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A sombra financeira condenou música de Hilton ao silêncio

Cada parte pode até ter a sua razão. Mas o prejuízo artístico é inevitável. Eis como pode se definir mais um lamentável episódio na crônica das frustrações musicais do Paraná. Desde março de 1986 que o compositor e intérprete Hilton Lopes Barcelos, 35 anos, vem se dedicando a produção de um sonhado disco independente. Com imensos sacrifícios pessoais, num trabalho em que tem literalmente suado a camisa e empregado economias de uma vida de trabalho, conseguiu gravar nove composições. A décima - e mais audaciosa - seria "Uma Sombra Passou Por Aqui", cujo tema e título foi inspirado pela leitura do conto de Ray Bradbury. Para esta música, o jovem maestro Roberto Burgell, 27 anos, atualmente estudando em Freyburg, na República Federal da Alemanha, concebeu um arranjo de 6 minutos, no qual seria indispensável a participação de uma orquestra sinfônica. Em outubro de 1987, Hilton reuniu-se com a diretoria de arte e programação da Fundação Teatro Guaíra e expôs o projeto de que a composição fosse incluída no programa de uma das futuras apresentações da Sinfônica do Paraná, tornando possível sua gravação ao vivo. Seria uma forma de, no propalado "Ano da Música Paranaense", a Osinpa prestigiar um jovem compositor paranaense e, ao mesmo tempo, viabilizar uma gravação impossível, em termos financeiros, de ser feita em estúdio. Hilton confiou na palavra oficial e ficou feliz, a espera da data do concerto - marcado para 10 de abril de 1987. Há menos de um mês, recebeu uma grave informação: seria impossível a gravação pois a Orquestra Sinfônica, entendendo que a mesma seria para "fins comerciais" (sic), exigia o pagamento dos direitos conexos a seus integrantes. Valor pelo registro de uma peça de seis minutos: Cz$ 1.017.500,00 para os músicos e integrantes do coral; mais Cz$ 13.564,00 e Cz$ 15 mil aos maestros do coro e da orquestra, respectivamente. Evidentemente que a Fundação Teatro Guaíra não tinha previsão para bancar este custo extra. Muito menos Hilton Barcelos, reuniões tensas aconteceram e a questão foi transferida para a orquestra discutir em assembléia. No dia 30, com a presença de pouco mais de 50 músicos, após ouvirem a exposição feita pelo autor, os músicos foram inflexíveis: pela votação de 22 a 16 votos, não só permaneceram na decisão de cobrar o preço profissional, segundo a tabela da Ordem dos Músicos, como inclusive exigir atualização dos valores com base na elevação da OTN. Ou seja, por 6 minutos de gravação querem mais de Cz$ 1.500.000,00. Em documento entregue na tarde de segunda-feira, 4, a Orquestra oficializou tal disposição: sem o pagamento prévio desta importância não permitirão qualquer registro da apresentação da música de Hilton. xxx A Orquestra, dentro dos princípios profissionais que lhe garante pagamento adicional pela utilização de sua participação em qualquer meio de difusão mecânica ou visual, tem sua desculpa técnica. A Fundação Teatro Guaíra alega - e deve ser verdade - não dispor de recursos para fazer este pagamento extra-orçamentário. O compositor Hilton Barcelos, obviamente, também não dispõe de condições de assumir este encargo. Ou seja: "Uma Sombra Passou por Aqui" será apresentada no concerto de domingo (auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, 21 horas), com o arranjo do maestro Burgel, sob a regência de Osvaldo Colarusso, mas não será gravado. E, assim, o álbum "Arquétipos", que Barcelos vem produzindo com as maiores dificuldades, ficará sem esta faixa. xxx Algumas questões merecem reflexão. Mantida pelo governo do Estado, com um custo altíssimo, a Orquestra Sinfônica do Paraná não deveria auxiliar a uma produção musical feita por um compositor do Estado? Justifica-se uma imposição tão dura, em tempos tão friamente profissionais, fixando em quase Cz$ 10 mil por cabeça, o pagamento extra pela execução de uma composição de apenas 6 (seis) minutos? Até onde pode-se entender como "produto comercial" um disco independente, que há dois anos vem sendo realizado, com as maiores dificuldades, por seu autor - e que nele já investiu mais de Cz$ 800 mil, Cz$ 350 mil de recursos próprios e mais Cz$ 450 mil, que a Secretaria da Cultura lhe adiantou como pagamento (e não subvenção) por 500 exemplares do disco quando este ficar pronto? Para concluir o disco, Barcelos necessitará no mínimo mais Cz$ 1,5 milhão para a mixagem, confecção da capa (a partir do layout que seu amigo Sérgio Moura já criou) e a prensagem de 2 mil cópias. Uma importância elevada e que só poderá ser obtida através do mecenato via lei Sarney. Se tiver que pagar Cz$ 1.500.000,00 aos músicos e regentes da Sinfonia e Coral, o custo duplicará. Portanto, Hilton tomou a atitude mais sensata: congelou o sonho de ter a faixa "Uma Sombra Passou por Aqui" em seu disco. Decepcionado e descrente com projetos culturais no Paraná, Hilton já decidiu: será mais um a deixar Curitiba. Antes, porém, "custe o que custar" quer ver pronto o disco, ao qual vem se empenhando com tanto idealismo. É difícil fazer um disco independente. Acusar, portanto, um projeto como este de "comercial" é desconhecer uma realidade. Seria de se esperar que uma Orquestra mantida pela Secretaria da Cultura, a custa do orçamento público - ou seja, do imposto que cada cidadão paga - fosse mais sensível a um projeto cultural. Se a peça a ser gravada não tivesse méritos que justificassem sua apresentação pela sinfônica, caberia aos maestros Osvaldo Colarusso ou Alceo Bochino recusarem. Não foi isto que aconteceu, tanto é que terá sua apresentação. Mas sem gravação. LEGENDA FOTO - Roberto Burgell: um arranjo sinfônico para a música "Uma Sombra Passou por Aqui" de Hilton Barcelos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
07/04/1988

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