duplas mais características da música rural brasileira. Famoso por bolerões, guarânias e rasqueados, que, como dia J.R. Tinhorão, são "o iê-iê-iê, diz caipiras", esta dupla tem uma imensa discografia, mantida em catalogo por diferentes fábricas por onde já passaram. Para quem tem ouvidos limpos da poluição do supérfluo pop e sabe ouvir o canto brasileiro, "Casinha Pequenina"(PAL/RGE, março/78) é um importante documento, onde Cascatinha e Inhana incluem temas de Paraguassu ("Triste Caboclo"), Bonfiglio de Oliveira ("Flô de Ipê"), Pedro Pereira - Ary Pavão Marques Porto ("Chuá...Chuá) e até "Na Casa Branca da Serra", citado como "motivo popular" mas que na verdade tem autor: a trovadora paranaense Fernandina Marques, numa plaqueta publicada pela Editora Pongetti, em 1972 ("A Verdadeira História da Modinha"), revelou: o autor da "Na Casa Branca da Serra" é Guimarães Passos que teve como musa, inspiradora uma curitibana, Antonia Alves de Araújo. Ouvir Cascatinha e Inhana, sem preconceitos, é importante. E se alguém duvida do bom foram eles que lançaram no Brasil a guarânia "Índia", recentemente revalorizada na interpretação da Gal Costa. xxx A música rural é ampla e comportaria páginas especializadas, tão grande é o número de lançamentos na área. Novas duplas, trio e mesmo instrumentistas e cantores individuais aparecem mensalmente. A dupla Tibagi e Niltinho, por exemplo, tem um volume 2 de composições de Roberto Stanganelli, com diferentes parceiros, lançado pela RGE, Maria Cláudia, em "Estrada da Vida", interpreta músicas de José Rico, dentro de uma linha dramática, de agrado das populações interioranas. E o gaúcho Toni Silva, radicado em Curitiba, com sua linha irônica, apoiado numa sanfona de muitos baixos, continua a vender muito: "O Machão de Pelotas"(Continental/Phonodisc, 0-41-405-010, abril/78) é o seu novo disco, que vamos registrar, com maiores detalhes, em nossa coluna diária ("Tabloide", 3o página) De Goiás é o cantor-compositor Gatto ("Espinhos da Vida", Alvorada/Chantecler, 2-10-407-219), mas que, infelizmente, aos 28 anos, intercala influências urbanas e rurais, num resultado sem maior importância. Se tivesse a autenticidade, raízes no rico folclore goiano, por certo seu trabalho seria mais significativo. Mas, assim como o mineiro-paranaense Paulo de Paula (com "Realidade, RGE, saindo no mesmo caminho de vendas de "Quarto de Mansão") se perde num hibridismo comercial. Mas isto é assunto para outra - e longa - anotação dominical.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal da Música
28
23/04/1978

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