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Aramis

"Splendor" compensa filmes que fracassaram na semana

Infelizmente, aconteceu o que prevíamos: dos cinco importantes filmes estreados há uma semana, dois já não estão mais em exibição: "Assassinato sob Custódia" (A Dry White Season), de Euzhan Palcy e "Contos de Nova Iorque", de Martin Scorcese, Francis Coppola e Woody Allen, foram substituídos por "Meu Pai - uma Lição de Vida", de Gary David Goldberg e "Splendor", de Ettore Scolla, nos Cines Lido II e Bristol, respectivamente. São duas estréias excelentes, sem dúvida, mas que cortam carreiras de filmes que mereceriam permanecer mais uma semana em exibição. Por que? Afinal, uma produção sofisticada, com três histórias deliciosas, atuais, rodadas em Nova Iorque, com direção de três mestres do cinema contemporâneo, deveria se manter ao menos duas ou três semanas em exibição. Entretanto, abruptamente foi substituída por "Splendor", um filme que abordando a mesma temática de "Cinema Paradiso" - a história de um cinema numa pequena cidade da Itália - também esteve no Festival de Cannes do ano passado. Menos sentimental que "Paradiso" - e as comparações com a obra prima de Giuseppe Tortatore serão feitas - mas igualmente fascinante, "Splendor" com dois nomes famosos no elenco - Marcelo Matroianni e Marina Vlady - corre também o risco de ser queimado em apenas uma semana. E que dizer de "Dad", um filme sentimental, inteligente, sobre relacionamentos pais-filhos - que entra no Lido II, sem qualquer promoção especial, a não ser a atração do excelente Jack Lemmon, numa interpretação de um velho de 75 anos. No mínimo, corre o risco de ser retirado de cartaz já na próxima quarta-feira, pois "Assassinato sob Custódia", o belo e corajoso filme denunciando o apartheid na África do Sul e que valeu a Marlon Brando, por sua curtíssima atuação, a indicação ao Oscar de melhor coadjuvante, não teve público que garantisse uma segunda semana. E depois ainda falam de Curitiba como cidade-teste para cultura? Que piada! Pais e Filhos - Coincidentemente, duas estréias examinam, de prismas e faixas etárias diferentes, as relações "Pais e Filhos". "Meu Pai - uma Lição de Vida", de Gary David Goldberg - um novo cineasta - é uma obra de pretensões, ao reavaliar o encontro de um filho de meia idade, há anos distanciado do velho pai, e o relacionamento que com ele se estabelece. Jack Lemmon, cujas preocupações com a temática da idade o levaram a inclusive dirigir um belíssimo filme - "Ainda Há Fogo sob as Cinzas" (Kotch, 72) - aceitou interpretar um personagem de 75 anos (ele tem 65), submetendo-se assim, como Olympia Dukakis (Oscar de melhor coadjuvante por "Feitiço da Lua"), há um rigoroso processo de maquiagem, que valeu a Dick Smith a indicação ao Oscar nesta categoria (em 1984, já havia obtido o Oscar de maquiagem pelo envelhecimento de F. J. Murray Abraham em "Amadeus"). "Dad" - cuja trilha sonora de James Horner (uma das revelações da música de cinema nestes últimos anos) foi editada pela WEA - é daqueles filmes de visão obrigatória. Já "Não Mexa com a Minha Filha" (Cine Plaza, onde substituiu a "Justiça Corrupta", que também mereceria ter uma segunda semana em cartaz) é uma comédia aparentemente descompromissada, dirigida por Stan Dragoti ("Amor a Primeira Mordida", "Mr. Mon", "O Homem do Sapato Vermelho") mas que também tem seu lado interessante. No caso, a relação entre um pai (Doug Simpson / Tony Danza) que, liberal nos anos 60, revela-se careta, conservador e dominador ao ver sua bela filha adolescente, Katie (Ami Dolena) se transformar numa mulher desejada e paquerada. Cineasta de mão leve, que sabe chegar as platéias jovens, Dragoti construiu um filme com uma balançante trilha sonora - com êxito dos anos 70/80 - que mesmo com elenco de nomes novos, desconhecidos no Brasil, tem condições de chegar a um bom público. Isto é, se o filme permanecer em cartaz o tempo mínimo. "Splendor" - Foi um dos filmes mais aplaudidos no V Festival Internacional de Cinema, Vídeo e Televisão em Fortaleza, em novembro último, em sua exibição hors concours. Nem poderia ser diferente: o notável Ettore Scolla ("Nós que nos Amávamos Tanto", "Casanova e a Revolução", "O Baile", "A Família", etc.) voltou-se, com toda sua sensibilidade, a um tema universal e atual: o fim das salas de exibição. Em Cannes, "Splendor" foi prejudicado com as comparações a "Cinema Paradiso" - e novamente agora, lançado posteriormente ao grande sucesso que foi o filme de Tortatore - é claro que todos dirão que "aquele filme era melhor". Não se trata de uma corrida de cavalos: tanto "Cinema Paradiso" como "Splendor" são hinos de amor ao cinema, realizados do ponto de vista dos homens que ao longo deste século viabilizaram a exibição. Tortatore preferiu contar a história a partir das relações de uma criança e um operador de cinema, entremeando com seqüências que mostram um pouco da história do cinema a partir dos anos 30. Scolla conta a história de um cinema a partir de seu proprietário, Jordan (Marcelo Mastroianni), Luigo, o projecionista (Massimo Troisi) e Chantal (Marina Vlady), a caixa, recepcionista e amante de Jordan. Neste há mais humor e menos sentimentalismo do que em "Cinema Paradiso", mas ambos são emotivos, magníficos em sua visão do cinema como o entretenimento mais popular e marcante para platéias de todo o mundo. Se em "Cinema Paradiso", o desafio de identificar as dezenas de seqüências e fragmentos exibidos na tela era grande, já que não havia uma indicação no final, em "Splendor" na relação dos créditos, há os títulos dos filmes que são projetados na tela: "Amarcord", "A Batalha da Argélia", "A Noite Americana", "Aquele que Sabe Viver" que também teve um fragmento em "Cinema Paradiso"), "De Punhos Cerrados", "A Grande Guerra", etc. - conforme relação que aqui publicamos em 21 de janeiro de 1980, quando em "Almanaque Dominical" fomos os primeiros a dedicar três páginas a este belíssimo filme. Repetimos, aliás, o que dissemos na ocasião, ainda sob o impacto da primeira visão do filme em Fortaleza: se o cinema é a indústria dos sonhos iluminados projetados na tela branca, "Splendor" é mais do que um filme: é o próprio sonho. Em torno deste filme não deveria haver críticas ou realeases: no máximo um poema tão profundo quanto aquele que Carlos Drummond de Andrade dedicou a Carlitos. "Splendor" é magia do início ao fim. Um filme para quem ama o cinema, sua simbologia e seu folclore. Ironicamente, um filme como "Splendor" - que trata do esvaziamento das salas de projeção - é desperdiçado pela Warner. Ao invés de aproveitando o sucesso que "Cinema Paradiso" havia conquistado, emendar a sua estréia - precedida de uma bem badalada pré-estréia promocional - seu lançamento ocorre quase sem promoção, no Bristol. Se Levi e Aleixo, os "big boss" da Vitória Cinematográfica, não tiverem calma, talvez a bilheteria inicial nem justifique uma segunda semana. Ao contrário, se souberem esperar, o boca-a-boca, o elogio que o filme merece, fará com que a bilheteria cresça e o sucesso possa aproximar-se do que foi "Cinema Paradiso". Calma, portanto! Outros Programas - Bons filmes continuam em exibição: "Camille Claudel", de Bruno Nuyteen, com Isabelle Adjani e Gerard Depardieu, continua no Ritz; "Pelle, o Conquistador", de Bille August, no luz; "Conduzindo Miss Daisy", de Bruce Beresford, no Guarani; "Sociedade dos Poetas Mortos", de Peter Weir, no Cinema I; "A Caçada do Outubro Vermelho", no Condor e "Além da Eternidade", de Steven Spielberg, no Lido I. Entre as estréias, duas produções menores: a comédia "Deu a Louca nos Monstros" (The Monster Squad), de Fred Diller - substituindo o interessante "Blazer - O Escândalo", com Paul Newmann (que também mereceria segunda semana) no Astor, e o policial "Inimigo Mortal" (Eye of the Tiger), no São João, credenciado pelo nome do diretor Richard C. Serafian, 63 anos, cultuado por filmes como "Corrida Contra o Destino" (Vanishing Point, 70) - constantemente reprisado na televisão - mas que fez um outro filme notável, "Quando Explode o Ódio" (The Lolly Madone War, 72), que há muito as televisões já deveriam ter se lembrado de apresentar. LEGENDA FOTO 1 - Jack Lemmon e Olympia Dukakis em "Meu Pai - Uma Lição de Vida": um filme sobre a velhice e as relações pais e filhos. Em exibição no Lido II. LEGENDA FOTO 2 - Marina Vlady e Massimo Troisi em "Splendor", a melhor estréia da semana. Um filme que pode conquistar o mesmo público que adorou "cinema Paradiso".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
8
25/05/1990

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